Bandeira Vermelha e Negra da FASP

Bandeira Vermelha e Negra da FASP
Bandeira da Federação Anarquista de São Paulo

A Confederação

" Quando a Confederação chegar nenhum muro, casa, apartamento, Status Cow, propriedades, radicais e trabalhos vão separar você de você que sera o carrasco e a vitima de você mesmo.
Por tanto se amem e sejam felizes, pois os bons frutos seram multiplicados e os maus frutos serão punidos em meu jardim.
Estou cansado de ganhar almas de Ingratos que ganharam tudo isto aqui e me prodizem maus frutos no paraizo. "

The Proibid

A Coluna Anarquista Organicista

A Federação Anarquista é a Espinha Dorsal do Anarquismo

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Entrevista com Núcleo Pró - Federação Anarquista de São Paulo

Entrevista realizada por Maria Lacerda Mancini
E-mail: amulheril@gmail.com
http://amulheril.blogspot.com/2008/08/entrevista-com-ncleo-pr-federao.html

Respostas
Ordem:


A) Eduardo Preto
B) Israel Sassá
C) Felipe Corrêa


1. Quando e como iniciou sua militância no movimento anarquista?

R: A) Em 1990 comecei a participar do MAP.

B) É uma história longa e até metafísica, mas resumindo, encontrei um homem (1988) as margens do Rio Tiete que estava lendo “A Conquista do Pão”, parecia que já conhecia aquele livro. Ficamos conversando um pouco, ele me presenteou com o livro e nasceu ali uma amizade. Eu com 11 anos e ele já passava dos 90. Após sua morte repentina saí em busca dos endereços que me falava em suas histórias e me encontrei com Antonio Martinez na frente da sede do CCS. Lá dei meus primeiros passos e conheci os anarco punks, tive afinidade com o MAP e participei dele até 2000.

C) Começou mais concretamente no fim dos anos 1990 no movimento de resistência global, depois de uma afinidade com outras propostas da esquerda, e mesmo de outros campos do socialismo.

2. Você já participou de varias organizações anarquistas. Pode fazer um comentário dessa atuação?

R: A) Participei do MAP em 1990 quando este era um movimento aberto e quantitativo, hoje o MAP perdeu na quantidade, mas ganhou na qualidade organizacional protagonizando a IAP, Também participei da JULI em 1991 e da FOSP em 1992, participei da fundação da OSL nacional e estadual em São Paulo e da articulação e fundação da RP em São Paulo.

B) Vou tentar lembrar algumas coisas. Em 91 formamos um coletivo formado por jovens (punk, rapper, roqueiros e outras) de nome Subumana. Permaneceu até 96, depois, com a saída de alguns e o ingresso de outros mudamos para GERA, que era um grupo de estudos. Com as atividades do GERA, tive acesso a outros grupos como, PCAM, ACR e posteriormente o ALDA. Nesse mesmo período, meados de 96, estávamos discutindo a OSL (junto com Eduardo e outros companheiros) e o que viria a ser o RP, não cheguei a participar de nenhuma das duas organizações, mas a RP acompanhei até sua formalização. O ALDA se dissolveu e seus membros formaram o primeiro núcleo do RP. Nessa época, conhecia um anarquista que fizera parte do CCS e tinha a noticia que estava iniciando umas atividades sociais na zona leste, e morava próximo da casa de meus pais, então fiquei no Coletivo Periferia, até hoje ainda fazemos algumas coisas.

C) Participei de grupos “libertários”, não anarquistas, como Centro de Mídia Independente e Ação Local por Justiça Global. Depois a Faísca Publicações e o Coletivo Anarquista Terra Livre. Hoje estou na FARJ.

3. Alguma dessas são especifista?

R: A) A OSL foi a primeira experiência de Organização Especifista Nacional!

B) O Coletivo Periferia nunca se definiu como especifista, porém todos seus membros sempre tiveram participações em movimentos sociais: ocupações urbanas, grêmios estudantis, sempre esteve próximo ao MST e participando de ocupações com MST, alfabetização, resistência a despejos – que são freqüentes na zona leste –, teve atuação importante nas movimentações contra o cadeião na leste e pela construção da USP e Fatec na zona leste junto com outras associações da região, etc. O interessante é que esse coletivo era formado por anarco cristãos, anarco punks, anarco feministas e outros adjetivos. Demoravam muito as decisões e alguns não participavam em determinadas ações que contrariassem sua escola do pensamento.

C) A FARJ.

4. Qual sua relação com a OSL e Resistência Popular?

R: A) No atual momento nenhuma, mas como disse participei da fundação das mesmas!

B) Nenhuma, nem sei quem está hoje nessas organizações.

C) Atualmente nenhuma.

5. Você conheceu Jaime Cubero e Antonio Martinez, se eles estivessem aqui será que concordariam com essa forma de organização?

R: A) Conheci SIM, foram eles meus professores políticos, Jaime Cubero foi o primeiro a defender o que se tornaria hoje o especifismo defendido pelo núcleo pró FASP da capital, em um texto muito conhecido sobre Organização Especifica dos anarquistas, onde ele fala que é impossível somar todos os Anarquismos numa mesma organização em especial os individualistas como propõem os sintetistas. Antonio Martinez nos falava da importância da atuação dos anarquistas nos movimentos sociais e ele mesmo falava da sua militância política em associações de trabalhadores em São Paulo. Creio que estamos materializando o desejo destes companheiros com a Pró-FASP.

B) As duas grandes autoridades que conheci em especifismo foram Jaime e Martins. Como disse o Eduardo, foram eles que nos orientaram sempre. Desde as discussões da formação da OSL e RP éramos orientados por eles. Varias vezes estive na casa do Jaime para que pudesse tirar alguma duvida e discutir sobre as organizações que iriam surgir e como deveria ser nossa conduta nos movimentos sociais. Que eles próprios também fazia parte de algumas associações (de bairro, trabalhadores, culturais).

C) Não conheci Jaime e Martinez.

6. Qual a diferença entre organização de síntese e a especifista?

R: A) A organização de síntese não se propõe atuar nos movimentos sociais por isso é mais aberta e federa grupos diversos de anarquistas, pois o seu único motivo de existência é a propaganda anarquista e a defesa de um anarquismo de pensamento, seu principal protagonista foi Sebastien Faure e atualmente, a maior representante da síntese é a Federação Anarquista Francesa. Já o especifismo se propõe a uma intervenção na realidade política social, vinculando o anarquismo a vários níveis e frentes de lutas, por isso é mais seletivo e fechado, seu principal protagonista é Bakunin, mas há outros como Malatesta, Durruti, Makhno e outros...

B) Gosto de ilustrar acerca do especifismo: participação ativa nos movimentos sociais, do lado de dentro. O outro modelo vocês já sabem.

C) Coloco ao final da entrevista alguns trechos de um texto de formação escrito algum tempo atrás. Mesmo sendo um pouco longo e meio “colcha de retalhos” (cortei muitas partes), reflete bem algumas diferenças fundamentais. É importante compreender que os dois modelos são muito diferentes. Se queremos chegar aos fins desejados, é imprescindível escolher os meios mais adequados. O especifismo é adequado para a transformação social que queremos imprimir à sociedade. A síntese não.

7. Você também é membro da FOSP, organização anarco-sindicalista, como pode conciliar essa dupla militância? É possível, nos dias atuais o sindicalismo ser um terreno fértil para a construção da revolução social?

R: A) Participo da FOSP desde 1992, mas não compactuo com aqueles que usam o nome da FOSP como o "Clãn do Xaveco". A FOSP é uma organização estatutariamente apolítica e não anarco-sindicalista e histórica na luta de classes, ao estar participando de níveis de lutas diferentes não significa que estes níveis não se relacionam, já que a militância é formada de pessoas ativas em mais de um nível de luta. O sindicalismo é a tática eleita na luta de classes pois vai de encontro contra a propriedade privada dos meios de produção, o MST é hoje a pratica do sindicalismo livre e de orientação revolucionaria, mostrando que esta viva a luta sindical.

B) No entendimento do especifismo, não há antagonismo nisso. Vemos no sindicalismo revolucionário uma oportunidade para revolução social, já que todos nessa sociedade têm que enquadrarem-se como trabalhadores (ou estão fadados à “morte” – física ou social). Essa configuração que a FOSP vem tomando, com a participação exclusiva de anarquistas, está longe da proposta inicial dessa organização. Os anarquistas não podem querer nem exigir que todos sejam anarquistas e o sindicalismo revolucionário não é uma causa de e para anarquistas, é para @s trabalhadores e assim, nós enquanto anarquistas temos que somar força com nossa classe social. E o fato de não entrarmos em sindicatos legalizados é que nestes participam até os chefes e estão atrelados ao Estado, não defendem os interesses dos trabalhadores. Fazem tudo conforme as leis e a lei não existe em beneficio da nossa classe e sim contra ela (Tolstoi). Toda a luta que existe hoje pode passar pelo sindicalismo revolucionário, mas não é a única forma de atuação. Se prestar bem atenção, até o crime organizado e traficantes (CV, PCC) estão formando seus sindicatos e pena que cobram impostos de seus filiados e estão vinculados a politicagem e ao Estado.

C) Não participo da FOSP e não tenho qualquer relação com eles.

8. Dentro dessa gama, onde se situa a AIT quanto à síntese e especifismo?

R: A) Em nenhuma delas, estatutariamente a AIT se define como anarco-sindicalista e não como Organização Especifica Anarquista e assim se define como a atuação dos anarquistas nos sindicatos, a AIT é uma organização social protagonizada por anarquistas, e temos que entender o porque esta a partir de tal momento se decreta como tal.

B) A AIT não se enquadra nem na síntese, nem como minoria ativa (especifismo). Mas está mais configurada para atuação especifista, pois se trata de uma frente de luta e muito importante para o futuro, quando os trabalhadores e trabalhadoras do mundo abrirem os olhos e também na atualidade, denunciando os picaretas das centrais vinculadas ao Estado e patronato. Foi na AIT que se iniciou a atuação especifista, os estudiosos de Bakunin e Malatesta podem confirmar isso.

C) Uma característica importante do especifismo é que ele busca diferenciar os níveis político (da organização anarquista) do nível social (dos movimentos sociais, sinditatos, etc. – não anarquistas). Para nós, defensores do especifismo, os anarquistas devem estar organizados especificamente, como anarquistas, para atuar em todos os ambientes sociais – sindicatos, sem terra, sem teto, movimentos comunitários, etc. Ou seja, consideramos o sindicalismo como UMA opção de espaço de inserção, mas não A melhor e nem a única opção. Isso, para nós, varia de acordo com o contexto em que atua cada organização. Esta é uma diferença do especifismo e do anarco-sindicalismo: os anarco-sindicalistas defendem um movimento social – sindicato – que caiba dentro de uma ideologia – do anarquismo. Não há separação entre político e social.

9. A FARJ é uma referência do especifismo no Brasil, eles terão participação nesse primeiro encontro, você pode falar da relação do núcleo pro-fasp da capital e a FARJ?

R: A) A FARJ que nos incentiva e nos apóia na formação da FASP um de seus militantes mora em São Paulo e também pertence ao núcleo Pró-FASP da capital.

B) No inicio, estávamos sós, defendendo o especifismo para a futura federação. Até que encontramos com a FARJ no “Carnaval Revolução” e vimos a semelhança das atividades deles com as nossas investidas junto aos movimentos sociais e eles se prontificaram em contribuir com as discussões pró FASP, depois, um de seus membros reside e trabalha aqui em São Paulo e veio somar nessa construção.

C) Sou membro da FARJ e acredito que inevitavelmente há afinidades entre o trabalho que desenvolvemos no Rio de Janeiro e o modelo de organização que se quer criar em São Paulo.

10. Alguns afirmam que vocês já trouxeram tudo pronto e por isso estão boicotando primeiro encontro e não querem nem participar das discussões nos grupos virtuais, você tem algum comentário quanto a isso?

R: A) As pessoas que falam isso e conhecemos muito bem quem são e quais a práticas políticas delas, com certeza percebem que o mundo não gira em torno do personalismo delas por isso se opõem ao especifismo.

B) Já participei de algumas tentativas de fundar uma federação ou algo parecido. Todas sucumbiram. Veja, a síntese já é uma realidade. Os grupos em São Paulo fazem atividades conjuntamente. A realização do “Expressões Anarquistas” é uma atividade que tem mais de duas agrupações envolvidas. Tem também as feiras, e vários outros eventos que acontecem por aí a fora. Mas isso é sempre de anarquistas para anarquistas é raro ver uma pessoa que não nos conhece. Quando propomos a FASP e atribuímos a ela o modelo especifista estamos abrindo para tod@s que concorde com a atuação coordenada nos movimentos sociais e não cabe a nós o título, como citamos e qualquer um que queira se aprofundar poderá constatar que quem preparou tudo foi Bakunin e Malatesta, eles que nos trouxe tudo pronto.

C) Não estamos fazendo a pró-FASP para agradar a todos os anarquistas do estado. Isso seria impossível e muito pouco funcional. Nosso objetivo é construir uma organização, partindo de uma discussão ampla, que possa interagir e ter relevância sobre as lutas de nosso tempo. Há uma série de questões a se discutir e outra série que não queremos discutir. Não queremos discutir se na federação tem que caber individualistas, não queremos discutir se organização é autoritarismo, se precisamos trabalhar com estratégia ou não, se os militantes devem ter responsabilidade ou não e coisas do tipo. Sabemos que queremos organização, diferença entre níveis na atuação, inserção social, atuação com estratégia, compromisso militante e algumas outras coisas. Toda forma de como faremos isso, as prioridades, os espaços de inserção, toda a formulação de conceitos, e a própria formulação de estratégia, fora uma série de outras questões, estão ainda em aberto. Queremos somente um alinhamento inicial, em questões “de saída” que facilitarão as discussões que virão a seguir. Quem tiver afinidade com a proposta está mais do que convidado a discutir e participar. Quem não tiver, constrói outras propostas ou organizações.

11. Algumas organizações especifistas nascem de um pequeno grupo (fechado) e depois se convidam outras pessoas de acordo com a afinidade, assim, parece que ocorreu com a OSL e o FAO, tem uma característica um pouco diferente da proposta pró fasp, que foi amplamente divulgada e aberta a discussão. Por que vocês preferiram seguir um método contrário?

R: A) Como disse participei da OSL e o FAO é um grupo promovido pela OSL, que percebeu que necessitava abrir mais o debate e a organicidade, porem acreditamos na importância do debate aberto, isso não significa que a FASP quando nascer será aberta! Mas o que esta aberto é o debate ! Se este método de participação aberto ao debate falhar, teremos certamente que rever a metodologia de debate.

B) Justamente. Fizemos questão de convidar tod@s companheir@s que poderia contribuir com a discussão. Fizemos um processo tão aberto que no grupo virtual que abrimos colocamos as pessoas e algumas delas é que pediram para sair. A priori incluímos todos que tínhamos afinidades e que de certa forma, nos pareciam com autoridade para tratar o assunto. Depois iniciamos a divulgação pelo CMI e outros veículos de comunicação. Não queremos excluir ninguém e sim incluir. Esse modelo precisa de pessoas e pessoas conscientes e coerentes, pessoas que tenha bem definido seu nível ideológico, que tenha convicção de seu anarquismo e isso só teríamos abrindo a discussão. Não conhecemos todos anarquistas do Estado de São Paulo e ainda, dos primeiros que vinculamos no grupo virtual, não chega a cinco as inscrições para o encontro, no entanto, já passa de 40 inscritos e desde o rabo até o bico do pássaro. Vem anarquista de toda parte, de todas regiões do estados, com varias experiências na bagagem e alguns que estão dispostos a sair da inércia e partir para a ação nos movimentos sociais. Isso é a reconstrução daquilo que nossos companheir@s iniciaram.

C) Minha resposta está contemplada naquilo que os companheiros falaram.

12. Há um grande número de acadêmicos (graduados, mestres e doutores) que são anarquistas e um número ainda maior de estudantes. Algumas participações suas na lista “Expressões Anarquistas”; você faz algumas críticas aos anarquistas ingressos e egressos da universidade, você tem alguma objeção quanto a participação de estudantes e acadêmicos na futura federação?

R: A) O Objetivo da Educação é socializar conhecimento, e para nos esta socialização deve ser a favor e em pró da classe dos explorados e oprimidos, resistindo a privatização e ao sucateamento da educação, com um amplo movimento de acesso e democratização da Universidade, se estes estudantes e professores forem a favor e participarem do Movimento da Educação ai estarão conosco, mas se se opuserem estarão do outro lado do campo. Porem a critica ao academicismo não é esta, Todos do núcleo pró FASP da capital são ou foram universitários, porem existe aqueles que querem fazer do Anarquismo somente uma escola de pensamento desvinculada da realidade e da luta de classes, usando o Anarquismo como Status dentro da universidade só unicamente fazendo teses acadêmicas, e é esta a pratica e pessoas que não queremos conosco!

B) Alguns que não me conhecia pensaram que minha formação é autodidata. Quando fiz e ainda faço essa critica é no intuito de questionar esses anarquistas ou melhor, todos nós que nos reivindicamos anarquistas. Veja o fato de ingressarem na universidade não é contraditório. Contraditório é permanecer sem fazer nada, sem socializar o conhecimento adquirido e vincular as atividades acadêmicas, de cunho especifico da academia à militância anarquista, o que acontece muito. É comum a defesa de teses desse tipo. Lógico que um trabalho que resulta em livros como “O Espírito da Revolta” é importante para o movimento. Mas temos que ir além e é isso que queremos. Pessoas como o Eduardo Valadares, por exemplo, queremos que esteja junto, nessa nossa construção e nos nossos trabalhos militantes. O que fortaleceu essa critica foi a participação em ocupações com o MST e acompanhando algumas atividades indígenas, quando podemos ver estudantes e intelectuais com a enxada na mão, participando de igual para igual com os demais. Nas tribos pelo Brasil todo se encontra graduados, mestres e doutores, mas esses pegam no pesado como qualquer um sem formação acadêmica. Outro texto que pode exemplificar isso é “Devolvam o Anarquismo ao Povo Pobre” publicado no CMI. Valorizo muito o conhecimento empírico e o adquirido pela cultura oral, como as dos índios, cablocos, quilombolas. Essa é a minha origem. Quero todos e todas ao meu lado, ao nosso lado ombro a ombro, na construção da revolução social. Temos que dar continuidade nisso que nos foi passado a cada geração. Juntos com esses acadêmicos, de preferência.

C) Minha resposta está contemplada naquilo que os companheiros falaram.


13. Qual expectativa com esse primeiro encontro?

R: A) Muito boas, até hoje 20 dias para o Encontro, são mais de 40 inscritos e mais de 20 solicitações que não se inscreverão (preenchendo a ficha de inscrição), o Blog: www.nucleos-fasp.blogspot.com já tem por volta de quatro meses e a duas semanas colocamos um contador de acessos a partir do zero e já são em duas semanas mais de 330 acessos. Pessoas de outros Estados também estão se inscrevendo, pois querem participar do debate especifista e contribuir com o debate de suas praticas anárquicas!

B) Que sai “namoro”! Quando criança chamava @s vizinh@s – Vem, vamos brincar! Hoje chamo @s companheir@s – Vem, vamos a luta! Esperamos que a compreensão adquirida nesse primeiro encontro nos arremeta a formalização da FASP e ao início dos trabalhos.

C) Minha resposta está contemplada naquilo que os companheiros falaram.

* * *

ESPECIFISMO E SINTETISMO (trechos)

O especifismo possui uma linha teórica e ideológica bem definida e uma estratégia de luta bem determinada. Agrega militantes com afinidades em teoria e prática. Diferentemente, a organização de síntese, ou sintetista, busca agregar os militantes anarquistas em um agrupamento determinado e, geralmente, a única condição para o ingresso de militantes é que esses se considerem anarquistas. Na prática, o que acontece é que sabemos que o anarquismo abarca dentro de si uma série de posições e teorias contraditórias (ao que outros chamam “pluralismo de idéias”) que comprometem fortemente a formulação de uma linha teórica/ideológica e de uma estratégia de luta bem determinada. Geralmente agregados em torno do consenso do “onde estamos” – ou seja, da crítica ao sistema capitalista, da crítica ao Estado, da crítica à democracia representativa, etc. – os militantes das organizações sintetistas têm pouco acordo em torno do “aonde queremos chegar” e praticamente nenhum acordo sobre o “como atuar”. Isso porque as diferentes formas de anarquismo variam muito em suas concepções estratégicas – ou na falta delas – de como se chegar a uma sociedade socialista libertária.

Como conciliar, por exemplo, em uma organização, pessoas que acreditam na organização específica dos anarquistas trabalhando nos movimentos sociais, com pessoas que acreditam que o trabalho com os movimentos sociais é autoritário? Como conciliar anarquistas que acreditam que a luta e a organização são prioridades com anarquistas espontaneístas que acham a própria organização autoritária? Como conciliar anarquistas socialistas com individualistas radicais que, ao invés de estarem preocupados com a constituição de uma luta séria e combativa contra o sistema, põem-se a defender a supremacia do ego e do indivíduo em detrimento do coletivo ou mesmo da sociedade? Essas são questões concretas com as quais as organizações sintetistas têm de conviver, por abarcar dentro de si todas as tendências do anarquismo. Lembremos que na síntese do Faure, ele propõe uma união de anarco-comunistas, anarco-sindicalistas e, o mais grave no meu entender, anarco-individualistas.

Neste modelo, não há unidade teórica e nem unidade programática. Há múltiplas linhas teóricas/ideológicas e autonomia dos grupos e indivíduos que podem fazer ter suas próprias linhas teóricas/ideológicas (ou simplesmente não ter) e traçar seus planos para atuar, da forma que acharem melhor. Não há obrigação dos indivíduos/grupos trabalharem alinhados e cada um faz aquilo que acha mais importante, ou simplesmente mais “legal”. Com isso, não há uma estratégia de luta e os indivíduos/grupos que estão dentro da organização terminam por trabalhar sempre no plano tático, cada um com as ações que julga ser pertinentes.

A organização especifista atua como minoria ativa, com o objetivo de se aproximar dos movimentos sociais e influenciá-los o máximo possível, a partir das práticas libertárias. Isso sempre de maneira ética e não querendo ser chefe ou dirigir o movimento, mas fazendo com que este funcione da maneira mais libertária possível. Bem organizados, os anarquistas poderão exercer esta influência e não serão atropelados por outros agrupamentos de burocratas ou autoritários.

No modelo de síntese, muitas vezes, a idéia de minoria ativa é tratada pura e simplesmente como vanguarda no sentido marxista-leninista. Para muitos militantes dessas organizações, qualquer organização política que busque aproximar-se para o trabalho com movimentos sociais está tentando aparelhá-los. Muitos acreditam que esta inteiração do político com o social acaba com a espontaneidade e a autonomia do movimento social.

O especifismo caracteriza-se, dentre outros elementos, pela ênfase que dá à necessidade do trabalho social e da inserção social. O trabalho social é a atividade que os anarquistas organizados realizam nos movimentos sociais e populares e a inserção social é a inserção das idéias e dos conceitos libertários nesses movimentos. Como as organizações especifistas caracterizam-se pelo reconhecimento de que nossa sociedade é composta por classes – independente da forma como vamos pensar na divisão destas classes – é inevitável que, pelos problemas econômicos, mas não só por eles, haja uma parcela da população que goza da riqueza gerada no mundo e de todos os seus benefícios, e uma grande maioria que está privada de tudo, muitas vezes até das necessidades mais básicas que possui um ser humano. A partir desta perspectiva, e levando em conta que o projeto do anarquismo é constituir uma sociedade sem classes, autogerida e federada, parece impossível que um processo de luta possa se dar sem o envolvimento com a classe dos explorados e dominados. Sabemos que muitas foram as organizações que, colocando-se como a vanguarda dos movimentos populares, tentaram libertá-la. No entanto, se queremos lutar por uma sociedade sem exploração e dominação, não há coerência em se fazer isso sem o envolvimento daqueles que são as maiores vítimas da sociedade capitalista de classes: o povo explorado e dominado.

Assumir esta postura não significa idolatrar o povo ou acreditar que ele é revolucionário na essência, mas apenas concordar com a idéia que a luta contra a exploração deve se dar também, com o envolvimento daqueles que são os maiores explorados, algo muito óbvio do meu ponto de vista. Pensando meramente na questão econômica, e nas tradicionais “classes”, é inevitável que em um processo de luta e mobilização estejam incluídos os pobres. Assim como Bakunin, acreditamos que a classe média se posiciona na luta de classes; estando sempre a maioria com os privilegiados, com a elite. No entanto, há a possibilidade de membros da classe média estarem associados aos explorados, e isso sempre é válido. O que não pode acontecer é haver um movimento contra a sociedade de classes que envolva somente militantes da classe média e que não busque inteiração com os mais explorados. É imprescindível o envolvimento da classe explorada no projeto de luta por liberdade.

Sobre a questão da luta de classes surge um outro ponto de divergência entre os modelos de organização especifista e sintetista. O modelo especifista reconhece a luta de classes e acredita que o anarquismo, para florescer, deve ser utilizado como ferramenta para a luta de classes. Utilizando a metáfora de Neno Vasco, de “jogar as sementes no terreno mais fértil”, para os especifistas, o “terreno mais fértil” é a luta de classes. São os setores da população em que as contradições do capitalismo são mais fortes, são os movimentos sociais mais combativos, etc. E definição do conceito de classe deve ser objeto de grande atenção dentro da organização. Em toda a sociedade, há relações de dominação, que podem se dar no âmbito econômico, político, cultural, racial, étnico, etc. Neste sentido, a definição de classe pode ser feita a partir das relações dominador/dominado, sendo todos os dominadores uma classe a se combater e todos os dominados um terreno para desenvolvimento do anarquismo. Assim, estar presente com a classe dos dominados significaria buscar os setores em que a dominação estiver presente.

Na indefinição das organizações de síntese, há quem defenda a luta de classes e há quem acredite que ela nem mesmo exista. Há argumentos que criticam a velha forma de definição da classe (burguês-proletário) e julgam que, porque esta forma de definição está ultrapassada, a luta de classes seria inexistente. Falar em classe, para muitas organizações sintetistas é algo anacrônico.

Os sintetistas caracterizam-se também por não defenderem a inserção social. Parte não acredita que isso seja prioridade, e outra parte, o que é ainda pior, acha que isso é autoritário. Para aqueles que pensam que a inserção não é prioritária, parece que outras atividades teriam mais efetividade no desenvolvimento do anarquismo (por mais que geralmente isso não seja discutido ou mesmo dito). Apesar de não haver um pensamento estratégico, o que acontece na prática é que os sintetistas procuram trabalhar com a propaganda anarquista, muito restrita às publicações, aos eventos, à cultura. Este tipo de propaganda é importante, mas desde que seja complementar a uma atuação concreta e a um movimento de inserção social o que, do meu ponto de vista, faz propaganda com melhores resultados. A propaganda deve acontecer por estes dois vieses: um mais educacional/cultural e o outro de mobilização/agitação/luta. Quem não acredita que a inserção social não é e nem deve ser prioridade prefere trabalhar em outros meios, longe da luta de classes, longe dos movimentos sociais, longe das pessoas de ideologias diferentes, etc. Muitas vezes, terminam por tornarem-se sectários, conseguindo conviver apenas com seus pares. O anarquismo assim se “guetifica”. Isso explica muito o fato de as organizações sintetistas serem muito mais sectárias que as organizações especifistas.

Muito mais grave que a posição acima, é a posição defendida por aqueles que são contra a inserção social. Posição também muito comum nas organizações sintetistas, esses anarquistas acreditam que como muitas vezes não são pobres, como muitas vezes não estão formalmente em movimentos sociais (não são sem terra, por exemplo), que é autoritário trabalhar com a comunidade carente ou mesmo com os movimentos sociais, já que “são de fora dessa realidade”. Para eles, é autoritário uma pessoa que tem onde morar apoiar a luta dos sem-teto, é autoritário freqüentar um movimento comunitário sem ser da comunidade, é autoritário apoiar o trabalho dos catadores de lixo se você não é um deles. Para os sintetistas que são contra a inserção social, só há legitimidade em se trabalhar com movimentos populares se você é um “popular” e se você faz parte da realidade do movimento. Como geralmente esses anarquistas não estão nessas condições, não estão ligados aos movimentos nem à luta de classes. Fazem de seu anarquismo um “movimento em si mesmo”, que se caracteriza por ser essencialmente de classe média e de intelectuais, por não buscar contato com as lutas populares, por não estar em contato com pessoas de ideologia diferentes (eles, que pregam tanto a diversidade...). A inserção social, para estes militantes, é muitas vezes comparada ao “entrismo” da esquerda tradicional, pessoas que entram nos movimentos para fazê-lo funcionar em seu próprio favor. Na maioria das vezes, defendem um certo espontaneísmo de que “vir de fora”, colocar o anarquismo dentro dos movimentos, é autoritário. Segundo eles, as idéias deveriam surgir espontaneamente nos movimentos... a discussão, a persuasão, etc. são externos ao movimento e, por isso, entendidos como autoritários.

A organização específica é um agrupamento no âmbito político-ideológico cujo trabalho se desenvolve em suas frentes de inserção, junto aos movimentos sociais, e com as atividades complementares. A organização específica anarquista é o que chamaremos aqui de nível político, e os movimentos populares (não-anarquistas) são o nível social. É uma característica importantíssima do especifismo a diferenciação entre os níveis político e social de atuação.

Cabe aqui um parêntese para enfatizar que quando dizemos que o anarquismo deve ser um anarquismo social, não estamos dizendo que ele deve “estar na sociedade” pois, no limite, se um indivíduo se diz anarquista, já que este indivíduo faz parte da sociedade, então este anarquismo seria “social”. Esta é uma interpretação mal-intencionada que vem sendo dada pelos individualistas, para justificar seu asco pela luta social e pelos movimentos populares. Quando falamos em anarquismo social, falamos em um anarquismo que não só interaja com a sociedade, mas fundamentalmente com os movimentos que surgem a partir das contradições desta sociedade, ou seja, os movimentos que refletem a luta de classes. Logo, um anarquismo que seja fechado em si mesmo, que não tenha interlocução com as lutas de seu tempo, é uma ferramenta ideológica que não serve para nada. O anarquismo vira “conversa de bar”, “identidade entre amigos”, um “estilo de vida diferente”, e muitas outras coisas que vemos todos os dias. Por isso afirmamos: o nível político (organização específica anarquista) tem absoluta necessidade de um nível social (movimentos sociais). Sem inteiração com um nível social, o nível político é estéril.

A organização sintetista mistura dentro de si uma forma de movimento-organização-político-ideológico-social. Para os sintetistas, o anarquismo pode ser um movimento social, pode ser uma organização, pode ser um grupo de afinidades, pode ser um grupo de estudos, pode ser uma comunidade, pode ser uma cooperativa, etc., etc. Como não fazem esta discussão de o que é político e o que é social, terminam por tentar levar a ideologia anarquista para dentro dos movimentos que participam. Não há discussão de que o movimento social deve estar constituído em torno de suas próprias demandas e que por isso, tratar dos aspectos ideológicos do anarquismo no movimento social não faz sentido. Um exemplo: o movimento de sem-teto deve estar agrupado sobre a luta contra a propriedade, a luta por moradia, a luta de um sindicato deve estar em torno de ganhos para os trabalhadores e assim por diante. Quando os sintetistas se põem a trabalhar com os movimentos, logo se vêem frustrados pelo movimento social não se tornar anarquista. É comum acreditarem que são autoritários, que não possuem os mesmos valores que os anarquistas, etc.

A lógica da organização de síntese é simples. Muitos acreditam que o “social” é a sociedade, e não os movimentos sociais e populares. Por isso, freqüentemente, tornam-se organizações de, e voltadas para a classe média. Quando acreditam ser necessária uma atuação nos movimentos sociais, o fato de não fazerem distinção entre o social e o político, misturando os dois níveis, coloca a relação entre o anarquismo e os movimentos em xeque. Os anarquistas não se reservam uma instância própria para aprimoramento e solução dos problemas ideológicos. Logo, utilizam freqüentemente a esfera social para isso. Como em organizações de síntese não há unidade teórica, são freqüentes as discordâncias entre os próprios anarquistas, e isso dentro do movimento social. A partir disso, é comum as pessoas do movimento considerarem o anarquismo uma “confusão” uma arena de brigas e discórdias. Assim, nem o social caminha, pois as discussões do movimento não caminham, e nem o político, visto que, ao querer resolver questões do político dentro do social, as possibilidades são extremamente reduzidas, quando não inviáveis. Por este motivo, não acredito em movimentos sociais anarquistas, mas em movimentos sociais, em que trabalham os anarquistas, onde tentam influenciar-lhe o quanto for possível, principalmente pelo exemplo e em torno das questões práticas.

Outro motivo de forte divergência entre o sintetismo e o especifismo é a questão da estratégia.

Na prática especifista, como funciona a elaboração da estratégia? É no âmbito da organização específica anarquista que são feitas as análises de conjuntura, que se analisa os contextos mundial, nacional e regional; que se analisa os movimentos e as forças populares em jogo, suas influências, potencialidades; as questões da política institucional que têm influência sobre os ambientes nos quais nos propomos a atuar. Neste mesmo âmbito da organização específica, devemos ter reflexões sobre nossos objetivos de longo prazo, ou seja, forjar nossas concepções de revolução social e do próprio socialismo libertário. Após isso, o mais complicado será pensarmos em uma proposta de ações que buscarão atingir tais objetivos, ou ao menos, fazer com que eles se aproximem. A estratégia buscará responder a questão: como sair de onde estamos para chegar onde queremos?

Como trabalhar em uma organização que cada um faz somente aquilo que lhe dá na cabeça? Nas organizações de síntese, as coisas funcionam assim: se um grupo quer trabalhar com a questão dos desempregados, trabalha; se um outro quer fazer uma biblioteca, faz; se outros querem fazer eventos, fazem; se outros ainda querem criticar os que trabalham com os desempregados, acusando-os de assistencialistas, preferindo ressaltar o papel do individualismo, fazem... Enfim, cada um faz uma coisa acreditando estar contribuindo com um todo comum.

Há uma metáfora bem clara que mostra a diferença em termos de estratégia entre as organizações sintetistas e especifistas. Suponhamos que o objetivo seja abater o maior número possível de pássaros a tiros. As organizações sintetistas distribuirão uma arma a cada membro que passará a atirar, cada um, da forma como acreditar ser melhor. Muito provavelmente o farão sem planejamento, sem divisão de tarefas, sem unidade. As organizações especifistas, ao contrário, buscarão fazer uma interpretação do terreno em que atuam, planejarão a melhor forma de atingir o objetivo, estabelecerão prioridades, dividirão as tarefas e partirão para a ação, todos muito bem cientes dos objetivos gerais e dos objetivos de cada um.

Por este motivo, a estratégia é grande inimiga da organização de síntese: qualquer discussão que tente tratar do “como atuar” implicará em problemas muito sérios na organização, quando não na sua implosão. Como conciliar uma estratégia para atuação de um grupo que acredita que deve atuar como organização específica no movimento social com um grupo que acha que a prioridade deve ser a convivência entre amigos, a terapia de grupo ou mesmo a exaltação do papel do indivíduo, considerando autoritário (ou mesmo marxista” ou assistencialista) o trabalho com movimento sociais? Há duas formas de se trabalhar essas diferenças nas organizações de síntese: ou se discute as questões, e se vive entre brigas e desgastes que consomem grande parte do tempo dos militantes, ou simplesmente não se toca nas questões. A maioria dos grupos opta pela segunda forma.

Recordemos que o modelo de síntese proposto por Faure defende a atuação de anarco-comunistas, anarco-sindicalistas e anarco-individualistas.

Para os individualistas, o objetivo do anarquismo não é mais combater por uma sociedade socialista libertária. A grande maioria já renunciou ao socialismo. Estes anarquistas consideraram simplesmente os argumentos contra o Estado e esquecem da crítica ao sistema capitalista, traço muito comum nos anarquistas contemporâneos. Lembremos que, se Bakunin, por exemplo, não debatia muito sobre o capitalismo, era porque a crítica ao sistema capitalista estava completamente engendrada no movimento socialista do século XIX. Estava claro que qualquer novo sistema deveria ser construído fora do capitalismo. E os debates ficaram onde não havia acordo, ou seja, sobre a necessidade ou não de haver uma tomada do Estado; ou seja, se o Estado era ou não um meio para se atingir o comunismo. Os individualistas fazem hoje uma crítica do Estado, muito dentro dos padrões anarquistas, mas, ao relegarem ao esquecimento a crítica ao capitalismo, caem em um liberalismo funesto, que pretende desenvolver liberdades individuais dentro da sociedade presente.

As idéias socialistas de construção de uma nova sociedade sem dominação e alienação, uma sociedade autogerida e federada, que desse conta da libertação de todos os homens, passou a ser sustentada como a busca de um espaço para a liberdade individual que, apartada da liberdade coletiva, tornou-se meramente um gozo egoísta para o deleite de alguns poucos que encontram-se e podem, por seus privilégios econômicos dentro do capitalismo, permitir-se isso.

Nas organizações sintetistas, na grande maioria dos casos, o único critério que é utilizado para a entrada de membros é que a pessoa se considere anarquista. Como vimos, e como vemos todos os dias na realidade, o anarquismo é um “balaio de gato”, que tem muita coisa boa, mas muitos perdidos, e gente não aceita em nenhum outro lugar, que está buscando uma identidade e tentando se encontrar. Nestas organizações não há muita rigidez na entrada ou mesmo para saber se as pessoas estão ou não estão no grupo, já que algumas participam um pouco, umas são mais comprometidas, alguns assumem mais tarefas do que outros. Enfim, cada um se envolve da forma que acha melhor e não há muita cobrança da organização para com o militante. Geralmente há um só nível de militante, então, um membro que aparece nas reuniões uma vez ou outra, ou fica à margem das questões da organização pode aparecer em um congresso, dar opiniões ou mesmo discutir questões fundamentais da organização como princípios, etc. É muito freqüente, também, cada um entender a organização de uma forma, cada um expor as suas concepções de uma maneira diferente, porque assim que a organização sintetista é entendida. Além disso, muitas organizações de síntese trabalham com o consenso, o que permite, na prática que, em nome da crítica contra a “ditadura da maioria” uma minoria várias vezes manipule a maioria. Isso porque para não “rachar”, as organizações assumem como posições próprias, aquelas que são minoritárias.

Outras características marcantes das organizações sintetistas é que a “diversidade” de concepções impede o aprofundamento dos debates ideológicos, isso porque, como há divergência nas questões “de saída”, não há como se percorrer um caminho mais longo rumo a uma “chegada”, ou a um acordo comum. Este é o motivo de, nestas organizações, se perder mais tempo discutindo questões de forma, do que questões de conteúdo, realmente importantes para a militância. Em uma organização sintetista, a tendência é que essas questões que já são complicadas no âmbito social invadam o político, engessando a organização anarquista. Na organização sintetista não há acordo sobre o “como caminhar”; só há um acordo que as coisas “devem ir caminhando”.

Na organização especifista, há um modelo bem definido de qual é o anarquismo que a organização defende, então, o ponto de partida já é consenso. Alguns exemplos disso podem ser: já se sabe que o anarquismo é uma ideologia, e que como tal, deve ser o motor de uma atuação política, já se sabe que a organização é imprescindível, já se sabe que o anarquismo deve buscar uma postura socialista e classista (reconhecendo portanto a importância do problema econômico), já se sabe que se deve buscar uma inserção nas lutas sociais e que, para isso, é necessário criar/participar de movimentações sociais, já se sabe que a busca da liberdade é sempre coletiva e não puramente individual, etc.

Nas organizações específicas, há critérios de entrada mais rigorosos. Não é porque uma pessoa se define como anarquista, que ela já poderá entrar na organização. Isso é um primeiro passo, mas outros critérios serão fundamentais: a pessoa deve acreditar no anarquismo como ideologia que move a atuação política, e por isso, deve acreditar que o anarquismo é uma ferramenta de luta, deve acreditar na necessidade de organização, na necessidade de participar das lutas sociais, etc. Então, quando um militante busca a entrada na organização especifista, esta o aceita sempre verificando se ele está alinhado com essas questões de fundo. A partir de então, será muito mais simples trabalhar, pois as linhas gerais já estão definidas.

Outro ponto central que favorece a organização específica é a relação do comprometimento do militante com a organização. Não sei se esta é a impressão de todos, mas tenho a nítida sensação que este é o grande problema dos grupos e organizações libertárias de hoje. É muito comum as pessoas se aproximarem e participarem, mais ou menos das coisas, fazendo somente aquilo que têm interesse, muitas vezes assumindo compromissos e não cumprindo, ou simplesmente, não assumindo compromissos. A organização específica exige um alto nível de compromisso dos militantes, sendo imprescindível que ele assuma compromissos frente a organização e os cumpra. Por isso, ele será muito mais cobrado pela organização se ela for específica, do que se for uma organização de síntese, que neste ponto é mais complacente com a falta de compromisso.

O compromisso da organização especifista imprime uma relação militante-organização que se pauta na relação mútua que a organização é responsável pelo militante, assim como o militante é responsável pela organização. Neste sentido, assim como a organização deve satisfação ao militante, o militante deve satisfação à organização, e será comprado por isso. É inegável que, por este motivo, o modelo de síntese é mais “legal”, mas muito pouco efetivo do ponto de vista da militância, pelos motivos já explicados. Como a militância é algo necessário pela luta por uma sociedade mais livre e igualitária, ela não será sempre 100% “legal”. Neste caso, se tivermos de optar entre um modelo de militância mais efetivo e outro mais “legal”, devemos optar pela efetividade.

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Núcleo Pró-FASP Capital

Julho de 2008

quarta-feira, 23 de julho de 2008

ENCONTRO PRÓ - FEDERAÇÃO ANARQUISTA DE SÃO PAULO

ENCONTRO PRÓ-FEDERAÇÃO ANARQUISTA DE SÃO PAULO
São Paulo, 26 e 27 de Julho de 2008


Evidentemente, organização significa coordenação de forças
com um objetivo comum, e obrigação de não promover
ações contrárias a este objetivo.
Errico Malatesta

Bom dia a todos!

Primeiramente, nós do Núcleo Pró-Federação Anarquista de São Paulo, ou FASP, gostaríamos de dar as boas vindas e agradecer a todos e todas que se inscreveram neste encontro.
Como já deve ser de conhecimento, nossa proposta é abrir a discussão para a constituição de uma organização anarquista no estado de São Paulo. Ao lançar a proposta de constituição da FASP, temos em mente um modelo para esta organização e algumas questões “de saída” que são consenso entre nós.
O modelo que escolhemos adotar é o modelo conhecido na América Latina como “especifismo”. Trazido do Uruguai, o termo “especifismo” refere-se a dois eixos fundamentais que marcam a atuação anarquista: a organização e a “inserção social”, baseados em dois conceitos clássicos do anarquismo, que são:

1. a atuação diferenciada nos níveis político (da organização anarquista) e social (dos movimentos sociais, sindicatos, etc.) – conceito de Bakunin.

2. a organização específica anarquista – conceito de Malatesta.

Os primeiros a utilizar este termo foram os companheiros da Federação Anarquista Uruguaia (FAU), apesar de se referirem a uma forma de organização que começou a ser desenvolvida no século XIX por Bakunin e que foi aprimorada posteriormente por Malatesta, Magón, Durruti, Makhno, FAU, entre outros. No Brasil Neno Vasco e José Oiticica, Jaime Cubero, Antonio Martinez e Ideal Peres, por exemplo, defenderam posições semelhantes.

Hoje, este modelo especifista desenvolve-se em oposição ao modelo “de síntese” ou “sintetista”, mais conhecido no mundo e adotado por organizações como a Federação Anarquista da França. No modelo sintetista, a Federação é uma organização que associa uma série de grupos federados, com algumas linhas gerais em que se baseiam os acordos desta associação e com autonomia completa dos grupos dentro da federação. Há múltiplas linhas teóricas e ideológicas e múltiplas linhas programáticas ou estratégicas. É um modelo em que cabem todos os tipos de anarquismo: anarco-individualismo, anarco-comunismo, anarco-sindicalismo, e todos os outros. O que pretendemos começar a discutir, não é uma organização sintetista, nestes moldes, mas sim uma organização especifista.

Voltando aos dois eixos da organização especifista, ou seja, organização e inserção social, podemos dizer que sabemos que eles não são defendidos por todas as correntes anarquistas. Sabemos que o anarquismo é bastante amplo e, por isso, abarca diversas concepções, muitas delas contraditórias.

O especifismo defende uma posição clara na polêmica histórica sobre a questão da organização e da prática anarquista, e é por isso que tem como seu primeiro eixo a organização. Em primeiro lugar, defende que os anarquistas devem organizar-se especificamente, como anarquistas, para então trabalhar com os movimentos sociais. Neste modelo organizacional, vale a idéia que, para se atuar com eficiência na luta de classes, é preciso que os anarquistas estejam organizados, no nível político e ideológico, como um grupo coeso, com discussão política e ideológica avançada, com uma estratégia bem definida, de forma que isso lhes dê força suficiente para atuar no âmbito das lutas, dos movimentos sociais.

A organização específica anarquista, que trabalha no âmbito político, atua no seio da luta de classes, nos movimentos sociais e populares, que constituem o âmbito social. Neste trabalho, os anarquistas, organizados como minoria ativa, influenciam-lhes o quanto podem, fazendo-os funcionar da forma mais libertária e igualitária possível. Organizados como um agrupamento específico coeso, os anarquistas constituirão uma força social muito maior e poderão funcionar como um elemento sólido de influência e persuasão que terá menos chance de ser “atropelado” por um partido de esquerda, por autoritários de qualquer estirpe, pela igreja, e outros indivíduos e grupos que tentam a toda hora usar o movimento social para seu próprio benefício.

O segundo eixo do anarquismo especifista é a inserção social. A idéia de inserção social está ligada àquela busca do vetor social perdido pelo anarquismo, quando este terminou por desligar-se da luta de classes e dos movimentos sociais. Com o episódio do afastamento dos anarquistas do movimento sindical no Brasil, ocorrido entre os anos 1920 e 1930, há uma perda desse vetor social do anarquismo que termina por organizar-se em centros de cultura, ateneus, escolas etc. A inserção social reforça a idéia de que os anarquistas devem buscar, além destes aspectos de reforço da memória e da promoção da cultura libertária, principalmente, ter um papel relevante na luta dos movimentos sociais e populares.

Muitos têm um pouco de receio com o termo inserção social por associá-lo ao velho “entrismo” da esquerda autoritária em movimentos para tentar aparelhá-los ou fazê-los funcionar em seu próprio benefício. Na realidade isso não é verdade; este conceito de inserção social dos anarquistas está ligado tão-somente, à idéia de retorno organizado dos anarquistas à luta de classes e aos movimentos sociais e uma atuação com ética – um dos princípios mais importantes neste modelo de organização. Não em um sentido vanguardista de lutar pelo movimento, mas defendendo a idéia da minoria ativa, que luta com o movimento. Neste caso, não há hierarquia e nem dominação do nível político em relação ao nível social, como querem os autoritários, mas há complementaridade; o político complementa o social assim como o social complementa o político.

Há algumas outras idéias que caminham junto com os conceitos apresentados acima. Por exemplo, a crítica à falta de organização de muitos anarquistas, propondo, para tanto, essa forma de anarquismo organizado, norteado pela concepção de organização específica anarquista explicada anteriormente. Há também uma clara oposição ao anarquismo individualista e à exacerbação dos egos, propondo uma forma de anarquismo comunista ou coletivista, que faz da liberdade coletiva seu norte estratégico e que, sem ela, considera impossível a liberdade individual.

Essa forma de organização opõe-se ao modelo sintetista, por acreditar que não funciona colocar uma série de indivíduos e organizações sob o “guarda-chuva” anarquismo, simplesmente realçando uma identidade em torno da crítica – pois geralmente só há acordo na crítica do Estado, do capitalismo, da democracia representativa – ou mesmo da sociedade futura; isso porque não há nenhum acordo ou unidade em termos organizacionais ou nas questões construtivas. Ou seja, não há uma posição clara em torno da forma de organização adequada, em torno do “como” atuar. Muitos anarquistas nem mesmo consideram a organização tão necessária e outros a acham até autoritária.

No modelo de organização especifista, defende-se a idéia de se trabalhar com unidade teórica e ideológica e unidade programática (estratégica), o que facilita enormemente o trabalho, com todos trabalhando no mesmo sentido. Nesta forma de organização, há também um papel preponderante para a questão da responsabilidade e do compromisso militante.

Não se trata de trazer uma proposta pronta, mas de algumas linhas pré-estabelecidas de um projeto de longo prazo que queremos desenvolver coletivamente. O propósito deste encontro é discutir e agregar pessoas que tenham interesse em iniciar um trabalho organizacional no sentido colocado acima e iniciar a construção desta organização em São Paulo.

A partir de então, a proposta será a discussão mais aprofundada sobre os moldes da organização, a elaboração de uma carta de princípios, a definição dos espaços de inserção e a apresentação para os novos companheiros dos trabalhos que já existem no Núcleo, a formulação de uma linha estratégica, dos conceitos, e a própria fundação da organização. Consideramos esta, portanto, uma forma de construção coletiva.

Esperamos que aproveitem e que gostem do encontro.

Pelo anarquismo como ferramenta de luta!
Pela organização dos anarquistas!
Pela Federação Anarquista de São Paulo!


Núcleo Pró-FASP da capital

terça-feira, 22 de julho de 2008

" Os 10 momentos e personagens que marcaram a Historia das Correntes Comunistas ( Libertárias e Estadistas ) ".



1º momento: Construção das bases teóricas; Filosóficas, sociais, politicas do pensamento Socialista.
De um lado o Libertário J. Prodhon e do outro Hengel's.
Prodhon vem da escola Francesa e desenvolve o principio do pensamento e das praticas que serão conhecidas como Anarquistas.
Hengel's vem da escola Alemã e formula as bases quais os Marxistas iram defender.

2º momento: Dois membros da escola Hegeliana M. A. Bakunin e K. Marx lançam as bases politicas da luta de classes, divergem entre meios e fins e assim nascem as duas principais forças politicas na luta de classes.
Bakunin junta-se a Prodhon e outros grupos da 1º internacional e nasce assim o que será conhecido por Anarquismo, sendo estes os protagonistas do Sindicalismo Revolucionário.
Marx junta-se com outros membros da Internacional e em torno de suas ideias rompe com os Anarquistas e cria a Social-Democracia, fundando a 2º Internacional.

3º momento: Nasce a renovação Comunista;
Do lado dos Anarquistas P. Kropotikin desenvolve o que sera conhecido por Comunismo Libertário e a 1º Internacional se declara Anarco-Sindicalista.
Do lado dos Marxistas, Rosa Luxemburgo vai desenvolver o que será conhecido por concelhismo.

4º momento: se fixa o organicismo e os partidos revolucionários com a 3º internacional.
Do lado dos Anarquistas Errico Malatesta protagonista de organizações especifistas (Anarquistas) e de Sindicatos Livres na Europa e na América.
Do lado dos Marxistas V. A. Lenin, direção dos Bochevicks, Toma o poder na Rússia.

5º momento: Nasce o Comunismo de Guerra e a 4º Internacional.
Do Lado dos Anarquistas Nestor Mackno, lider do Exercito Insurrecional da Ucrânia.
Do lado dos Marxistas Leon trotsky cria o Exercito Vermelho com generais Czaristas sob seu comando.

6º momento: É marcado por derrotas e vitorias do pensamento Socialista.
Do lado dos Anarquistas a Revolução Espanhola e a figura do miliciano Bonaventura Durrut, marcam o cenário do Curto verão da Anarquia na Espanha.
Do lado dos Marxistas J. Stalin sobe ao poder na Rússia e extermina todos os adversários políticos.

7º momento: Resistência e Revolução Cultural marcam o Cenário.
Do lado dos Anarquista, Augusto César Sandino, protagoniza o que será conhecido por Anarquismo Latino Americano.
Do lado dos Marxistas, Mao Tsé-Tung sobe ao poder na China com a Revolução Cultural.

8º momento: Amadurecimento Historico;
Nasce o movimento Maio de 1968 em Paris e os Situacionistas.
Do lado dos Anarquistas, militantes da F.A.U. ( Federação Anarquista Uruguaia ), desenvolve o que desde Bakunin avia sido o especifismo Anarquista.
Do lado dos Marxistas, Fidel Castro sobe ao poder em Cuba.

9º momento: Novo momento da Consequência Histórica;
Do lado dos Anarquistas, sobre a bandeira negra da Revolução Social; Comandante Marcos do EZLN, protagoniza uma guerrilha Libertária no México, apoiado pelos Anarquistas em todo Mundo.
Do lado dos Marxistas, sobe ao poder na Venezuela Hugo Rafael Chávez Frías, protagoniza o mais novo Populismo Socialista na América Latina do século XXI.

10º momento: Resultado Histórico na Atualidade;
Os Anarquistas investem seus esforços nos Movimentos sociais e na Resistência Popular Anti - Capitalista;
Os Marxistas continuam apostando no desenvolvimento do Estado e em Blocos políticos e económicos;
Aqui na América Latina a esquerda politica avança no cenário politico. Nasce o MercoSul, O Banco do Sul, A UnaSul ( Governo do Sul ), com a proposta de unificar em um Conselho de Segurança as forças Armadas de todos os Países do Sul e Chaves propõem a criação da PetroSul.

domingo, 13 de julho de 2008

A Organização Específica

A proposta defendida pelo núcleo pró FASP da capital para a organização e ação tem sua origem no artigo do companheiro Jaime Cubero [in memória] e em conversas particulares com este.

Cubero, assim como o companheiro Martinez, defendiam a atuação dos anarquistas nos movimentos populares e principalmente na reativação dos sindicatos com orientação libertária, ou seja, sem vinculo com o patronato e o estado.

Neste ano, que completam dez anos do falecimento dos companheiros Jaime Cubero e Antonio Martinez damos os primeiros passos para concletização de suas aspirações.

Estamos ha 12 dias do primeiro encontro pró Federação Anarquista de São Paulo, muitos foram as opniões, algumas críticas que vale refletir e outras que descartamos logo de início. Sabemos que essa proposta não agrada a todas e todos anarquistas de São Paulo, nem esse é nosso objetivo. Gostariamos que estivessem todos conosco nessa construção, porém somos cientes da impossibilidade, todavia é de grande interesse nosso manter, no mínimo, respeito para com as demais organizações anarquistas de São Paulo.

Estamos certos de que esse é um grande avanço para efetivação de nossa luta. O contexto socio-político neste país nos alerta a cerca da necessidade de nossa atuação coordenada e ação efetiva nos movimentos populares. Não podemos adiar nossa investida nesse meio, nem podemos nos omitir. Temos convicção de qual lado devemos estar, de qual lado pertencemos, a nossa causa é comum aqueles de pés descalços, de barriga vazia, sem teto, sem terra, sem emprego, sem espectativa de vida e é com estes e ao lado destes que vamos seguir nossa luta até o momento final.

Companheiras e companheiros já deram esse passo pelo Brasil e provaram que isso é possível. As informações que nos chegam sobre as atividades desenvolvidas por organizações especifistas no Brasil e no mundo são animadoras. Estão devolvendo o anarquismo ao povo pobre [http://arteparamudar.blogspot.com/2008/01/devolvam-o-anarquismo-ao-povo-pobre.html] e é isso que pretendemos, entre outras.

Somos todos Sem Terra, Sem Teto, Sem emprego, Sem Alimento, mas com Espirito de luta!

Entrevista com a Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ)


Entrevista com a Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ). Realizada por Thierry Libertad para a revista virtual Divergences, entre dezembro de 2007 e fevereiro de 2008.

- Thierry Libertad: O que é a FARJ e desde quando ela existe?

Federação Anarquista do Rio de Janeiro: A FARJ é uma organização específica anarquista, que foi fundada em 30 de agosto de 2003 como resultado de um processo de organização e luta no Rio de Janeiro – Brasil, que teve início décadas antes. O objetivo, no momento de fundação, era consolidar uma organização anarquista que buscasse contribuir com a retomada do vetor social perdido pelo anarquismo brasileiro, ainda na década de 1930. No momento da fundação publicamos um “Manifesto de Fundação” que já afirmava nossa vontade de luta pelo anarquismo organizado, inspirados na história de resistência do anarquismo no Rio de Janeiro. Publicamos também nossa “Carta de Princípios”, na qual definimos os princípios que norteariam todas as nossas ações: liberdade; ética e valores; federalismo; internacionalismo; autogestão; ação direta; classismo; prática política e inserção social; e apoio mútuo.


- T.L.: O que vocês querem dizer com “retomar o vetor social”?

FARJ: Chamamos de vetor social do anarquismo sua presença e influência nos movimentos populares e na luta de classes. Na realidade, o anarquismo nunca desapareceu no Brasil como proposta ideológica contundente e consistente, mas, durante a década de 1930, perdeu seu primeiro grande vetor social – representado, na época, pelo sindicalismo revolucionário. Isso aconteceu, em grande medida, por razão do atrelamento dos sindicatos ao Estado, da repressão feita pelas autoridades e da ofensiva bolchevique. Como recomendava Malatesta, os anarquistas deveriam estar em todos os campos que suscitassem as contradições do capitalismo, fazendo com que funcionassem da forma mais libertária possível; e esta era a orientação dos anarquistas quando buscavam inserção nos sindicatos. Outro fator que contribuiu para esta perda foi o fato de muitos anarquistas terem acreditado no movimento sindical como um fim em si mesmo, abrindo mão da organização específica anarquista. Anarquistas brasileiros, como foi o caso de José Oiticica, já haviam notado que este forte movimento que se formava desde o início do século XX não se bastaria a si mesmo, mas seria um campo para a atuação dos anarquistas, que nele deveriam atuar, organizados política e ideologicamente em uma organização específica anarquista. Quando os problemas acima acometeram o sindicalismo, o fato de os anarquistas não estarem mais organizados ideologicamente fez com que eles não conseguissem mais encontrar outro vetor social. Com a perda deste vetor, os anarquistas brasileiros foram se abrigar nas ligas anticlericais, nos centros de cultura, ateneus, escolas, coletivos editoriais e de dramaturgia, etc. Esses espaços eram – e são – propostas interessantes e vitais, mas que são mais efetivas quando ligadas a um movimento social real. Desvinculadas de uma prática social concreta, essas iniciativas não foram capazes de promover a propaganda e agitação da maneira que aqueles companheiros pretendiam. Para nós, desde os problemas com o sindicalismo, o anarquismo não conseguiu mais encontrar um vetor social e nosso objetivo tem sido contribuir com a luta para encontrar outros movimentos sociais que permitam esta “reinserção” do anarquismo.


- T.L.: De quem é a iniciativa de fundação da FARJ?

FARJ: Em 2002 nossa idéia era estudar os possíveis modelos de organização anarquista e fundar uma federação com o objetivo de coordenar e potencializar os resultados do anarquismo do Rio de Janeiro. Começamos na Biblioteca Social Fábio Luz (BSFL) um ciclo de estudos em que discutimos textos clássicos de Bakunin, Malatesta, Fabbri; documentos como a Plataforma Organizacional dos Comunistas Libertários, e os modelos organizacionais especifista (a partir do modelo da Federação Anarquista Uruguaia – FAU) e sintetista (a partir do modelo da Federação Anarquista Francófona – FA). No final deste processo, houve uma série de divergências dentro do grupo, ocasionando a saída de alguns membros, que decidiram criar uma outra organização. O grupo que permaneceu até o fim das discussões do ciclo de debates foi aquele que fundou a FARJ.


- T. L. E qual foi o modelo de organização escolhido?

FARJ: Optamos pelo modelo específico – conhecido por outros nomes como “especifismo” ou anarquismo organicista – em grande medida inspirado na FAU. Pelas discussões que tivemos, chegamos à conclusão de que seria imprescindível trabalhar com movimentos sociais e populares, e que, para isso, deveríamos criar uma organização com ênfase no compromisso militante. Uma organização nestes moldes defende algumas posições claras: a organização como minoria ativa; a ênfase na necessidade de organização; a unidade teórica e a unidade de ação; a produção de teoria; a necessidade de trabalho social e inserção social; o entendimento do anarquismo como ferramenta para a luta de classes na busca de um projeto socialista libertário; a diferenciação entre os níveis de atuação político (da organização anarquista) e social (dos movimentos populares); e a defesa de uma militância que seja feita com estratégia. Obviamente que a organização não nasceu trabalhando com todos estes conceitos, mas temos aprimorado nosso trabalho neste sentido, ao longo desses anos.


- T. L. É possível detalhar mais como essa maneira de organização funciona?

FARJ: Este modelo de organização sustenta que a função da organização específica anarquista é coordenar e fazer convergir às forças advindas das atividades militantes, construindo uma ferramenta de luta sólida e consistente, que busca um objetivo finalista: revolução social e socialismo libertário. Acreditamos que o trabalho sem (ou com pouca) organização, em que cada um faz o que quer, mal articulado ou mesmo isolado, é ineficiente. O modelo de organização que defendemos busca multiplicar o resultado e a efetividade das forças militantes. Neste modelo, a organização específica anarquista trabalha como minoria ativa, ou seja, um grupo de anarquistas que, organizados no nível político e ideológico, parte para as ações no nível social – movimentos sociais, sindicatos, etc. Neste trabalho, a organização de minoria ativa trabalha para influenciar os movimentos e lutas com os quais está envolvido, para que funcionem da forma mais libertária possível. Sempre que atua no nível social, a minoria ativa não busca posições de privilégio, não impõe sua vontade, não luta pelos movimentos sociais, mas sim com eles, por isso diferencia-se da “vanguarda” marxista-leninista. É assim, a ideologia dentro do movimento social e não o inverso. Entendemos a unidade teórica como necessária, pois a organização não pode trabalhar com qualquer teoria, ou com múltiplas teorias; isso conduz a uma falta de articulação, ou mesmo a uma articulação conflituosa do conjunto de conceitos que leva, sem dúvidas, a uma prática equivocada, confusa ou mesmo muito pouco eficiente. Esta unidade é sempre atingida coletivamente e de maneira horizontal no seio da organização. A unidade teórica caminha junto com a unidade de ação. Por meio dela, a organização atua para pôr em prática as ações que foram estabelecidas dentro da estratégia de luta. Tendo definido uma linha teórico-ideológica e um programa estratégico, todos os militantes – logo, a organização como um todo – possuem a obrigação de realizar as ações táticas estabelecidas dentro do programa estratégico. Em suma, todos devem “remar o barco no mesmo sentido”. Este modelo de organização caracteriza-se, ainda, pela ênfase que dá à necessidade do trabalho social e da inserção social. O trabalho social é a atividade que os anarquistas organizados realizam nos movimentos sociais e populares; e a inserção social é a inserção das idéias e dos conceitos libertários nesses movimentos. Se queremos lutar por uma sociedade sem exploração e dominação, não há coerência em se fazer isso sem o envolvimento daqueles que são as maiores vítimas da sociedade capitalista de classes: o povo explorado e dominado. Assumir esta postura não significa idolatrar o povo ou acreditar que ele é revolucionário na essência, mas apenas concordar com a idéia que a luta contra a exploração deve se dar com o envolvimento daqueles que são os maiores explorados. Por isso, estimulamos fortemente a atuação em movimentos sociais populares, autônomos e combativos ou mesmo sua criação. Acreditamos que o anarquismo, para florescer, deve ser utilizado como ferramenta para a luta de classes. Outra característica deste modelo de organização é a diferenciação entre os níveis político e social de atuação. Não acreditamos que há uma hierarquia da organização política sobre o movimento social (como é para os autoritários); para nós, esta é uma relação complementar e dialética, imprescindível para ambos. Assim, o nível político da organização anarquista deve atuar no nível social, nos movimentos sociais organizados em torno de questões pragmáticas para melhoria das condições de vida da classe explorada. Para que isso seja feito com coerência, desenvolve-se estratégia no seio da organização anarquista: é neste âmbito que são feitas as análises de conjuntura; que se trata dos contextos mundial, nacional e regional; que se analisam os movimentos e as forças populares em jogo, suas influências, potencialidades; as questões da política institucional que têm influência sobre os ambientes nos quais nos propomos a atuar. Neste mesmo âmbito da organização específica, acontecem as reflexões sobre os objetivos de longo prazo, ou seja, forjar nossas concepções de revolução social e do próprio socialismo libertário. Após isso, o mais complicado: pensar em uma proposta de ação que buscará atingir tais objetivos, ou ao menos, fazer com que eles se tornem mais palpáveis. A estratégia terá que responder a seguinte questão: como sair de onde estamos para chegar onde queremos? A essa linha “macro” (de diagnóstico, objetivos de curto, médio e longo prazo) chamamos estratégia e os grandes objetivos, os objetivos estratégicos. A estratégia, em seguida, é detalhada em uma linha mais “micro”, ou seja, tática, que determinará as ações que serão colocadas em prática por militantes ou grupos de militantes e que buscarão atingir os objetivos táticos. Obviamente que, a realização dos objetivos táticos nos aproxima de forma importante dos objetivos estratégicos. Assim, tal opção de organização exige um alto nível de comprometimento dos militantes.


- T. L.: Quem a integra e como funciona?

FARJ: A FARJ é uma organização de indivíduos que possui militantes orgânicos e o que poderíamos chamar de uma “rede de apoio”, composta de pessoas que nos ajudam de diferentes formas. Estamos divididos, os militantes orgânicos, naquilo que chamamos “frentes de trabalho”, ou “frentes de inserção”. Até o ano de 2007 estivemos trabalhando com duas frentes: uma de ocupações urbanas e outra comunitária. A partir de 2008 temos nossa terceira frente: agroecológica. Há uma política determinada coletivamente pela organização que é aplicada nas frentes, que possuem certa autonomia para trabalhar esta aplicação. Da mesma forma, as linhas mestras daquilo que é realizado nas frentes são informadas para a organização que as discute coletivamente. O resultado deste processo de determinação de política, discussão e aplicação da política nos espaços de inserção, observação, análise e discussão dos resultados dessa aplicação prática da política é o que constitui o nosso funcionamento básico.


- T.L.: Como a FARJ se situa na história do movimento libertário brasileiro?

FARJ: Estamos ligados a uma história que tem muita relação com a militância de Ideal Peres. Ideal era filho de Juan Perez Bouzas (ou João Peres), um imigrante anarquista, espanhol e sapateiro, que teve uma participação importante no anarquismo a partir do final da década de 1910. Foi ativo militante da Aliança dos Artífices em Calçados e da Federação Operária de São Paulo (FOSP), tendo atuado com destaque em inúmeras greves, piquetes e manifestações. Nos anos 1930 atuou também na Liga Anticlerical e, em 1934, teve participação decisiva na Batalha da Sé – quando os anarquistas rechaçaram os integralistas (fascistas) sob rajadas de metralhadoras, com participação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), uma coordenação que sustentava a luta antifascista, combatendo o imperialismo e o latifúndio. Ideal Peres nasceu em 1925 e iniciou sua militância em 1946, participando da Juventude Libertária do Rio de Janeiro; dos periódicos Ação Direta e Archote; da União dos Anarquistas do Rio de Janeiro; de Congressos Anarquistas que ocorreram no Brasil; e da União da Juventude Libertária Brasileira. Teve relevante participação no Centro de Estudos Professor José Oiticica (CEPJO), local de uma série de cursos e palestras, tendo como “pano de fundo” o anarquismo, e que foi fechado pela ditadura em 1969, quando Ideal foi preso por um mês no antigo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Depois da prisão, Ideal organizou em sua casa, ainda na década de 1970, um grupo de estudos que tinha como objetivo aproximar jovens interessados no anarquismo para, entre outras coisas, colocá-los em contato com antigos militantes e estabelecer vínculos com outros anarquistas do Brasil. Esse grupo de estudos constituiria o germe do Círculo de Estudos Libertários (CEL), concebido por Ideal e sua companheira Esther Redes. O CEL funcionou no Rio de Janeiro de 1985 a 1995, tendo próximo (ou mesmo dentro) de si a formação de outros grupos como o Grupo Anarquista José Oiticica (GAJO), o Grupo Anarquista Ação Direta (GAAD), o Coletivo Anarquista Estudantil 9 de Julho (CAE-9), o grupo Mutirão; além de publicações como Libera...Amore Mio (fundado em 1991 e que existe até hoje), a revista Utopia e o jornal Mutirão. Além disso, o CEL promoveu eventos, campanhas e dezenas (senão centenas) de palestras e debates. Hoje na FARJ há companheiros que chegaram na época do grupo de estudos na casa de Ideal e companheiros que chegaram na época do CEL. Com a morte de Ideal Peres, o CEL decide homenageá-lo modificando seu nome para Círculo de Estudos Libertários Ideal Peres (CELIP). O CELIP deu continuidade ao trabalho do CEL, sendo responsável por agregar a militância do Rio de Janeiro e prosseguir no aprimoramento teórico desta. Além disso, o CELIP seguiu com a publicação do Libera, fazendo por meio dele relações com grupos de todo o país e também do exterior. Trouxe importantes reflexões libertárias sobre assuntos que estavam em pauta no Brasil e no mundo daquela época e serviu para a divulgação de textos e notícias de diversos grupos do país. As palestras e debates continuaram, agregando novos militantes, e as relações que alguns militantes tiveram com a Federação Anarquista Uruguaia (FAU) acabaram por influenciar significativamente o modelo de anarquismo que foi se desenvolvendo dentro do CELIP. Este foi co-organizador do Encontro Estadual de Estudantes Libertários do Rio de Janeiro (ENELIB), em 1999; participou do Encontro Internacional de Cultura Libertária, em Florianópolis 2000; e contribuiu com as atividades do Instituto de Cultura e Ação Libertária de São Paulo (ICAL). Também retomou a luta com a categoria dos petroleiros, reatando laços entre os anarquistas e sindicalistas do ramo petrolífero – laços esses que datavam de 1992/1993, quando juntos ocuparam o Edifício Sede da Petrobrás (EDISE), na primeira ocupação de um prédio “público” depois da ditadura militar. Em 2001 esta luta dos anarquistas e petroleiros foi retomada, culminando no acampamento de mais de 10 dias, em 2003, de anarquistas e petroleiros, que lutavam pela anistia dos companheiros demitidos politicamente. Isso, entre outras coisas. Em 2002 começamos o grupo de estudos para verificar a possibilidade de construção de uma organização anarquista e, como dissemos acima, o resultado deste grupo foi a fundação da FARJ em 2003. Para nós, há uma ligação direta entre a militância de Ideal Peres, a constituição do CEL, seu funcionamento, a mudança de nome para o CELIP, e a posterior fundação da FARJ.


- T.L.: Quais são suas referências ideológicas, nacionais e internacionais?

FARJ: Na esfera nacional podemos dizer que, uma vez que a corrente especifista não foi de fato realizada em sua plenitude no Brasil, nossas referências ideológicas se prendem a algumas iniciativas do passado e outras que julgamos signatárias da mesma corrente na história mais recente do país. Entendemos que desde os primeiros anos do século XX, anarquistas vinculados ao “organizacionismo” (nome à época correlato ao especifismo), em particular seguidores de Malatesta, esforçaram-se para o fim de organizar um número possível de companheiros com vistas a formar uma organização com estratégias e táticas comuns, baseada em acordos tácitos e de claro entendimento do grupo. Foram esses mesmos os responsáveis pela realização do Primeiro Congresso Operário Brasileiro, em 1906, e pelas iniciativas de mais fôlego do anarquismo nacional. Tais anarquistas prepararam as condições que permitiriam a plena inserção de libertários em sindicatos, na vida social, com a formação de escolas e de grupos teatrais, além de uma razoável produção escrita. Foi também, e em grande medida, a corrente “organizacionista” que acabou por auxiliar na preparação da Insurreição Anarquista de 1918, na criação da Aliança Anarquista do Rio de Janeiro, na formação do Partido Comunista Brasileiro, de feição libertária, em 1919, e nos eventos que distinguiram os anarquistas dos bolcheviques, nos anos de 1920. Nesta primeira fase destacam-se os nomes de Neno Vasco, José Oiticica, Domingos Passos, Juan Peres Bouzas, Astrojildo Pereira (até 1920) e Fábio Luz. Posteriormente, após um adormecimento do anarquismo social por quase duas décadas, ressurge parte da tradição organizacionista no jornal Ação Direta e, com a consumação do Golpe Militar de 1964, perderíamos novamente a nossa principal força nesse campo, representada em Ideal Peres e nos estudantes do Movimento Estudantil Libertário. No plano externo, mais especificamente latino-americano, podemos dizer que temos muitas afinidades com a herança histórica do magonismo, a fase da radicalização do Partido Liberal Mexicano, em particular o período que vai de 1906 a 1922. Nesse período, o fenômeno que recebeu o nome de seu mais ativo militante, Ricardo Flores Magón, empreendeu no exílio diversas ações de guerrilha e foi capaz, mesmo a despeito das limitações do anarquismo sindical mexicano, ir além das aparências e, de forma simbiótica, aproximar a ideologia das demandas históricas dos camponeses mexicanos, tornando-se assim um vetor fundamental de uma revolução radical. Vale lembrar que, no meio da sangrenta guerra revolucionária, houve entre magonistas e zapatistas uma aproximação importante. Além disso, há influências do modelo da Federação Anarquista Uruguaia (FAU), principalmente no que diz respeito ao modelo de organização bakuninista/malatestiano e sua atuação em frentes (estudantil, comunitária e sindical), com prioridade na questão do trabalho/inserção social e diferenciando os níveis de atuação. Inegavelmente, temos grande influência dos clássicos Proudhon, Bakunin, Kropotkin, Malatesta e das presenças anarquistas nas Revoluções Russa e Espanhola.


- T.L.: Como a FARJ se situa dentro do velho debate entre síntese e plataforma?

FARJ: Nosso modelo de organização não se define dentro de nenhum desses modelos. Primeiramente, acreditamos que não existe uma fórmula única para resolver a questão da organização anarquista, e, como falamos em outro momento, ela deve se adequar à “necessidade que têm demonstrado os militantes de fazer o anarquismo recobrar seu lugar de origem no campo da luta de classes”. Para nós, a organização deve estar adaptada ao contexto em que pretende atuar, e às forças sociais em jogo. De maneira bastante breve, poderíamos dizer para nós, esta necessidade de fazer com que o anarquismo retome seu vetor social, ou seu lugar na luta de classes, faz com que a síntese não nos seja suficiente. Sua concepção de abarcar dentro de uma mesma organização todos os que se entendem anarquistas faz com que haja uma “unidade” em torno da crítica ao sistema (capitalismo, Estado, democracia representativa), alguma afinidade em relação aos objetivos de longo prazo e nenhuma afinidade nas questões do “como atuar”. Este modelo, para nós, faz com que muitos esforços sejam gastos sem necessidade (trabalho sem coordenação, conflitos, longas tentativas de consenso – que pode ser muitas vezes manipulado por uma minoria –, e discussões sobre pontos “de saída” como “os anarquistas devem trabalhar socialmente?”, “acreditamos na luta de classes?”, etc.). O fato de a síntese clássica incluir os individualistas dentro da organização anarquista é muito complicado para nós. Quanto à Plataforma, esta deve ser entendida no contexto em que foi escrita e com base nas experiências da Revolução Russa, em que Makhno, Archinov... estiveram envolvidos. Ela sustenta um modelo organizacional para um momento revolucionário, e deve ser levado em conta o fato de não estarmos em um momento deste. Para nós, o modelo de organização neste nível colocado na Plataforma, não precisa ser aplicado rigorosamente em situações não-revolucionárias. Acreditamos que a Plataforma trouxe contribuições importantes como a discussão do comprometimento da militância, a crítica sobre o problema de desorganização e falta de compromisso em alguns setores do anarquismo, sua crítica do individualismo e da exacerbação dos egos. Devemos reconhecer que houve grupos anarquistas que, em algumas regiões, distorceram completamente o sentido da Plataforma, utilizado-a para justificar autoritarismo dentro do anarquismo, algo que nos parece completamente descabido, se pensarmos na atuação/concepção anarquista de Makhno e dos outros ucranianos que estiveram na Revolução Russa e que depois formariam o Dielo Trouda. Parece-nos que, neste momento, devemos pensar em como retomar o vetor social perdido pelo anarquismo e que cada organização anarquista com este interesse, deve buscar uma forma de organização que lhe traga mais sucesso (sempre dentro da ética anarquista) nesta empreitada, e que corresponda à realidade social em que estiver atuando.


- T.L.: Em que projetos a Frente de Ocupações está envolvida e quais são as suas atividades?

FARJ: Esta frente está envolvida no trabalho com as ocupações urbanas, que no Brasil possuem um caráter um pouco diferente de outros lugares do mundo. Aqui as ocupações são feitas por pessoas pobres, que estão sofrendo violência policial e/ou do tráfico de drogas nas favelas ou ainda vivendo sob as pontes e elevados, uma situação muito comum nos grandes centros brasileiros. As famílias que não têm onde morar terminam ocupando espaços que não estão sendo utilizados, dando um fim social a eles. Hoje, esta frente possui trabalho com cinco ocupações urbanas, fruto de um trabalho que existe desde 2003 – de maneira mais organizada e como frente da organização – isso porque já tínhamos tido experiências com o trabalho em ocupações urbanas nos fins da década de 1990. Estivemos militando dentro da Frente Internacionalista dos Sem Teto (FIST), que criamos com outros companheiros e que chegou a ter 11 ocupações. No entanto, recentemente saímos da FIST e estamos agora atuando diretamente (FARJ-ocupações) com as ocupações que tinham mais receptividade com as idéias e práticas libertárias. Ganhamos bastante reconhecimento neste trabalho, tanto das ocupações quanto dos movimentos sociais do Rio de Janeiro. Para este trabalho, temos uma participação cotidiana nas ocupações (algumas delas tiveram/têm militantes da organização que são residentes); trabalhamos com auxílio na parte de organização; e, nas assembléias, estimulamos a auto-organização, ação direta, democracia direta, etc. Também buscamos conectar as ocupações e outros movimentos sociais no Rio de Janeiro. Temos relações com o Conselho Popular (uma coordenação de movimentos sociais); participamos em 2007 da ocupação da Agência Nacional do Petróleo (ANP) com outros movimentos sociais e temos militantes em contato com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), inclusive com um deles dando cursos de formação na escola Florestan Fernandes (no estado de São Paulo) e também aqui no Rio de Janeiro. Para atender a uma demanda importante, encabeçamos um projeto “transversal”, no qual se inseriram todas as frentes, que se chama Universidade Popular. Tal proposta desdobrou-se, de fato, em uma iniciativa de educação popular anticapitalista, voltada para a transformação da sociedade, tendo como tática a formação política no seio dos movimentos populares.


- T.L.: E a Frente Comunitária?

FARJ: Ela é responsável pela gestão de nossa Biblioteca Social Fábio Luz (BSFL), que existe desde 2001, e possui mais de 1000 livros sobre anarquismo e muitos outros de temática variada. Lá, há um arquivo muito grande de publicações anarquistas contemporâneas do mundo todo. Essa frente também é responsável pela gestão do Centro de Cultura Social do Rio de Janeiro (CCS-RJ), um espaço social aberto que mantemos na zona norte da cidade e que agrega uma série de atividades: um trabalho de reciclagem que é feito por um companheiro que produz cadeiras, sofás, objetos de arte, etc. com objetos arrecadados do lixo; reforço escolar e preparação para a entrada na universidade, feitas para os jovens carentes da comunidade do Morro dos Macacos, oficinas de teatro, eventos culturais, comemorações e reuniões de diversos tipos. No âmbito da BSFL funciona o Núcleo de Pesquisa Marques da Costa (NPMC) que, fundado em 2004, tem o objetivo de produzir teoria para a organização, além de pesquisar a história do anarquismo no Rio de Janeiro. Também temos uma “instância pública” que é o CELIP, não está muito ativa no momento, mas que tem o objetivo de realizar palestras e debates para aproximar novos interessados em anarquismo.


- T.L.: Sei que a Frente Agroecológica é nova, mas vocês poderiam falar um pouco de suas atividades?

FARJ: Nossa mais recente frente foi formada a partir do Núcleo de Alimentação e Saúde Germinal, criado em 2005. O Germinal é um grupo autogerido, preocupado com as questões de alimentação e ecologia, que tem por objetivo apoiar experiências de agricultura já existentes e estimular o surgimento de novas, sempre a partir de uma perspectiva libertária. Para tanto, estrutura-se em torno do espaço Ay Carmela! e de Oficinas Pedagógicas, atuando na consolidação e no resgate da agricultura, da agroecologia, da ecologia social, da ecoalfabetização e da economia solidária, voltadas estas para trabalhadores, militantes dos movimentos sociais e estudantes. Realiza também os Almoços Dançantes Vegetarianos, que acontecem periodicamente, no próprio CCS-RJ. Constituindo-se como nossa terceira frente, ela buscará agora definir suas atividades prioritárias, espaços de inserção, etc. Esperamos ter novos e bons frutos com a criação desta nova frente.


- T.L.: Há projetos da própria FARJ, que não dizem respeito a alguma frente, especificamente?

FARJ: Há questões que dizem respeito a toda a organização, como por exemplo as publicações. Editamos o periódico Libera; a revista Protesta! (juntamente com os companheiros de São Paulo do Coletivo Anarquista Terra Livre); e livros como O Anarquismo Social de Frank Mintz, O Anarquismo Hoje da União Regional Rhone-Alpes e Ricardo Flores Magón de Diego Abad de Santillán. Estamos tendo um trabalho interno de nivelamento e preparação teórica dos militantes no que diz respeito à formação. Também estamos retrabalhando nossas relações externas. Enfim, há muitas coisas.


- T.L.: E quais são suas metas e perspectivas?

FARJ: Nós nos consideramos uma organização revolucionária, por isso, nosso norte (objetivo de longo prazo) é a revolução social e a construção do socialismo libertário. Os objetivos para este ano de 2008 (curto prazo) são: continuar o trabalho nas ocupações e fortalecê-lo, trabalhar com formação política nas ocupações no âmbito do projeto da Universidade Popular, manter relações com e integrar outros movimentos sociais do Rio de Janeiro; manter o CCS-RJ, a Biblioteca Social Fábio Luz, repensar/aumentar os trabalhos dentro do CCS-RJ, montar a cooperativa da Faísca Publicações no CCS-RJ, consolidar os trabalhos da frente agroecológica, buscar outros espaços de atuação, conseguir mais militantes para a organização, continuar a formação interna, as relações externas e as publicações. Em linhas muito gerais é isso.


- T.L.: Atualmente, em que estado se encontra o movimento libertário brasileiro?

FARJ: Do nosso ponto de vista não há um “movimento libertário brasileiro”, isso porque a idéia de “movimento” implica em uma articulação mais ou menos bem feita entre esses grupos, o que não existe. Tivemos um “ressurgir” do anarquismo na década de 1980 com os fins da ditadura militar e neste momento, algumas pessoas que estavam distantes ou com trabalhos de resistência (principalmente no âmbito cultural) “voltam à ativa”, outros se agregam. O anarquismo, naquele momento, gerava muito interesse do “público geral”, até pelo fim da ditadura. A partir dos anos 1990, houve um processo de aprofundamento das posições libertárias e grande parte dos anarquistas, que possuíam afinidades comuns e estavam em diferentes cidades e estados, passam a discutir com mais detalhes as questões de organização, prioridades de um grupo/organização anarquista, etc, e, naturalmente, isso aponta, durante os anos 1990 e começo dos anos 2000, para uma fragmentação. Os grupos passam a atuar, cada um, com aqueles que tinham mais afinidade. Surge uma tendência (ainda nos 1990) especifista, inspirada pela FAU, que lançará uma proposta da Construção Anarquista Brasileira, e que será responsável pela geração de praticamente todo o universo especifista do Brasil; também há uma tendência mais sintetista, inspirada pelo modelo da Federação Anarquista, da França, que terminou por formar outros tantos grupos; e finalmente uma linha mais individualista/pós-moderna que cresce principalmente nos anos 2000. Hoje, há um anarquismo bastante fragmentado no Brasil. Estivemos juntos com esta tendência especifista até 2003, quando houve um racha na formação de nossa organização (durante o grupo de estudos) e os grupos que discutiam a formação do Fórum do Anarquismo Organizado (FAO) preferiram incluir a organização rival que se conformou no Rio de Janeiro (e que depois seria expulsa do FAO), impedindo nossa inscrição. Desde então, passamos a focar nosso trabalho nas questões internas e fundamentalmente nos nossos trabalhos sociais, pois acreditamos que isso deve ser prioridade. Agora, com um trabalho interno e um trabalho social mais desenvolvidos, iniciamos um momento de repensar as relações no Brasil. Hoje, além da tendência especifista, há também uma tendência mais sintetista (ou poderíamos chamar não-especifista), que é bastante difusa e que possui parte que trabalha mais fortemente a questão da propaganda anarquista, com publicações, centros de cultura, etc. Dentro desta tendência, há grupos articulados e outros não, uns com atividades bastante interessantes e outros não. Não é possível explicar exatamente por que, mas há uma tradição mais sintetista do que especifista no Brasil, de forma que, quando não há discussão mais aprofundada sobre isso, os grupos que surgem, colocam-se dentro dessa tendência mais sintetista (ou não-especifista). Há ainda uma terceira linha que levou o individualismo e o “anarquismo de estilo de vida” às últimas conseqüências e que hoje tem alguma representatividade (stirnerianos, primitivistas, etc...).


- T.L.: Que tipo de relações a FARJ tem com essas tendências?

FARJ: Depois dos problemas que tivemos com as outras organizações especifistas na constituição do FAO, passamos a não trabalhar mais junto com elas. Também julgamos que não há trabalho possível com os individualistas, já que defendem esse “anarquismo de estilo de vida”, não voltado para a luta social. Nesse sentido, buscamos dentro das organizações não-especifistas, grupos que concordassem com um conceito um pouco mais amplo que passamos a defender: o de “anarquismo social”. Com estes grupos chegamos a fazer publicações, eventos e outras atividades.


- T.L.: E para vocês, o que é esse “anarquismo social”?

FARJ: O anarquismo social é um conceito um pouco mais amplo que o “especifismo” e busca superar a divisão entre as clássicas correntes do anarquismo (anarco-comunismo / anarco-sindicalismo / anarco-individualismo). É um conceito que busca agrupar dentro de si, as tendências do anarquismo comprometidas com as questões sociais (lutas, movimentos populares, etc.) e com o socialismo libertário. É uma corrente que acreditamos carregar heranças de diversas tradições – anarco-comunismo, anarco-sindicalismo, comunismo antiautoritário – além de uma série de experiências práticas que aconteceram desde o século XIX até nossos dias. Este “anarquismo social” exclui tendências individualistas e não socialistas do anarquismo, ou seja, o anarquismo que não está voltado para a luta social, o anarquismo que não se quer ferramenta de mudança da sociedade. Este anarquismo social defende um retorno organizado às lutas populares, estimulando a presença anarquista junto aos oprimidos, na busca pela emancipação e pela liberdade. Defende, portanto, os conceitos de organização e de trabalho/inserção social.


- T.L.: Como as pessoas percebem a ação de vocês? Há boa receptividade das idéias ácratas nas classes populares?

FARJ: As pessoas, grupos e movimentos sociais têm nos recebido bem, em todos os trabalhos que vimos desenvolvendo. Acreditamos que, para qualquer trabalho digno de receptividade e respeito, temos que fugir do autoritarismo – que está presente mesmo em grupos anarquistas –, ter humildade suficiente para saber escutar, conseguir construir conjuntamente, sem querer impor nossa forma de pensar aos outros. Nós estamos convencidos de que muitos trabalhos frustrados são resultado de certa arrogância, presunção e até certo autoritarismo de grupos ou pessoas que não sabem seguir estes conceitos éticos fundamentais. Para nós, a ética é um princípio sem negociação e um dos pilares de nossa organização; entendemos que trabalhando com ética, conseguimos/conseguiremos cada vez mais receptividade e respeito. Exemplo disso pode ser a nossa relação, como organização política anarquista, com o movimento social. Cansados de gente que só chega para aparelhar, para lhes dizer o que fazer, para lhes fazer engolir seus projetos prontos, para lhes dirigir, muitos desses movimentos estão pedindo a presença da FARJ, ou seja, nos vêem com respeito e tem receptividade às nossas idéias, principalmente pela maneira ética pela qual relacionamos o político (anarquista), com o social (dos movimentos sociais). Nossa proposta é lutar com o povo e não por ele, ou à frente dele. Ao contrário dos autoritários que se entendem uma vanguarda que ilumina o caminho do povo, nós achamos que não há luz que não seja acesa coletivamente. Não há como irmos à frente, iluminando o caminho dos trabalhadores, enquanto eles próprios vêm atrás na escuridão. Nosso objetivo é estimular, estar junto ombro a ombro, prestar solidariedade quando ela é necessária e solicitada. Entendemos que a receptividade e o respeito aumentam na mesma proporção em que atuamos com esta ética; imprescindível e inegociável a nosso ver.


- T.L: Quais são os setores em que o anarquismo tem mais desenvolvimento: trabalhadores, estudantes, população dos bairros marginalizados...? Existe um perfil particular do militante brasileiro atual (origem social ou étnica, classe a que pertence, idade, nível de instrução, tipo de emprego, sexo...) ou participam pessoas de todo tipo?

FARJ: Aqui a grande maioria das organizações e grupos anarquistas é composta por estudantes e trabalhadores. O perfil não é homogêneo, mas podemos dar alguns indicativos: há mais brancos do que negros e praticamente não há outras etnias (indígenas, etc.), há mais militantes de classe média e média baixa do que das classes baixas/muito baixas, a idade varia bem (na FARJ, por exemplo, temos desde jovens com 20 e poucos anos até militantes mais velhos com mais de 50), há mais militantes com nível universitário do que sem, ocupam os mais diversos empregos, há mais homens do que mulheres.


- T.L.: Pelo que pude ver, mas talvez eu esteja errado, parece que o anarquismo brasileiro atual é mais um fenômeno urbano. Existe trabalho (propaganda, organização...) em direção, ou mesmo que surja, nos/aos trabalhadores agrícolas, dos camponeses sem terra, de comunidades indígenas?

FARJ: Você tem razão. O anarquismo no Brasil sempre foi muito mais urbano do que rural. Isso não significa que os grupos que buscam trabalhos sociais não venham tendo contatos com os sem terra, com comunidades indígenas ou mesmo com outras pessoas do meio rural. Nós mesmos, como falamos acima, estamos em contato com o MST por meio de um companheiro que está fazendo curso de formação política e levando o anarquismo para lá. Segundo as informações que temos, o MST (fundamentalmente a base) possui muita receptividade para as idéias anarquistas, em especial para Magón e a Revolução Mexicana. Apesar disso, essa influência rural é bem mais restrita que a influência urbana.


- T.L.: Vocês têm algum tipo de relações com a extrema esquerda brasileira? Trabalham às vezes juntos?

FARJ: Depende do que você entende por “extrema esquerda”. Não temos relações com partidos trotskistas ou bolcheviques, mas, no campo social, muitas vezes nos relacionamos com movimentos sociais de diferentes influências/tendências. Temos relações ou contato, por exemplo, com a Frente de Luta Popular (FLP), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD). Muitas vezes, assinamos cartas ou panfletos junto com organizações não anarquistas que também estão no amplo campo daquilo que poderíamos chamar esquerda, como foi o caso, por exemplo, nas manifestações contra a transposição do rio São Francisco e em defesa da vida de Dom Cappio, na ocupação da Agência Nacional do Petróleo (ANP) ou na manifestação do “Grito dos Excluídos”. Somos muito pouco sectários e nos dispomos, dentro do possível, a interagir com pessoas e organizações de ideologia diferente, mantendo sempre nossos princípios e cientes das divergências ideológicas que nos distinguem.


- T.L.: Como reage o governo frente à ação da FARJ e outros anarquistas brasileiros? Sofrem repressão por parte do Estado?

FARJ: O governo não reprime necessariamente “o anarquismo”. Quando o anarquismo está preso em um guetto, servindo de “estilo de vida”, forma de amizade, liberdade estética e de pensamento filosófico, ele conseqüentemente não oferece possibilidade de mudança social alguma, não está implicado nas lutas sociais, e é, portanto, tranqüilamente “tolerado” pelo Estado. A repressão reage em exata proporção à quantidade de trabalho social que os anarquistas possuem. Quanto mais trabalho, mais mobilização, mais luta, e certamente mais repressão. Para nós não é diferente. O anarquismo não é reprimido como corrente de pensamento, mas como ferramenta de luta.


- T.L.: Em que situação econômica encontra-se a FARJ?

FARJ: Estamos sempre com dificuldades, pois todo o financiamento de nossas atividades é feito somente com doações dos militantes. Hoje, as contas do CCS-RJ consomem grande parte de nosso dinheiro. O Libera, mesmo com sua periodicidade reduzida, também é editado e enviado para o Brasil e o mundo por meio de recursos de alguns militantes e escassas contribuições de leitores. As publicações (Protesta! e livros), por mais que consumam um dinheiro significativo, fazem com que o dinheiro retorne quando vão sendo vendidas. De qualquer forma, a lógica é sempre a mesma: os militantes doam (quando o dinheiro não vai voltar) ou emprestam (quando vai voltar). Isso sempre está aquém de nossas necessidades.


- T.L.: Vocês têm de enfrentar outras dificuldades?

FARJ: Certamente. Principalmente em termos de recursos, tanto econômicos quanto “humanos”, ou seja, de militantes. Nossos militantes são sempre inferiores à demanda de trabalho que temos e, por isso, resolver este problema (ou pelo menos minimizá-lo) é um de nossos grandes objetivos de 2008. Temos ainda que nos defender das acusações e desqualificações que boa parte do marxismo (ou mesmo alguma parte do anarquismo) nos faz. Além disso, sabemos que a tarefa que nos colocamos, de mudar o mundo, certamente não é uma tarefa fácil. Mas acreditamos que com humildade e muita vontade, é possível contribuir com ela.


- T.L.: Em nível internacional, com quem vocês possuem contatos e laços, primeiro na América Latina e depois no resto do mundo?

FARJ: Aqui na América Latina, estamos em contato (com diferentes níveis de organicidade) com os seguintes grupos e organizações: a Alianza Magonista Zapatista (AMZ) e o Colectivo Autônomo Magonista (CAMA), ambos do México; a Pró-Federação Anarquista da Costa Rica; a Federação Anarquista Uruguaia (FAU) e o Colectivo pro-Organización Socialista Libertaria, do Uruguai; a Red Libertária, a Organización Socialista Libertaria e a Frente Popular Dario Santillán, as três da Argentina; o periódico El Libertário da Venezuela; e o grupo Qhispikay Llaqta do Peru. Estamos tentando contatos com outras organizações neste momento. Sobre as organizações da Europa, temos relações com a CNT Vignoles, a Foundation Pierre Besnard e a Federação Anarquista, todas da França; o CIRA, da Suíça; o periódico A Batalha, de Portugal; vocês da Divergences... O nosso informativo Libera tem sido enviados há muitos anos para dezenas de grupos, assim como estamos fazendo agora com a Protesta!, e estes grupos vêm nos enviando suas publicações, que enriquecem o acervo de nossa biblioteca. Acreditamos – como falamos na parte sobre os contatos no Brasil – que como o trabalho está caminhando bem, este é um bom momento para pensar/repensar e trabalhar as relações.


- T.L.: Poderíamos falar de uma ressurgência do movimento anarquista na América Latina? Do Brasil, qual é a opinião de vocês?

FARJ: Nossa impressão é de que o número de militantes e de grupos não tem crescido significativamente, por isso, não acreditamos que o anarquismo na América Latina esteja tendo um crescimento quantitativo. No entanto, é inegável que estes grupos estão cada vez mais organizados e a tendência é de que isso aumente a força e o alcance do anarquismo; talvez por isso esta impressão de “ressurgência”. Para nós, há um crescimento mais qualitativo do que quantitativo, neste sentido.


- T. L.: Podemos considerar que o movimento anarquista brasileiro, e mais geralmente, latino-americano, tem uma especificidade própria, ou seja, traços próprios, considerações ideológicas ou práticas que os diferenciam do anarquismo europeu?

FARJ: Acreditamos que há alguns traços comuns entre as realidades latina e européia, mas certamente há um contexto e uma história muito diferentes. As considerações ideológicas não são muito diferentes. No entanto, nosso desafio é pensar em como aplicar o anarquismo, ou seja, estas considerações ideológicas, no contexto em que estamos, e lidando com um povo que é fruto de uma história de colonialismo, escravismo e que teve influências muito diversas da realidade européia. Acreditamos que esta diferença é mais estratégica do que ideológica. Essa diferença da realidade em que atuamos modifica completamente o diagnóstico do ambiente em que agimos e tem influências sobre nossos objetivos estratégicos e táticos, visto que o ponto de partida é outro. Algumas diferenças básicas que poderíamos citar são: diferença na atuação e papel do Estado na sociedade; revoluções pelas quais passaram muitos países da Europa e que não aconteceram aqui; nível de pobreza, desigualdade, educação muito diferentes; movimentos de cunho diferenciados; crime organizado; diferentes influências do processo de “globalização” econômica; traços culturais particulares; enfim, uma série de diferenças que nos obrigam a adaptar nossa forma de atuar.


- T.L.: Grande parte dos países da América Latina possui agora governos de esquerda, ou que se reivindicam como tal. Há Lula no Brasil, Bachelet no Chile, Morales na Bolívia, Chávez na Venezuela... Qual é a posição de vocês em relação a esta situação? Como a analisam?

FARJ: Entendemos esta onda progressista de governos “de esquerda” como resultado dos fluxos e refluxos do capitalismo que, como vemos, podem permitir a estes governos serem eleitos com uma posição mais progressista, sustentando um discurso mais “popular” e gerindo o capital em favor da elite econômica. Não estamos dizendo que uma ditadura é a mesma coisa que um governo deste tipo – seria um completo contra-senso de nossa parte. No entanto, o que deve ser questionado é o fato de que governos desse tipo tendem a acalmar os movimentos sociais mais combativos, incentivando que passem a atuar dentro do Estado, já que um governo progressista “pode dar espaço institucional a eles”. Com isso, saem da ação direta e passam a ser cooptados e acreditar que um governo, como o de Lula, por exemplo, é um governo “popular”, que tem espaço para os movimentos e é capaz de realizar as mudanças necessárias. Lula, apesar de ter aumentado os benefícios sociais para as classes mais exploradas sustenta, ao mesmo tempo, uma política econômica que beneficia os bancos e o capital transnacional – uma política que é a grande responsável pela situação de exploração do povo. Enfim, acreditamos que este novo contexto precisa de uma maior sofisticação de análise de nossa parte, pois as contradições do capitalismo ficam mais mascaradas. Isso exige uma maior capacitação dos militantes.


- T.L.: Com o movimento “altermondialista”, o modelo de “democracia participativa”, experimentado em Porto Alegre, ficou muito conhecido. Qual é a opinião de vocês sobre isso?

FARJ: O anarquismo defende um modelo de autogestão que é, antes de tudo, deliberativo. O modelo de democracia participativa de Porto Alegre é semelhante ao movimento dentro das empresas capitalistas para melhorar o envolvimento dos funcionários com a empresa e os resultados financeiros, utilizando-se, para isso, da participação, em que os funcionários são ouvidos nas tomadas de decisão dos gestores e patrões. Para nós, qualquer sistema de “democratização” – seja de uma empresa no setor privado, ou de uma instância do Estado (como é o caso de Porto Alegre) – deve vir de baixo, como uma exigência das classes mais exploradas, para que as decisões sejam tomadas em seu favor. Porto Alegre sustenta um modelo consultivo de democracia, em que o Estado vem, de cima, perguntar o que os seus cidadãos querem, não sendo obrigado a implantar o que foi decidido e fazendo o que achar melhor. É a mesma coisa que a empresa que decide perguntar aos funcionários o que fazer para melhorar o trabalho. Este modelo é radicalmente diferente de modelos de mobilização de base que, de baixo para cima, se organizam para obrigar o Estado a garantir um benefício social ou obrigar a empresa a dar um aumento salarial ou algo do tipo. Apesar disso, é inegável que qualquer modelo que promova o debate, e que possa, de uma forma ou de outra, lutar contra a cultura da omissão e da delegação política, estimulando a participação popular, possui aspectos positivos. No entanto, estimulamos que isso venha de baixo, e, principalmente, que seja considerado um meio para algo além, e não um fim em si mesmo.


- T.L.: Na França, sabe-se muito pouco do Brasil. Além dos “clichês” turísticos (Copacabana, Carnaval...), o mais conhecido são as favelas e sua relação com narcotráfico, violências, miséria... Como realmente está a situação nestes locais?

FARJ: O Brasil é um país de dimensões continentais (em área, é o quinto maior país do mundo), tem 26 estados “federados” mais o Distrito Federal, ocupando quase metade da América do Sul, com uma população de mais de 180 milhões de pessoas. O Brasil possui a maior economia da América Latina, com um PIB de mais de 2,5 trilhões de reais (mais de 1,5 trilhão de dólares). No entanto, é um país com graves problemas sociais. A desigualdade social é altíssima; por exemplo, e a renda média dos 10% mais ricos do país é 28 vezes maior do que a renda média dos 40% mais pobres. Nos Estados Unidos, a proporção é de cinco vezes, na Argentina 10 vezes e na Colômbia 15 vezes. A população muito pobre do Brasil é de 30%, quando em outros países com mesma renda esse índice é de 10%. Formalmente, há 10% de desemprego, quase 40% são analfabetos funcionais (desses, quase 10% são totalmente analfabetos), há problemas habitacionais muito complicados, pois além de um déficit habitacional, o país está cheio de imóveis que, por especulação ou outros motivos, seguem sem qualquer uso. A saúde é precária, assim como o sistema de transporte público. Enfim, é um país rico, que conserva um abismo entre uns poucos que gozam desta riqueza e muitos que sofrem as conseqüências. O que você vê sobre favelas e tráfico de drogas, muito provavelmente ocorre no RJ. A situação não é exatamente igual no resto do país pois a pobreza se manifesta de formas diferentes. Em São Paulo, por exemplo, há um processo de “limpeza social” em que os pobres são expulsos cada vez mais para longe, onde não possam mais ser vistos. No Rio de Janeiro, a conformação da cidade com os morros, tende a mostrar mais esta situação para as classes média e alta, pois é diferente das outras regiões onde os pobres estão cada vez mais longe. Este problema do Estado, que só funciona em termos de repressão – pois, na área de um suposto “bem-estar” não serve para quase nada – gerou um espaço de poder nos morros cariocas que foi tomado pelo tráfico – uma espécie de máfia brasileira, com meios e fins capitalistas e organização extremamente verticalizada e autoritária. O tráfico nas favelas acaba dando ao povo algum dinheiro, serviço ou outra coisa do tipo, mas, ao mesmo tempo, oprime, domina e explora o povo, fazendo um papel de “micro-Estado” mesmo.


- T.L.: Nesses lugares, onde quase não intervém o Estado, a não ser para reprimir, imagino que a população tenha que recorrer a sua criatividade e a suas capacidades de auto-organização para solucionar diretamente parte de seus problemas. Não há aí um espaço para articular certas práticas de auto-organização do povo com o projeto autogestionário libertário?

FARJ: Não é bem assim. Não é porque o Estado não está nesses espaços que necessariamente a criatividade e a auto-organização vêm à tona. O Estado é necessário para sustentar o capitalismo, mas estar sem o Estado não significa que estaremos sem capitalismo e outras formas de dominação, por isso as idéias e práticas libertárias não surgirão automaticamente. Para nós, acreditar nisso é um engano. E o neoliberalismo e os ultraliberais estão aí para mostrar que mesmo com uma crítica ao Estado e com uma tentativa de minimização de seu papel, se isso não estiver junto com um questionamento muito sério sobre o capitalismo e outras formas de dominação não haverá criatividade, autogestão; em suma, não haverá anarquismo. Há uma ideologia, já transformada em cultura, sendo transmitida pelos mais variados meios e um desenvolvimento de dominação que faz parte de toda a história do Brasil, e do próprio mundo. Somos partidários do anarquismo “voluntarista” de Malatesta e acreditamos que existem contradições e luta nas relações de dominação que acontecem na sociedade. A partir disso, pensamos que o papel dos anarquistas é estar nesses lugares que explicitam as contradições do capitalismo e das relações de dominação, constituindo-se como ferramenta de luta; para nós é só em meio a essas contradições do sistema que o anarquismo tem condições de florescer. É a idéia do anarquista lusitano Neno Vasco (que fazia parte dos organizacionistas malatestianos citados acima), que dizia que temos de jogar nossas sementes no terreno mais fértil. E, para nós, as sementes do anarquismo devem ser jogadas em meio à luta de classes e onde as relações de dominação (principalmente do capitalismo) são muito explicitas. Com uma presença anarquista forte nesses locais, quando as contradições e lutas se derem, o anarquismo será uma alternativa. Se não for difundido o suficiente, o anarquismo perderá esses momentos e ficará à margem dos acontecimentos, perderá o trem da história. Pela nossa experiência, quando o anarquismo está sendo difundido no meio do povo explorado, temos receptividade e podemos trabalhar questões como anticapitalismo, ação direta, democracia direta e autogestão (ou auto-organização). Se não estivermos lá, outras idéias aparecerão e serão responsáveis por continuar a dominação e a exploração.


- T.L.: Para saber mais sobre a FARJ, onde as pessoas podem encontrar material ou fazer contatos?

FARJ: Nossos contatos estão ao final da entrevista. Sugerimos que visitem nosso site (apesar de não estar muito completo), pois lá há algum material sobre nossos trabalhos: os documentos citados anteriormente; alguns artigos, comunicados e entrevistas; alguns Libera; informações sobre os livros que publicamos, etc. As pessoas podem nos escrever também e quem estiver no Rio de Janeiro pode marcar um encontro conosco e conhecer pessoalmente nossas atividades. Fora isso, há material nosso publicado nos sites: anarkismo.net, fondation-besnard.org, divergences.be, midiaindependente.org, entre outros. As pessoas podem buscar que encontrarão facilmente.


- T.L.: Por fim, vocês têm uma mensagem aos companheiros de outros países?

FARJ: Gostaríamos de contatar grupos/organizações e indivíduos que tenham afinidade com os nossos trabalhos e os nossos pontos de vista. Pois estamos convencidos que urge a tarefa de conectar a todos que estejam dispostos a trabalhar por um anarquismo social. Além disso, gostaríamos de agradecer todo o apoio que estamos recebendo de grupos/organizações dos mais diversos locais!

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Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ)

Fundada em 30 de agosto de 2003
Caixa Postal 14.576; CEP 22412-970;
Rio de Janeiro/RJ, Brasil

http://www.farj.org