Bandeira Vermelha e Negra da FASP

Bandeira Vermelha e Negra da FASP
Bandeira da Federação Anarquista de São Paulo

A Confederação

" Quando a Confederação chegar nenhum muro, casa, apartamento, Status Cow, propriedades, radicais e trabalhos vão separar você de você que sera o carrasco e a vitima de você mesmo.
Por tanto se amem e sejam felizes, pois os bons frutos seram multiplicados e os maus frutos serão punidos em meu jardim.
Estou cansado de ganhar almas de Ingratos que ganharam tudo isto aqui e me prodizem maus frutos no paraizo. "

The Proibid

A Coluna Anarquista Organicista

A Federação Anarquista é a Espinha Dorsal do Anarquismo

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

ESCRITOS REVOLUCIONÁRIOS - PROGRAMA ANARQUISTA - 1903

O texto que segue foi publicado em 1903, sob o título Nosso Programa, por um grupo italiano dos Estados Unidos. Em 1920, ele foi inteiramente aceito pelo congresso da Unione Anarchica Italiana de 1 a 4 de julho. O primeiro parágrafo não aparece em 1920 e os subtítulos são, ao contrário, dessa época.

Nada temos a dizer de novo. A propaganda não é, e não pode ser, senão a repetição contínua, incansável, dos princípios que devem nos servir de guia na conduta que devemos seguir nas diferentes circunstâncias da vida.


Repetiremos, portanto, com termos mais ou menos diferentes, mas no fundo constantes, nosso velho programa socialista-anarquista-revolucionário.


O programa da União Anarquista Italiana é o programa anarquista-comunista revolucionário. Há meio século ele foi proposto na Itália, no seio da Internacional, sob o nome de programa socialista. Mais tarde, tomou o nome de socialista-anarquista, como reação contra a degenerescência, autoritária e parlamentar, crescente do movimento socialista. Em seguida, finalmente, denominaram-no anarquista.


  1. O que queremos


Acreditamos que a maioria dos males que afligem os homens decorre da má organização social; e que os homens, por sua vontade e seu saber, podem fazê-los desaparecer.


A sociedade atual é o resultado das lutas seculares que os homens empreenderam entre si. Desconheceram as vantagens que podiam resultar para todos da cooperação e da solidariedade. Viram em cada um de seus semelhantes (exceto, no máximo, os membros de sua família) um concorrente e um inimigo. E procuraram açambarcar, cada um por si, a maior quantidade de prazeres possível, sem se preocuparem com os interesses alheios.


Nesta luta, é óbvio, os mais fortes e os mais afortunados deviam vencer, e, de diferentes maneiras, explorar e oprimir os vencidos.


Enquanto o homem não foi capaz de produzir mais do que o estritamente necessário para sua sobrevivência, os vencedores só podiam afugentar e massacrar os vencidos, e se apoderar dos alimentos colhidos.


Em seguida – quando, com a descoberta da pecuária e da agricultura, o homem soube produzir mais do que precisava para viver – os vencedores acharam mais cômodo reduzir os vencidos à servidão e fazê-los trabalhar para eles.


Mais tarde, os vencedores acharam mais vantajoso, mais eficaz e mais seguro explorar o trabalho alheio por outro sistema: conservar para si a propriedade exclusiva da terra e de todos os instrumentos de trabalho, e conceder uma liberdade aparente aos deserdados. Estes, não tendo os meios para viver, eram obrigados a recorrer aos proprietários e a trabalhar para eles, sob as condições que eles lhes fixavam.


Deste modo, pouco a pouco, através de uma rede complicada de lutas de todos os tipos, invasões, guerras, rebeliões, repressões, concessões feitas e retomadas, associação dos vencidos, unidos para se defenderem, e dos vencedores, para atacarem, chegou-se ao estado atual da sociedade, em que alguns homens detêm hereditariamente a terra e todas as riquezas sociais, enquanto a grande massa, privada de tudo, é frustrada e oprimida por um punhado de proprietários.


Disto depende o estado de miséria em que se encontram geralmente os trabalhadores, e todos os males decorrentes: ignorância, crime, prostituição, definhamento físico, abjeção moral, morte prematura. Daí a constituição de uma classe especial (o governo) que, provida dos meios materiais de repressão, tem por missão legalizar e defender os proprietários contra as reivindicações do proletariado. Ele se serve, em seguida, da força que possui para arrogar-se privilégios e submeter, se ela pode fazê-lo, à sua própria supremacia, a classe dos proprietários. Disso decorre a formação de outra classe especial (o clero), que por uma série de fábulas relativas à vontade de Deus, à vida futura, etc, procura conduzir os oprimidos a suportarem docilmente o opressor, o governo, os interesses dos proprietários e os seus próprios. Daí decorre a formação de uma ciência oficial que é, em tudo o que pode servir os interesses dos dominadores, a negação da verdadeira ciência. Daí o espírito patriótico, os ódios raciais, as guerras e as pazes armadas, mais desastrosas do que as próprias guerras. O amor transformado em negócio ignóbil. O ódio mais ou menos latente, a rivalidade, a desconfiança, a incerteza e o medo entre os seres humanos.


Queremos mudar radicalmente tal estado de coisas. E visto que todos estes males derivam da busca do bem-estar perseguido por cada um por si e contra todos, queremos dar-lhe uma solução, substituindo o ódio pelo amor, a concorrência pela solidariedade, a busca exclusiva do bem-estar pela cooperação, a opressão pela liberdade, a mentira religiosa e pseudocientífica pela verdade.


Em conseqüência:


1) Abolição da propriedade privada da terra, das matérias-primas e dos instrumentos de trabalho – para que ninguém disponha de meio de viver pela exploração do trabalho alheio –, e que todos, assegurados dos meios de produzir e de viver, sejam de fato independentes e possam associar-se livremente, uns aos outros, no interesse comum e conforme as simpatias pessoais.


2) Abolição do governo e de todo poder que faça a lei para impô-la aos outros: portanto, abolição das monarquias, repúblicas, parlamentos, exércitos, polícias, magistraturas e toda instituição que possua meios coercitivos.


3) Organização da vida social por meio das associações livres e das federações de produtores e consumidores, criadas e modificadas segundo a vontade dos membros, guiadas pela ciência e pela experiência, liberta de toda obrigação que não derive das necessidades naturais, às quais todos se submetem de bom grado quando reconhecem seu caráter inelutável.


4) Garantia dos meios de vida, de desenvolvimento, de bem-estar às crianças e a todos aqueles que são incapazes de prover sua existência.


5) Guerra às religiões e todas as mentiras, mesmo que elas se ocultem, sob o manto da ciência. Instrução científica para todos, até os graus mais elevados.


6) Guerra ao patriotismo. Abolição das fronteiras, fraternidade entre todos os povos.


7) Reconstrução da família, de tal forma que ela resulte da prática do amor, liberto de todo laço legal, de toda opressão econômica ou física, de todo preconceito religioso.


Tal é o nosso ideal.


  1. Vias e meios


Até agora expusemos qual é o objetivo que queremos atingir, o ideal pelo qual lutamos.


Mas não basta desejar uma coisa: se se quer obtê-la, é preciso, sem dúvida, empregar os meios adaptativos à sua realização. E esses meios não são arbitrários: derivam necessariamente dos fins a que nos propomos e das circunstâncias nas quais lutamos. Enganando-nos na escolha dos meios, não alcançamos o objetivo contemplado, mas, ao contrário, afastamo-nos dele rumo a realidades freqüentes opostas, e que são a conseqüência natural e necessária aos métodos que empregamos. Quem se opõe a caminho e se engana de estrada, não vai aonde quer, mas aonde o conduz o caminho tomado.


É preciso dizer, portanto, quais são os meios que, segundo nossa opinião, conduzem ao nosso ideal, e que intencionamos empregar.


Nosso ideal não é daqueles cuja plena realização depende do indivíduo considerado de modo isolado. Trata-se de mudar o modo de viver em sociedade: estabelecer entre os homens relações de amor e solidariedade, realizar a plenitude do desenvolvimento material, moral e intelectual, não para o indivíduo isolado, não para os membros de certa classe ou de certo partido, mas para todos os seres humanos. Esta transformação não é medida que se possa impor pela força; deve surgir da consciência esclarecida de cada um, para se manifestar, de fato, pelo livre consentimento de todos.


Nossa primeira tarefa deve ser, portanto, persuadir as pessoas.


É necessário atrair a atenção dos homens para os males que sofrem, e para a possibilidade de destruí-los. É preciso que suscitemos em cada um a simpatia pelos sofrimentos alheios, e o vivo desejo pelo bem de todos.


A quem tem fome e frio, mostraremos que seria possível e fácil assegurar a todos a satisfação das necessidades materiais. A quem é oprimido e desprezado, diremos como se pode viver de modo feliz em uma sociedade de livres e iguais. A quem é atormentado pelo ódio e pelo rancor, indicaremos o caminho para encontrar o amor por seus semelhantes, a paz e a alegria do coração.


E quando tivermos obtido êxito em disseminar na alma dos homens o sentimento da revolta contra os males injustos e inevitáveis, dos quais se sofre na sociedade atual, e em fazer compreender quais são suas causas e como depende da vontade humana eliminá-las; quando tivermos inspirado o desejo vivo e ardente de transformar a sociedade para o bem de todos, então os convictos, por impulso próprio e pela persuasão daqueles que os precederam na convicção, se unirão, desejarão e poderão por em prática o ideal comum.


Seria – já o dissemos – absurdo e em contradição com nosso objetivo querer impor a liberdade, o amor entre os homens, o desenvolvimento integral de todas as faculdades humanas pela força. É preciso contar com a livre vontade dos outros, e a única coisa que podemos fazer é provocar a formação e a manifestação desta vontade. Mas seria da mesma forma absurdo e em contradição com nosso objetivo admitir que aqueles que não pensam como nós impedem-nos de realizar nossa vontade, visto que não os privamos do direito a uma liberdade igual à nossa.


Liberdade, portanto, para todos, de propagar e experimentar suas próprias idéias, sem outros limites senão os que resultam naturalmente da igual liberdade de todos.


Mas a isto se opõem, pela força brutal, os beneficiários dos privilégios atuais, que dominam e regulam toda a vida social presente.


Eles controlam todos os meios de produção: suprimem, assim, não somente a possibilidade de aplicar novas formas de vida social, o direito dos trabalhadores de viverem livremente de seu trabalho, mas também o próprio direito à existência. Obrigam os não-proprietários a se deixarem explorar e oprimir, se não quiserem morrer de fome.


Os privilegiados têm as polícias, as magistraturas, os exércitos, criados de propósito para defendê-los, e para perseguir, encarcerar, massacrar os oponentes.


Mesmo deixando de lado a experiência histórica, que nos demonstra que nunca uma classe privilegiada despojou-se, total ou parcialmente, de seus privilégios e que nunca um governo abandonou o poder sem ser obrigado a fazê-lo pela força, os fatos contemporâneos bastam para convencer quem quer que seja de que os governos e os burgueses procuram usar a força material para sua defesa, não somente contra a expropriação total, mas contra as mínimas reivindicações populares, e estão sempre prontos a recorrer às perseguições mais atrozes, aos massacres mais sangrentos.


Ao povo que quer se emancipar, só resta uma saída: opor violência a violência.


Disso resulta que devemos trabalhar para despertar nos oprimidos o vivo desejo de uma transformação radical da sociedade, e persuadi-los de que, unindo-se possuem a força de vencer. Devemos propagar nosso ideal e preparar as forças morais e materiais necessárias para vencer as forças inimigas e organizar a nova sociedade. Quando tivermos força suficiente, deveremos, aproveitando as circunstâncias favoráveis que se produzirão, ou que nós mesmos provocaremos, fazer a revolução social: derrubar pela força o governo, expropriar pela força os proprietários, tornar comuns os meios de subsistência e de produção, e impedir que novos governantes venham impor sua vontade e opor-se à reorganização social, feita diretamente pelos interessados.


Tudo isso é, entretanto, menos simples do que parece à primeira vista. Relacionamo-nos com os homens tais como são na sociedade atual, em condições morais e materiais muito desfavoráveis; e nos enganaríamos ao pensar que a propaganda é suficiente para elevá-los ao nível de desenvolvimento intelectual e moral necessário à realização de nosso ideal.


Entre o homem e a ambiência social há uma ação recíproca. Os homens fazem a sociedade tal como é, e a sociedade faz os homens tais como são, resultando disso um tipo de círculo vicioso: para transformar a sociedade é preciso transformar os homens, e para transformar os homens é preciso transformar a sociedade.


A miséria embrutece o homem e, para destruir a miséria, é preciso que os homens possuam a consciência e a vontade. A escravidão ensina os homens a serem servis, e para se libertar da escravidão é preciso homens que aspirem à liberdade. A ignorância faz com que os homens não conheçam as causas de seus males e não saibam remediar esta situação; para destruir a ignorância, seria necessário que os homens tivessem tempo e meios de se instruírem.


O governo habitua as pessoas a sofrerem a lei e a crerem que ela é necessária à sociedade; para abolir o governo é preciso que os homens estejam persuadidos da inutilidade e da nocividade dele.


Como sair deste impasse?


Felizmente, a sociedade atual não foi formada pela clara vontade de uma classe dominante que teria sabido reduzir todos os dominados ao estado de instrumentos passivos, inconscientes de seus interesses. A sociedade atual é a resultante de mil lutas intestinas, de mil fatores naturais e humanos, agindo ao acaso, sem direção consciente; enfim, não há nenhuma divisão clara, absoluta, entre indivíduos, nem entre classes.


As variedades das condições materiais são infinitas; infinitos os graus de desenvolvimento moral e intelectual. É até mesmo muito raro que a função de cada um na sociedade corresponda às suas faculdades e às suas aspirações. Com freqüência, homens caem em condições inferiores àquelas que eram as suas; outros, por circunstâncias particularmente favoráveis, conseguem elevar-se acima do nível em que nasceram. Uma parte considerável do proletariado já conseguiu sair do estado de miséria absoluta, embrutecedora, a que nunca deveria ter sido reduzido. Nenhum trabalhador, ou quase nenhum, encontra-se em estado de inconsciência completa, de aquiescência total às condições criadas pelos patrões. E as próprias instituições, que são produtos da história, contêm contradições orgânicas que são como germes letais, cujo desenvolvimento traz a dissolução da estrutura social e a necessidade de sua transformação.


Assim, a possibilidade de progresso existe. Mas não a possibilidade de conduzir, somente pela propaganda, todos os homens ao nível necessário para que possamos realizar a anarquia, sem uma transformação gradual prévia do meio.


O progresso deve caminhar simultânea e paralelamente entre os indivíduos e no meio social. Devemos aproveitar todos os meios, todas as possibilidades, todas as ocasiões que o meio atual nos deixa para agir sobre os homens e desenvolver sua consciência e suas aspirações. Devemos utilizar todos os progressos realizados na consciência dos homens para levá-los a reclamar e a impor as maiores transformações sociais hoje possíveis, ou aquelas que melhor servirão para abrir caminho a progressos ulteriores.


Não devemos somente esperar poder realizar a anarquia; e, enquanto esperamos, limitar-nos à propaganda pura e simples. Se agirmos assim, teremos, em breve, esgotado nosso campo de ação. Teremos convencido, sem dúvida, todos aqueles a que as circunstâncias do meio atual tornam suscetíveis de compreender e aceitar nossas idéias, todavia, nossa propaganda ulterior permaneceria estéril. E, mesmo que as transformações do meio elevassem novas camadas populares à possibilidade de conceber novas idéias, isto aconteceria sem nosso trabalho, e mesmo contra, em prejuízo, como conseqüência, de nossas idéias.

Devemos fazer com que o povo, em sua totalidade e em suas diferentes frações, exija, imponha e realize, ele próprio, todas as melhorias, todas as liberdades que deseja, na medida em que concebe a necessidade disso e que adquire a força para impô-las. Assim, propagando sempre nosso programa integral e lutando de forma incessante por sua completa realização, devemos incitar o povo a reivindicar e impor cada vez mais, até que ele consiga a sua emancipação definitiva.

  1. A luta econômica


A opressão que hoje pesa de uma forma mais direta sobre os trabalhadores, e que é a causa principal de todas as sujeições morais e materiais que eles sofrem, é a opressão econômica, quer dizer, a exploração que os patrões e os comerciantes exercem sobre o trabalho, graças ao açambarcamento de todos os grandes meios de produção e de troca.


Para suprimir radicalmente e sem retorno possível esta exploração, é preciso que o povo, em seu conjunto, esteja convencido de que possui o uso dos meios de produção, e de que aplica este direito primordial explorando aqueles que monopolizam o solo e a riqueza social, para colocá-los à disposição de todos.


Todavia, é possível passar direto, sem graus intermediários, do inferno onde vive hoje o proletariado, ao paraíso da propriedade comum? A prova de que o povo ainda não é capaz, é que ele não o faz. O que fazer para chegar à expropriação?


Nosso objetivo é preparar o povo, moral e materialmente, para esta expropriação necessária; é tentar renovar a tentativa, tantas vezes quantas a agitação revolucionária nos der a ocasião para fazê-lo, até o triunfo definitivo. Mas de que maneira podemos preparar o povo? De que maneira podemos realizar as condições que tornarão possível, não somente o fato material da expropriação, mas a utilização, em vantagem de todos, da riqueza comum?


Nós dissemos mais acima que a propaganda, oral ou escrita, sozinha, é impotente para conquistar para as nossas idéias toda a grande massa popular. É preciso uma educação prática, que seja alternadamente causa e resultado da transformação gradual do meio. Deve-se desenvolver pouco a pouco nos trabalhadores o senso da rebelião contra as sujeições e os sofrimentos inúteis dos quais são vítimas, e o desejo de melhorar suas condições. Unidos e solidários, lutarão para obter o que desejam.


E nós, como anarquistas e como trabalhadores, devemos incitá-los e encorajá-los à luta, e lutar com eles.


Mas estas melhorias são possíveis em regime capitalista? Elas são úteis do ponto de vista da futura emancipação integral pela revolução?


Quaisquer que sejam os resultados práticos da luta pelas melhorias imediatas, sua principal utilidade reside na própria luta. É por ela que os trabalhadores aprendem a defender seus interesses de classe, compreendem que os patrões e os governantes têm interesses opostos aos seus, e que não podem melhorar suas condições, e ainda menos se emancipar, senão unindo-se entre si e tornando-se mais fortes do que os patrões. Se conseguirem obter o que desejam, viverão melhor. Ganharão mais, trabalharão menos, terão mais tempo e força para refletir sobre as coisas que os interessam; e eles sentirão de repente desejos e necessidades maiores. Se não obtiverem êxito, serão levados a estudar as causas de seu fracasso e a reconhecer a necessidade de uma união maior, de maior energia; e compreenderão, enfim, que para vencer, segura e definitivamente, é preciso destruir o capitalismo. A causa da revolução, a causa da elevação moral dos trabalhadores e de sua emancipação só pode ganhar, visto que os operários unem-se e lutam por seus interesses.


Todavia, uma vez mais, é possível que os trabalhadores consigam, no estado atual em que as coisas se encontram, melhorar de fato suas condições? Isto depende do concurso de uma infinidade de circunstâncias. Apesar do que dizem alguns, não existe nenhuma lei natural (lei dos salários) que determine a parte que vai para o trabalhador sobre o produto de seu trabalho. Ou, se se quiser formular uma lei, ela não poderia ser senão a seguinte: o salário não pode descer normalmente abaixo do que é necessário à conservação da vida, e não pode normalmente se elevar a ponto de não dar mais nenhum lucro ao patrão. É óbvio que, no primeiro caso, os operários morreriam, e, assim, não receberiam mais salário; no segundo caso, os patrões deixariam de fazer trabalhar e, em conseqüência, não pagariam mais nada. Mas entre estes dois extremos impossíveis, há uma infinidade de graus, que vão das condições quase animais de muitos trabalhadores agrícolas, até aquelas quase decentes dos operários, em boas profissões, nas grandes cidades.


O salário, a duração da jornada de trabalho e todas as outras condições de trabalho são o resultado das lutas entre patrões e operários. Os primeiros procuram pagar aos trabalhadores o mínimo possível e fazê-los trabalhar até o esgotamento completo; os outros se esforçam – ou deveriam se esforçar – em trabalhar o mínimo e ganhar o máximo possível. Onde os trabalhadores se contentam com qualquer coisa e, mesmo descontentes, não sabem opor resistência válida aos patrões, são em pouco tempo reduzidos à condição de vida quase animal. Ao contrário, onde eles têm uma elevada idéia do que deveriam ser as condições de existência dos seres humanos; onde sabem se unir e, pela recusa ao trabalho e pela ameaça latente ou explícita da revolta, impor que os patrões os respeitem, eles são tratados de maneira relativamente suportável. Assim, pode-se dizer que, em certa medida, o salário é o que o operário exige, não enquanto indivíduo, mas enquanto classe.


Lutando, portanto, resistindo aos patrões, os assalariados podem opor-se, até certo ponto, à agravação de sua situação, e, até mesmo, obter melhorias reais. A história do movimento operário já demonstrou esta verdade.


Não se deve, entretanto, exagerar o alcance destas lutas entre explorados e exploradores no terreno exclusivamente econômico. As classes dirigentes podem ceder, e cedem amiúde, às exigências operárias expressadas com energia, enquanto não são muito grandes. Contudo, quando os assalariados começam – e é urgente que eles o façam – a reivindicar aumentos tais que absorveriam todo o lucro patronal e constituiriam, assim, uma expropriação indireta, é certo que os patrões apelariam ao governo e procurariam reconduzir os operários, pela violência, às condições de todos os escravos assalariados.


E antes, bem antes que os operários possam reivindicar receber em compensação ao seu trabalho o equivalente a tudo que produziram, a luta econômica se torna impotente para assegurar destino melhor.


Os operários produzem tudo, e sem seu trabalho não se pode viver. Parece, portanto, que recusando trabalhar, os trabalhadores poderiam impor todas as suas vontades. Mas a união de todos os trabalhadores, mesmo de uma única profissão, em um único país, e dificilmente realizável: à união dos operários se opõe a união dos patrões. Os primeiros vivem com o mínimo para sobreviver no dia a dia e, se fazem greve, falta-lhes o pão logo a seguir. Os outros dispõem, por meio do dinheiro, de tudo o que foi produzido; podem esperar que a fome reduza os assalariados à sua mercê. A invenção ou a introdução de novas máquinas torna inútil o trabalho de grande número de trabalhadores, aumentando o exército de desempregados, que a fome obriga a se venderem a qualquer preço. A imigração traz, de repente, nos países onde as condições são mais favoráveis, multidões de trabalhadores famintos que, bem ou mal, dão ao patronato o meio de reduzir os salários. E todos estes fatos, resultando necessariamente do sistema capitalista, conseguem contrabalançar o progresso que eles detêm e destroem. Desta forma, resta sempre este fato primordial segundo o qual a produção no sistema capitalista está organizada por cada empregador para seu proveito pessoal, não para satisfazer as necessidades dos trabalhadores.


A desordem, o desperdício das forças humanas, a penúria organizada, os trabalhos nocivos e insalubres, o desemprego, o abandono das terras, a subutilização das máquinas etc, são tantos males que não se podem evitar senão retirando dos capitalistas os meios de produção, e, por via de conseqüência, a direção da produção.


Os operários que se esforçam em se emancipar, ou aqueles que de fato procuram melhorar suas condições, devem rapidamente se defender do governo, atacá-lo, pois ele legitima e sustenta, pela força brutal, o direito de propriedade, ele é obstáculo ao progresso, obstáculo que deve ser destruído se não se quiser permanecer indefinidamente nas atuais condições, ou em outras ainda piores.


Da luta econômica deve-se passar para a luta política, quer dizer, contra o governo. Ao invés de opor aos milhões dos capitalistas os poucos centavos reunidos penosamente pelos operários, é preciso opor aos fuzis e aos canhões que defendem a propriedade os melhores meios que o povo encontrar para vencer pela força.


  1. A luta política


Por luta política entendemos a luta contra o governo. O governo é o conjunto dos indivíduos que detêm o poder de fazer a lei e de impô-la aos governados, isto é, ao público.


O governo é a conseqüência do espírito de dominação e de violência que homens impuseram a outros homens, e, ao mesmo tempo, é a criatura e o criador dos privilégios, e também seu defensor natural.


É falso dizer que o governo desempenha hoje o papel de protetor do capitalismo, e que este último tendo sido abolido, ele se tornaria o representante dos interesses de todos. Antes de mais nada, o capitalismo não será destruído enquanto os trabalhadores, tendo se livrado do governo, não tiverem se apoderado de toda a riqueza social e organizado, eles próprios, a produção e o consumo, no interesse de todos, sem esperar que a iniciativa venha do governo, que, de resto, é incapaz de fazê-lo.


Se a exploração capitalista fosse destruída, e o princípio governamental conservado, então, o governo, distribuindo todos os tipos de privilégios, não deixaria de restabelecer um novo capitalismo. Não podendo contentar todo mundo, o governo necessitaria de uma classe economicamente poderosa para sustentá-lo, em troca da produção legal e material que ela receberia dele.


Não se pode, portanto, abolir os privilégios e estabelecer de modo definitivo a liberdade e a igualdade social sem por fim ao Governo, não a este ou àquele governo, mas à própria instituição governamental.


Nisso, assim como em tudo o que concerne ao interesse geral, e mais ainda este último, é preciso o consentimento de todos. Eis porque devemos nos esforçar em persuadir as pessoas de que o governo é inútil e nocivo, e de que se vive melhor sem ele. Mas, como já o dissemos, a propaganda sozinha é impotente para alcançar tudo isso; e se nos contentássemos em pregar contra o governo, esperando, de braços cruzados, o dia em que as pessoas estariam convencidas da possibilidade e da utilidade de abolir por completo toda espécie de governo, este dia nunca chegaria.


Denunciando sempre esta espécie de governo, exigindo sempre a liberdade integral, devemos favorecer todo combate por liberdades parciais, convictos de que é pela luta que se aprende a lutar. Começando a provar a liberdade, acaba-se por desejá-la inteiramente. Devemos sempre estar com o povo; e quando não conseguirmos fazer com que queira muito, devemos fazer com que, pelo menos, ele comece a exigir alguma coisa. E devemos nos esforçar a que aprenda a obter por si mesmo o que quer – pouco ou muito –, e a odiar e a desprezar quem quer que vá ou queira fazer parte do governo.


Visto que o governo detém, hoje, o poder de regular, por leis, a vida social, ampliar ou restringir a liberdade dos cidadãos, e visto que ainda não podemos arrancar-lhe esse poder, devemos procurar enfraquecê-lo e obrigá-lo a fazer uso dele o menos perigosamente possível. Mas, esta ação, devemos fazê-la sempre de fora e contra o governo, pela agitação na rua, ameaçando tomar pela força o que se exige. Jamais deveremos aceitar uma função legislativa, seja ela nacional ou local, pois, assim agindo, diminuiríamos a eficácia de nossa ação e trairíamos o futuro de nossa causa.


A luta contra o governo consiste, em última análise, em luta física e material.


O governo faz a lei. Deve, portanto, dispor de força material (exército e polícia) para impor a lei. De outra forma, obedeceria quem quisesse, e não existiria mais lei, mas uma simples proposição, que qualquer um seria livre para aceitar ou recusar. Os governos possuem esta força e servem-se dela para reforçar sua dominação, no interesse das classes privilegiadas, oprimindo e explorando os trabalhadores.


O único limite à opressão governamental é a força que o povo se mostra capaz de lhe opor. Pode haver conflito, aberto ou latente, mas sempre há conflito. Isso se dá porque o governo não para diante do descontentamento e da resistência populares senão quando sente o perigo de uma insurreição.


Quando o povo se submete docilmente à lei, ou o protesto permanece fraco e platônico, o governo se acomoda, sem se preocupar com as necessidades do povo. Quando o protesto é vivo, insiste e ameaça, o governo, segundo seu humor, cede ou reprime. Mas é preciso sempre chegar à insurreição, porque, se o governo não cede, o povo acaba por se rebelar; e, se ele cede, o povo adquire confiança em si mesmo e exige cada vez mais, até que a incompatibilidade entre a liberdade e a autoridade seja evidente e desencadeie o conflito.


É, portanto, necessário preparara-se moral e materialmente para que, quando a luta violenta eclodir, a vitória fique com o povo.


A insurreição vitoriosa é o fato mais eficaz para a emancipação popular, porque o povo, depois de ter destruído o jugo, torna-se livre para se entregar às instituições que ele crê (sempre retardatária) e o nível de civismo que a massa da população alcançou, pode ser superada com um salto. A insurreição determina a revolução, isto é, a atividade rápida das forças latentes acumuladas durante a evolução precedente.


Tudo depende do que o povo é capaz de querer.


Nas insurreições passadas, o povo, inconsciente das verdadeiras causas de seus males, sempre quis bem pouco, e conseguiu bem pouco.


O que desejará nas próximas insurreições?


Isso depende em grande parte do valor de nossa propaganda e da energia que formos capazes de mostrar.


Devemos incitar o povo a expropriar os proprietários e a tornar comuns seus bens, organizar, ele próprio, a vida social, por associações livremente constituídas, sem esperar ordens de ninguém, recusar nomear ou reconhecer qualquer governo e qualquer corpo constituído (Assembléia, Ditadura, etc) que se atribuíssem, mesmo a título provisório, o direito de fazer a lei e impor aos outros sua vontade, pela força.


Se a massa popular não responde ao nosso apelo, deveremos, em nome do direito que temos de ser livres, mesmo se os outros desejarem permanecer escravos, para dar o exemplo, aplicar o máximo possível nossas idéias: não reconhecer o novo governo, manter viva a resistência, fazer com que as comunas, onde nossas idéias são recebidas com simpatia, rejeitem toda ingerência governamental e continuem a viver de seu modo.


Deveremos, sobretudo, nos opormos por todos os meios à reconstituição da polícia e do exército, e aproveitar toda ocasião propícia para incitar os trabalhadores a utilizar a falta de forças repressivas para impor o máximo de reivindicações.


Qualquer que seja o resultado da luta, é preciso continuar a combater, sem trégua, os proprietários, os governantes, tendo sempre em vista a completa emancipação econômica e moral de toda a humanidade.


5. Conclusão


Desejamos, portanto, abolir de forma radical a dominação e a exploração do homem pelo homem. Queremos que os homens, unidos fraternalmente por uma solidariedade consciente, cooperem de modo voluntário com o bem-estar de todos. Queremos que a sociedade seja constituída com o objetivo de fornecer a todos os meios de alcançar igual bem-estar possível, o maior desenvolvimento possível, moral e material. Desejamos para todos pão, liberdade, amor e saber.


Para isso, estimamos necessário que os meios de produção estejam à disposição de todos e que nenhum homem, ou grupo de homens, possa obrigar outros a obedecerem à sua vontade, nem exercer sua influência de outra forma senão pela argumentação e pelo exemplo.


Em conseqüência: expropriação dos detentores do solo e do capital em proveito de todos e abolição do governo.


Enquanto se espera: propaganda do ideal: organização das forças populares; combate contínuo, pacífico ou violento, segundo as circunstâncias, contra o governo e contra os proprietários, para conquistar o máximo possível de liberdade e de bem-estar para todos.

Programa e Objetivo da Organização Secreta Revolucionária dos Irmãos Internacionais

A Associação dos Irmãos Internacionais quer a revolução universal, social, filosófica, econômica e política ao mesmo tempo, para que da ordem atual das coisas, fundada sobre a propriedade, a dominação e o princípio de autoridade quer religiosa, quer metafísica e burguesamente doutrinária, quer até mesmo jacobinamente revolucionária, não sobre em toda Europa num primeiro momento, e depois no resto do mundo, pedra sobre pedra. Ao grito de paz aos trabalhadores, liberdade a todos os oprimidos e morte aos dominadores, exploradores e tutores de qualquer espécie, queremos destruir todos os Estados e todas as igrejas, com todas as suas instituições e suas leis religiosas, políticas, jurídicas, financeira, policiais, universitárias, econômicas e sociais para que todos estes milhões de pobres seres humanos escravizados, atormentados, explorados, libertos de todos os diretores e benfeitores oficiais e oficiosos, associações e indivíduos, respirem enfim em completa liberdade.


Convencidos de que o mal individual e social reside muito menos nos indivíduos do que na organização das coisas e nas posições sociais, nós seremos humanos tanto por sentimento de justiça quanto por cálculo de utilidade, e destruiremos sem piedade as posições e as coisas a fim de poder, sem nenhum perigo para a revolução, poupar os homens. Negamos o livre-arbítrio e o pretenso direito da sociedade de punir. A própria justiça tomada no seu sentido mais humano e mais amplo, é apenas uma idéia, por assim dizer, negativa e de transição; ela coloca o problemas social mas não o resolve, indicando apenas o único caminho possível para a emancipação, isto é, de humanização da sociedade pela liberdade na igualdade; a posição positiva só poderá ser dada pela organização cada vez mais racional da sociedade. Esta solução tão desejada, ideal de todos nós, é a liberdade, a moralidade, a inteligência e o bem-estar de cada um pela solidariedade de todos, a fraternidade humana.


Todo o indivíduo humano é o produto involuntário de um meio natural e social no seio do qual nasceu, desenvolveu-se e do qual continua a sofrer influência. As três causas de toda a imoralidade humana são: a desigualdade tanto política quanto econômica e social; a ignorância que é seu resultado natural e sua conseqüência necessária: a escravidão.


A organização da sociedade sendo sempre e em todos os lugares a única causa dos crimes cometidos pelos homens, há hipocrisia ou absurdo evidente da parte da sociedade em punir os criminosos, um vez que toda a punição supõe a culpa e os criminosos não são nunca culpados. A teoria da culpa e da punição surge da teologia, isto é, do casamento de absurdo com a hipocrisia religiosa. O único objetivo que se pode reconhecer à sociedade, em seu estado atual de transição, é o direito natural de assassinar os criminosos produzidos por ela mesma no interesse de sua própria defesa e não a de julgá-los e condená-los. Este não será propriamente um direito, na acepção estrita do termo, será antes um fato natural, aflitivo mas inevitável, signo e produto da impotência e da estupidez da sociedade atual: e quanto mais a sociedade souber evitar de utilizá-lo, mais ela estará próxima de sua real emancipação. Todos os revolucionários, os oprimidos, os sofredores, vítimas da atual organização da sociedade e cujos corações estão naturalmente cheios de vingança e de ódio, devem lembrar-se de que os reis, os opressores, os exploradores de toda espécie são tão culpados quanto os criminosos saídos da massa popular: eles são malfeitores mas não culpados, pois são, como os criminosos comuns, produtos involuntários da atual organização da sociedade. Não devemos nos espantar se no primeiro momento, o povo rebelado mate muito. Será talvez um infelicidade inevitável, tão fútil quanto os estragos causados por uma tempestade.


Mas este fato natural não será nem moral, nem mesmo útil. A este respeito, a história está cheia de ensinamentos: a terrível guilhotina de 1793 que não pode ser acusada nem de preguiça, nem de lentidão, não chegou a destruir a classe nobre da França. A aristocracia foi se não completamente destruída ao menos profundamente abalada, não pela guilhotina, mas pelo confisco e venda de seus bens. E em geral, pode-se dizer que a carnificina política nunca matou os partidos; mostram-se sobretudo impotentes contra as classes privilegiadas, porque a força reside menos nos homens da que nas posições ocupadas pelos homens privilegiados na organização das coisas, isto é, a instituição do Estado e sua conseqüência assim como sua base natural, a propriedade individual.


Para fazer um revolução radical é preciso, pois, atacar as posições e as coisas, destruir a propriedade e o Estado, assim não se terá a necessidade de destruir os homens, e de condenar-se à reação infalível e inevitável que o massacre dos homens nunca deixou e não deixará nunca de produzir em cada sociedade.


Mas para ter o direito de ser humano para com os homens, sem perigo para a revolução, será preciso ser impiedoso para com as posições e as coisas: será preciso destruir tudo e, principalmente e antes de tudo, a propriedade e seu corolário inevitável: o Estado. Este é o segredo da revolução.


Não é preciso espantar-se se os jacobinos e os blanquistas que se tornaram socialistas antes por necessidade que por convicção, e para quem o socialismo é um meio, não o objetivo da Revolução. Pois eles querem a ditadura, quer dizer, a centralização do Estado e que o Estado os leve por necessidade lógica e inevitável à reconstituição da propriedade, é natural, dizemos nós, que não querendo fazer uma revolução radical contra as coisas, sonhem com uma revolução sanguinária contra os homens. Mas esta revolução sanguinária baseada na construção de um Estado revolucionário, fortemente centralizado, teria como resultado inevitável, como provaremos mais tarde, a ditadura militar com um novo senhor. Logo, o triunfo dos jacobinos e dos blanquistas seria a morte da Revolução.


Somos inimigos naturais destes revolucionários, futuros ditadores, regulamentadores e tutores da revolução, que, antes mesmo que os estados monárquicos, aristocráticos e burgueses atuais sejam destruídos, sonham com a criação de novos Estados revolucionários, tão centralizados e mais despóticos do que os Estados que existem hoje, que possuem uma vocação tão grande para ordem criada por uma autoridade qualquer e um horror tão grande pelo que lhes parece desordem e que nada mais é do que a franca e natural expressão da vida popular, que, antes mesmo que uma boa e saudável desordem se produza pela revolução, sonham já com o fim e o cerceamento pela ação de um autoridade qualquer que só terá o nome da revolução, mas que efetivamente nada mais será do que uma nova reação pois será uma outra condenação das massas populares, governadas por decretos, à obediência, à imobilidade, à morte, isto é, à escravidão e à exploração por uma nova aristocracia pouco revolucionária.


Compreendemos a revolução no sentido do desencadeamento do que se chama hoje de más paixões e da destruição do que da mesma língua se chama "ordem pública".


Não tememos, invocamos a anarquia, convencido de que esta anarquia, ou melhor, da manifestação completa da vida popular desencadeada, deve sair a liberdade, a igualdade, a justiça, a ordem nova, e a própria força da revolução contra a reação. Esta vida nova, a revolução popular, não tardará sem duvida a organizar-se, mas criará sua organização revolucionária de baixo para cima e da circunferência para o centro, conforme o princípio de liberdade, e não de cima para baixo nem do centro para a circunferência conforme a moda da autoridade, pois pouco importa se esta autoridade se chama Igreja, Monarquia, Estado Constitucional, República burguesa ou até mesmo Ditadura revolucionária. Detestamos e rejeitamos todos da mesma forma como fontes infalíveis de exploração e de despotismo.


A revolução tal como a entendemos deverá, desde o primeiro dia destruir radical e completamente o Estado. As conseqüências naturais desta destruição serão:

•A bancarrota do Estado;

•A cessação do pagamento das dívidas privadas pela intervenção do Estado, deixando a cada devedor o direito de pagar as suas, se quiser;

•A cessação dos pagamentos de qualquer imposto e do adiantamento de todas as contribuições, sejam diretas ou indiretas;

•A dissolução do exército, da magistratura, da burocracia, da polícia e do clero;

•A abolição da justiça oficial, a suspensão de tudo o que juridicamente se chamava direito, e o exercício desses direitos;

•Por conseqüência, a abolição do auto-de-fé de todos os títulos de propriedade, formais de herança, de venda, de doação, de todos os processos, de toda a papelada jurídica e civil, em uma palavra. Em todo o lugar e em todas as coisas o fato revolucionário, em vez do direito criado e garantido pelo Estado;

•O confisco de todos os capitais produtivos e instrumentos de trabalho em proveito da associação de trabalhadores que deverão produzi-los coletivamente;

•O confisco de todas as propriedades da Igreja e do Estado assim como dos metais preciosos dos indivíduos em benefício da Aliança Federativa de todas as associações operárias, Aliança que constituirá a comuna. Em troca dos bens confiscados, a Comuna dará o estritamente necessário à todos os indivíduos que foram despojados, que poderão mais tarde, com seu próprio trabalho ganhar mais se puderem e se quiserem.


Para a organização da Comuna: a federação das barricadas permanentes e a função de um conselho revolucionário da Comuna pela delegação de uma ou duas pessoas de cada barricada, uma por rua ou por bairro, delegados investidos de mandatos imperativos, sempre responsáveis e sempre revogáveis. O Conselho comunal assim organizado poderá escolher, entre os seus, comitês executivos separados por cada ramo da administração revolucionária da Comuna.


Declaração da capital insurgida e organizada em Comuna que, depois de ter destruído o Estado autoritário e tutelar, o que ela tinha o direito de fazer porque era escrava como todas as outras localidades, renuncia a seu direito, ou melhor, a qualquer pretensão de governar, de impor-se às províncias.


Chamado a todas as províncias, comunas e associações, convidando a todos a seguirem o exemplo dado pela capital, de organizar-se primeiro revolucionariamente e, após, delegar, em um local convencionado de reunião, seus delegados, todos investidos de mandatos imperativos, responsáveis e revogáveis, para constituir a federação das associações, comunas e províncias insurgidas em nome dos mesmos princípios, e para organizar uma força revolucionária capaz de triunfar sobre a reação. Envio não de comissários revolucionários oficiais com faixas distintivas, mas de propagadores revolucionários em todas as províncias e comunas, sobretudo entre os camponeses que não poderão revoltar-se nem por princípios, nem pelos decretos de uma ditadura qualquer, mas somente pelo próprio fato revolucionário, quer dizer, pelas conseqüências que produzirá infalivelmente em todas as comunas a cessação completa da vida jurídica, oficial do Estado.


Abolição do Estado nacional ainda no sentido de todo o país estrangeiro, província, comuna, associação ou até indivíduos isolados, que se revoltaram em nome do mesmo princípio, sejam recebidos na federação revolucionária independente das fronteiras atuais dos Estados, embora pertencendo a sistemas políticos ou nacionais diferentes, e que as próprias províncias, comunas, associações, indivíduos que tomarem partido da reação estarão excluídos. É, pois pelo próprio fato da eclosão e da organização da revolução com vistas à defesa mútua dos países insurgidos que a universalidade da revolução, baseada na abolição das fronteiras e na ruína dos Estados, triunfará.


Não pode haver revolução política triunfante, a menos que a revolução política se transforme em revolução social, que a revolução nacional precisamente por seu caráter radicalmente socialista e destrutivo do Estado se transforme em revolução universal.


A revolução devendo fazer-se, em toda a parte, pelo povo, e a suprema direção devendo estar sempre no povo organizado em federação livre de associações agrícolas e industriais, organizando-se de baixo para cima por meio da delegação revolucionária abrangendo todos os países insurrectos em nome dos mesmos princípios independentemente das velhas fronteiras e das diferenças de nacionalidade, terá por objetivo a administração dos serviços públicos e não o governo dos povos. A aliança da revolução universal contra a aliança de todas as reações será a nova pátria.


Esta organização exclui qualquer idéia de ditadura e de poder dirigente tutelar. Mas, para o próprio estabelecimento desta aliança revolucionária, e para o triunfo da revolução contra a reação, é necessário que em meio à anarquia popular que constituirá a própria vida e toda a energia da revolução, a unidade de pensamento e de ação revolucionária encontre um órgão. Este órgão deve ser a Associação Secreta e Universal do Irmãos Internacionais.


Esta associação parte da convicção de que as revoluções nunca são feitas nem pelos indivíduos nem mesmo pelas sociedades secretas. Elas se fazem por si próprias, produzidas pela força das coisas, pelo movimento dos acontecimentos e dos fatos. Elas se preparam durante muito tempo na profundeza da consciência instintiva das massas populares, depois explodem, suscitadas aparentemente por causas fúteis. Tudo o que um sociedade organizada pode fazer é, primeiramente, ajudar o nascimento de uma revolução difundindo entre as massas idéias correspondentes aos instintos das massas de organizar, não o exército da revolução - o exército deve ser sempre o povo - mas uma espécie estado-maior revolucionário composto de indivíduos dedicados, enérgicos, inteligentes e, sobretudo, amigos sinceros, e não ambiciosos nem vaidosos, do povo, capaz de servir de intermediário entre a idéia revolucionária e os instintos populares.


O números destes indivíduos não deve, portanto, ser enorme. Para a organização internacional em toda a Europa, cem revolucionários forte e seriamente aliados, bastam. Duas ou três centenas de revolucionários bastarão para a organização do maior país.


Mickail Bakunin, outono de 1868