A Federação Anarquista de São Paulo ou FASP, foi fundada em 26 de Julho de 2008, com sede em SP/SP. A FASP é uma Associação de direito privado, constituida juridicamente, com Estatutos Publicos Registrados como de caráter organizacional, classista, educacional e cultural, com a finalidade de atender a todos que a ela se dirigirem. A FASP esta filiada a FAESP, Federação Anarquista do Estado de São Paulo e Confederado a CAOS, Confederação do Anarquismo Organizado Socialmente.
A Confederação
" Quando a Confederação chegar nenhum muro, casa, apartamento, Status Cow, propriedades, radicais e trabalhos vão separar você de você que sera o carrasco e a vitima de você mesmo.
Por tanto se amem e sejam felizes, pois os bons frutos seram multiplicados e os maus frutos serão punidos em meu jardim.
Estou cansado de ganhar almas de Ingratos que ganharam tudo isto aqui e me prodizem maus frutos no paraizo. "
The Proibid
Por tanto se amem e sejam felizes, pois os bons frutos seram multiplicados e os maus frutos serão punidos em meu jardim.
Estou cansado de ganhar almas de Ingratos que ganharam tudo isto aqui e me prodizem maus frutos no paraizo. "
The Proibid
A Coluna Anarquista Organicista
A Federação Anarquista é a Espinha Dorsal do Anarquismo
sexta-feira, 31 de outubro de 2008
Magonismo e Zapatismo Paradigma Latino de Resistência
"Ao contrário das tentativas de mudança que se dão por dentro do Estado, há aquelas alternativas que se dão fora do âmbito do Estado."
Magonismo e Zapatismo
Paradigma Latino de Resistência
Ao contrário das tentativas de mudança que se dão por dentro do Estado, há aquelas alternativas que se dão fora do âmbito do Estado. É inevitável falarmos em disputa de poder, mas entendendo poder como espaço político, e não como o poder do Estado e como a dominação. Poder não necessariamente implica em dominação. Por isso, é claro que os movimentos sociais, apesar de se constituírem, geralmente, fora do Estado, disputam espaço político com o Estado e os representantes da democracia representativa. Os movimentos que têm ou tiveram na História o objetivo de proporcionar uma mudança do status-quo, e dar a ele um sentido mais libertário, certamente disputavam espaço político com a reação e com o Estado. Na grande maioria das vezes, reivindicavam algo, de maneira organizada, o que lhes fazia constituir um movimento.
A América Latina tem uma grande tradição de movimentos sociais e, para essa discussão, acredito ser relevante recorrer a duas delas, ambas do México no contexto da Revolução Mexicana do início do século XX, e que continuam a ter protagonismo na América Latina até os nossos dias: o magonismo e o zapatismo.
Magonismo
Em 1876 tem início a ditadura de Porfírio Dias, um governo caracterizado pela exploração das classes de trabalhadores e camponeses, concentração de riqueza, do poder político e do acesso à educação, basicamente em famílias de latifundiários e empresas estrangeiras, vindas principalmente da França, Inglaterra e Estados Unidos. A concentração de terras no México era absurda, e os fazendeiros proprietários eram “donos absolutos de homens e coisas”, com um poder e recursos quase incomensuráveis. Apesar de o povo viver na miséria extrema, a ditadura de Diaz assegurava grandes lucros aos investimentos capitalistas do exterior. Nove milhões de mexicanos eram analfabetos. Conforme colocou Pier Francesco Zarcone:
“Os dois pilares principais do sistema das propriedades rurais eram:
a) as tiendas de raya – lojas de gêneros alimentícios, licores e roupas de baixa qualidade (os proprietários delas eram os próprios fazendeiros), onde os camponeses de uma fazenda eram forçados a fazer as compras, também e principalmente a crédito; por este sistema, os fazendeiros – que revendiam bens de pouco valor a preços superiores – quase recuperavam o dinheiro atribuído aos salários e os camponeses endividados não podiam mover-se das fazendas onde trabalhavam antes de pagarem as dívidas assim contraídas (o sistema ainda está em uso em muitas partes de América do Sul);
b) a ley de fuga – que permitia aos donos matar o camponês fugitivo; para os trabalhadores rebeldes um castigo muito usado consistia em pôr o rebelde num buraco na terra, com a cabeça fora, e fazê-la pisar pelos cavalos a galope.”[1]
Com o objetivo de combater essas injustiças, constituiu-se, já na segunda metade do século XIX, uma resistência libertária, riquíssima em sua diversidade. Muitos foram os exemplos de associações de socorro mútuo (Sociedad Particular de Socorros Mútuos), grupos militantes (A Social, Sociedad Agrícola Oriental), greves organizadas pelos trabalhadores, escolas libertárias (Escuela del Rayo y del Socialismo), grupos de estudo (Grupo de Estudiantes Socialistas), e a formação do Congresso General Obrero da República Mexicana. Podemos citar a própria constituição do Partido Comunista Mexicano, que tinha tendência bakuninista. O governo inicia uma onda de repressão fechando os círculos anarquistas e acabando violentamente com duas revoltas organizadas pelos trabalhadores.
Alguns anos depois, já no início do século XX, Ricardo Flores Magón seria um dos grandes representantes dos ideais libertários na luta contra a ditadura de Diaz. “O apóstolo da revolução social mexicana” como foi chamado por Diego A. de Santillán, inicia sua campanha contra uma nova candidatura de Diaz, alguns anos antes da virada do século, e pouco a pouco vai se orientando cada vez mais ao socialismo libertário. Em 1900 funda o periódico Regeneración que logo se tornaria um dos maiores veículos da imprensa operária e cujo objetivo era a derrocada da ditadura e do estabelecimento do comunismo libertário, que Magón tão bem aprendera com as leituras de Kropotkin. Na descrição de Diego Abad de Santillán: “Em 7 de agosto de 1900 apareceu no México o primeiro número do Regeneración, redigido por Ricardo Flores Magón e sei irmão mais velho, Jesus. A linguagem desse periódico, que havia de exercer grande influência nos destinos do povo mexicano, levou o espanto ao ânimo de Diaz e dos ‘cientistas’; viu-se logo que atrás dessa atrevida publicação havia uma vontade indomável; sem esforço algum os antiporfiristas da Cidade do México foram agrupando-se em torno de Ricardo Flores Magón, no qual viram o cérebro mais consciente e a vontade mais decidida contra a tirania do general Diaz”[2]
Magón também integra em 1901 o Partido Liberal Mexicano (PLM) que havia sido fundado um ano antes. O programa do partido tinha um sentido liberal radical e os objetivos giravam em torno da crítica ao clero político católico que emergia em defesa dos interesses dos grandes proprietários e empresários capitalistas. Além disso, ressaltava a importância da reivindicação dos direitos dos cidadãos mexicanos e do abandono da crença de que no governo estaria a solução para todos os males. Ressaltava ainda a ação coletiva como principal elemento das democracias.
Durante todo o período da ditadura, tanto o PLM quanto o periódico Regeneración – ambos muito influenciados por Magón – foram grandes opositores do regime, defendendo o fim da ditadura e do regime porfirista. Aliás, por razão da influência libertária presente no partido, a partir da segunda metade da década de 1900, o PLM se radicaliza, tornando seu discurso mais combativo e criando uma tensão interna no partido, o que afasta os elementos menos radicais. Vale ressaltar que o partido não concorria às eleições e servia somente como um espaço de articulação horizontal dos revolucionários libertários da época, sem objetivos de tomar o Estado e estabelecer uma ditadura, mas para colocar um fim ao governo de Diaz, estabelecendo o comunismo libertário em seguida. Em 1906 o PLM lança seu programa e também o Manifesto à Nação Mexicana, um documento de grande importância para o movimento revolucionário da época e que propunha uma estratégia para acabar com a ditadura de Diaz e com as estruturas fundiárias. O PLM tornou-se clandestino e organizou em todo o México mais de 40 grupos de resistência armada e também contou com membros indígenas, conhecidos por sua luta pelos direitos das comunidades e contra a propriedade capitalista. Após a radicalização, Francisco Madero – um empresário que simpatizava com as reformas sociais e que chegou, ainda em 1905, a tecer elogios ao PLM – estabeleceu uma discordância de que os meios pacíficos para tirar Diaz do poder estariam esgotados.
A fraude eleitoral de 1910 comandada por Diaz, daria início à explosão da Revolução Mexicana. Com a prisão de Madero, seu adversário nas eleições, conseguiu reeleger-se novamente. Exilado em San Antonio, no Texas, Madero redige o Plano de San Luís, convocando um levante armado para 20 de novembro, além de declarar nulas as eleições de 1910, rechaçando a eleição de Diaz e instituindo-se como presidente provisório. Muitos rebeldes atenderam ao chamado revolucionário, entre eles Emiliano Zapata, que tinha um importante papel na organização dos indígenas da região de Morelos, e Pancho Villa, um ex-ladrão de gado e assaltante de bancos, muito reconhecido pelos humildes das regiões de Durango e Chihuahua. Estavam unidos, em uma frente anti-reeleicionista, que dava a cada grupo relativo grau de autonomia e independência.
Já em 1911 e em meio à Revolução e com apoio do sindicato norte americano IWW, os anarquistas, que tinham à frente Magón, ocupam a região da Baixa Califórnia, tomando cidades de importância como Mexicali. Ao fim do mês de janeiro, constituem a “República Socialista da Baixa Califórnia”, a primeira república socialista do mundo. Os magonistas tiveram ainda vitórias em cidades como Novo León, Chihuahua, Sonora, Guadalupe e Casas Grandes; espaços esses que seriam perdidos após a repressão ocasionada pelo governo de Madero. Aliás, lembremos que antes da subida de Madero ao poder, Magón foi convidado para ser vice-presidente do México, o que negou, em honra à sua bandeira do comunismo libertário.
Grande parte dos revolucionários rompe com Madero por razão da constituição amplamente burguesa de seu governo e que não possuía qualquer aspiração de ir além do liberalismo. Uma dessas revoltas, organizada por Zapata no estado de Morelos e o Plan de Ayala lançado em novembro de 1911 (e que pedia a derrubada do governo de Madero e propunha um processo de reforma agrária com controle das comunidades camponesas) constituíram-se como instrumentos na luta dos camponeses pela revolução social no país, sempre inspirados pelo lema Tierra y Libertad. Como ressalta o historiador Alexandre Samis: “o grito revolucionário de Tierra y Libertad [...] teria sido entoado primeiro pelo poeta e militante anarquista Praxedis Guerrero e depois disseminado pelos magonistas”. Foi então que “Soto y Gama, um magonista muito próximo a Emiliano Zapata, viria a popularizá-lo junto ao exército revolucionário zapatista.”[3] Um outro interessante fato que comprova a proximidade entre Zapata e Magón acontece quando Zapata convida Magón, em 1915, para levar o periódico Regeneración para Morelos, colocando à sua disposição meios que dariam ao jornal uma expansão nacional. Isso acabou não dando certo por razão dos problemas de saúde e prisões que aconteceram com Magón, e por ele acreditar que se o jornal permanecesse nos EUA (o que acontecia naquele momento), a perspectiva internacionalista seria favorecida.
Depois disso, o México afundou-se em um período de guerra civil e tentou estabelecer uma Convenção, já nos fins de 1914. Os fatos que se deram em seqüência, como a tentativa de tomada da Cidade do México por Villa e Zapata, a convocação da Assembléia Constituinte por Carranza, que depois seria eleito presidente e assassinado e os conflitos que se seguiram no país acabaram constituindo o pano de fundo da decadência do período revolucionário no país.
Zapatismo
Inspirados abertamente neste contexto da Revolução Mexicana, já no início da década de 1990, surge o novo movimento zapatista. Insatisfeitos com a política de devoção ao capitalismo neoliberal adotada pelo mundo, índios camponeses do sul do país – mais especificamente da região de Chiapas no México – concentraram-se na selva mexicana e iniciaram um processo de discussão e uma tentativa de unir forças e adesões na sua luta contra o neoliberalismo e as conseqüências das políticas do NAFTA, que estava marcado para entrar em vigor em primeiro de janeiro de 1994. Segundo os indígenas, a assinatura do NAFTA seria uma sentença de morte a eles, um tratado que beneficiaria ainda mais os ricos do México, aumentando a concentração de riquezas no país e prejudicando os mais pobres. Para o mesmo dia do início do NAFTA, esse grupo de índios que se chamou Exercito Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), programou um levante, que acabou marcando de forma bastante severa, todo o mundo. Sua avaliação do contexto mexicano indica que o EZLN via a situação do México como a de um país colonial dominado pelos EUA e que para poder fazer a transição para a democracia e o socialismo seria necessária uma revolução. Dessa forma foi escolhido o nome do EZLN.
O EZLN envia, a partir de então, comunicados para todo o mundo, criticando o capitalismo neoliberal e contando as realidades do levante ocorrido e da comunidade autônoma que havia se formado em Chiapas. Assim, a história de Chiapas ultrapassa as fronteiras do México. Mesmo sendo o EZLN um movimento armado e de libertação nacional, ele não recebe rechaço da população mundial e internacionaliza-se, sendo solidário às causas de outras localidades do mundo.
Mesmo que grande parte da população mexicana não estivesse disposta a se juntar à luta armada, a insurreição zapatista acabou inspirando grupos e movimentos por todo o mundo. Sobre o fato de ser um movimento armado, o EZLN justifica: “Mas para que soldados não sejam mais necessários é preciso virar soldado e disparar uma certa quantidade de chumbo quente, escrevendo liberdade e justiça para todos, não para alguns, mas para todos, todos os mortos de ontem e de amanhã, os vivos de hoje e de sempre, por todos aqueles que chamamos de povo e pátria, os excluídos, os que nasceram para perder, os sem-nome, os sem-rosto.”[4]
A concepção do EZLN de educar a sociedade civil por meio dos fatos foi posta em prática com a divulgação da realidade política das comunidades de Chiapas e assim, os zapatistas insurgentes se tornaram um modelo para toda a esquerda mundial. O combate incansável à política neoliberal e pela desmilitarização da zona autônoma que havia sido criada, foi uma fonte de inspiração a todos os militantes que preconizavam a luta política feita por meio da ação direta, com decisões tomadas de forma democrática, levando em conta a autonomia e a igualdade entre gêneros. A crítica à democracia representativa e os objetivos coletivistas dos zapatistas também podem ser citados como traços marcantes do movimento. Eles dizem que “o povo simples limita-se apenas a eleger ‘representantes’ que lhes são oferecidos. O seu envolvimento só ocorre na hora da eleição, de dar o seu voto para este ou aquele candidato. No restante do tempo, é mantido como mero espectador da cena social e não se faz o menor esforço para envolvê-lo quando o assunto é organizar a vida econômica e política do país. [...] Para que seja possível reverter essa situação, o EZLN torna-se uma referência e um caminho para que as pessoas deixem de ser espectadoras e passem a ter uma participação ativa no cotidiano da vida social, para que a rebeldia e a resistência ganhem corpo e sentido, para que seja possível concretizar a esperança de que as coisas podem ser diferentes do que são e que a construção de um mundo melhor só depende do envolvimento e da participação de cada um para eliminar toda forma de discriminação e de exploração.” Os membros do EZLN “Não querem ter a honra de chegar sozinhos, não buscam o privilégio de sentar nos lugares mais elevados, mas se dedicam incansavelmente a fazer com que haja tudo para todos.”[5]
Após a dissolução da Frente Zapatista de Libertação Nacional (FZLN) – braço civil do EZLN e cujo objetivo era constituir-se enquanto uma organização política, civil e pacífica que não lutaria pela tomada do poder – em 2005, o EZLN deu início à Outra Campanha. Com isso, o EZLN pretende dedicar-se a um trabalho político aberto, civil e pacífico, dando espaço a uma nova etapa da luta zapatista com vistas à democracia, liberdade e justiça. Continuando a crítica radical à política institucional e propondo um rompimento formal com o Partido Revolucionário Democrático (PRD) mexicano – uma suposta esquerda do país – presentes na Sexta Declaração da Selva Lancandona, o EZLN propõe uma forma de política que opõe as eleições e os meios institucionais, realçando os movimentos sociais de esquerda e anticapitalistas. Para eles, nesta campanha, o foco é levar a sua concepção, enquanto um movimento social, para outras regiões do México e do mundo. É mostrar que o poder das decisões e da gestão da vida do povo não deve ser conferido a um governo ou a qualquer poder institucional que está acima dele. É mostrar que o povo deve organizar-se enquanto povo para tratar dos seus próprios assuntos e tomar o espaço político (em termos de tomada de decisões) que lhes foi roubado pela burocracia dos governos e dos partidos políticos institucionais.
Com o objetivo de dar conta das demandas criadas com o estabelecimento dos municípios autônomos, surgiram as Juntas de Bom Governo que constituem um outro interessante exemplo de política feita pelos movimentos sociais contemporâneos. As Juntas têm por objetivo funcionar como uma escola de democracia direta, dando espaço e encorajando a população a tomar as decisões, de maneira não hierárquica e sem corrupção: a própria autogestão ou o autogoverno. Como dizem os próprios zapatistas, mandam obedecendo, e assim estimulam as discussões e tomadas de decisão coletivas. As Juntas foram constituídas para reorganizar os antigos municípios autônomos zapatistas, levando em conta as demandas, tanto dos zapatistas, quanto dos indígenas e camponeses mexicanos. Dessa forma, servem como ponte para a articulação entre as diversas municipalidades zapatistas, preservando a autonomia em relação ao Estado comandado atualmente por Vicente Fox.
Um Paradigma de Resistência Atual
Creio ser importante ressaltar o “neo-magonismo” em crescente desenvolvimento no México. Da mesma forma inspirados nos princípios levantados na Revolução Mexicana, e em grande medida zapatistas, os magonistas contemporâneos também estão trabalhando para a criação de alternativas ao poder do Estado, estimulando a autonomia para que possam exercer seus direitos na prática. Assim, magonistas e zapatistas de nossos dias têm estabelecido um diálogo que se dá nas bases organizativas de um pensamento de esquerda, fora do âmbito institucional, que dê conta da questão indígena em bases revolucionárias, não hierárquicas e antiautoritárias. Fruto desse intercâmbio, surge em 2000 a Aliança Magonista Zapatista (AMZ) que, constituída por grupos indígenas e organizações militantes, declara sua luta contra as injustiças que acontecem contra o povo pobre e oprimido, trazendo novamente à tona o lema “Terra e Liberdade”, símbolo da cooperação zapatismo-magonismo num passado não tão recente. Além disso, ressaltam a importância da “outra forma de fazer política” e do rechaço ao poder de Estado, dizendo: “não aspiramos exercer o poder, mas sim construir um mundo livre, justo e democrático”.
Àqueles que esperam traçar um paradigma de lutas do século XXI, que tenha por objetivo acabar com a exploração, vale saber que mesmo dentro de nossa América Latina estão acontecendo movimentos de grande importância e que possuem em seu bojo, muito mais democracia e liberdade que todos os projetos estatais hoje em voga. O magonismo e o zapatismo mexicanos são somente dois exemplos de outras tantas mobilizações que, como setores dos piqueteros na Argentina, setores dos movimentos sem-teto e sem-terra no Brasil, o Movimento Passe-Livre, dentre outros, questionam de fora do Estado o status-quo e oferecem perspectivas libertárias de transformação do mundo. Resta saber se os socialistas libertários de hoje acompanharão estes movimentos, e tentarão influenciá-los o quanto for possível, ou se simplesmente abandonarão o bonde da história, deixando a eles somente os tentáculos do Estado, a alienação do capitalismo, e os maus-elementos que lhes tentarão aparelhar dia após dia.
Felipe Corrêa
Junho de 2006
Notas:
[1] Pier Francisco Zarcone. Os Anarquistas na Revolução Mexicana. Utilizei esse ótimo artigo para nortear esse trecho sobre a Revolução Mexicana. O artigo, com um novo apêndice do autor discutindo zapatismo e magonismo hoje, será publicado pela Faísca Publicações ainda em 2006.
[2] Diego Abad de Santillán. Ricardo Flores Magón: o apóstolo da revolução mexicana. Rio de Janeiro/São Paulo: Achiamé/FARJ/Faísca, 2006.
[3] Alexandre Samis. “Apresentação” In: Ricardo Flores Magón: A Revolução Mexicana. São Paulo: Imaginário, 2003 p. 19.
[4] Emilio Gennari. Chiapas: as comunidades zapatistas reescrevem a história. Rio de Janeiro: Achiamé, 2002 p. 60.
[5] Ibidem. pp. 58;59;13.
* Este artigo é um trecho de Mobilizações Sociais na América Latina: da nacionalização dos recursos bolivianos à resistência no México.
* Felipe Corrêa é militante da Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ) e da pró Federação Anarquista de São Paulo (pró - FASP).
Related Link: http://www.farj.org
quinta-feira, 30 de outubro de 2008
1º Encontro Libertário: Anarquismo e Movimentos Sociais
De 08 a 11 de dezembro
A Organização Resistência Libertária (ORL) vai estar realizando em Fortaleza o I Encontro Libertário: Anarquismo e Movimentos Sociais.
O Encontro contará com a participação de militantes de organizações políticas anarquistas de várias cidades do país, militantes de movimentos sociais, pesquisadores e simpatizantes. Com esta iniciativa pretendemos criar um espaço para a troca de experiência e metodologias entre aqueles que atuam no sentido da construção de idéias e formas concretas de luta anti-capitalista numa perspectiva libertária.
Serão quatro dias de oficinas, debates, discussões, palestras, exposições, atividades culturais e encontros informais em torno de temas como anarquismo social, educação libertária, mídias independentes, movimentos semteto e luta pela moradia, ecologia social, movimento estudantil, organização libertária, resistência étnica, luta anti-capitalista, etc.
Acreditamos que a luta anti-capitalista só pode avançar de forma conseqüente e duradoura se assumir radicalidade e dimensões sociais cada vez mais amplas. Neste sentido, pensamos que o anarquismo deve colocar-se como um elemento inserido e a serviço das lutas sociais, estimulando a autonomia, a ação direta, a combatividade e a democracia direta. Esta inserção não deve buscar de forma alguma dirigir ou submeter as lutas a interesses particulares, mas contribuir para que ultrapassem as reivindicações imediatas e assumam um caráter libertário, revolucionário e de superação da sociedade capitalista.
Convidamos a todos e todas a participarem desse momento de encontro e conhecimento coletivo, e que possamos somar esforços e seguir dando passos mais longos e mais firmes no sentido de pensar e construir concretamente experiências de organização e de luta que se coloquem numa perspectiva libertária e anti-capitalista.
*Os grandes só são grandes porque estamos de joelhos. Levantemo-nos!*
*Organização Resistência Libertária*
*PROGRAMAÇÃO:*
*08/12 (segunda-feira)*
*16h -Recepção de convidados e participantes*
*18h -Abertura do Encontro*
*18h30 -**Debate: */*Anarquismo Social e a Construção de Contrapoderes*/
*Debatedores: *Felipe Corrêa (Federação Anarquista do Rio de Janeiro – FARJ) e Mateus Júnior (Magão) (Organização Resistência Libertária – ORL).
*Local: *Pátio da História – UFC
*09/12 (Terça-feira)*
*9h –**Oficinas e exibição de vídeos*/***/
*14h –**Mesa-redonda: */*Movimento Operário e Imprensa Anarquista*/
*Participantes: *Adelaide Gonçalves (Universidade Federal do Ceará - UFC) e Rogério Nascimento (Universidade Federal de Campina Grande – UFCG)
*Local: *Auditório da História – UFC
*18h30 – **Debate: */*Anarquismo e Movimentos Sociais*/
*Debatedores: *Alexandre Samis (Federação Anarquista do Rio de Janeiro – FARJ / Movimento dos Trabalhadores Desempregados - MTD) e Victor Pereira (Movimento estudantil da UFC / Organização Resistência Libertária – ORL)
*Local: *Pátio da História – UFC.
*10/12 (quarta-feira)*
*9h –Oficinas e exibição de vídeos**
*14h –**Mesa-redonda: */*Pedagogia Libertária e Educação Anarquista no Brasil*/
*Participantes: *José Damiro de Moraes (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri - UFVJM) e Sandro Soares (Universidade Federal do Ceará – UFC)
*Local: *Auditório da História - UFC
*18h30 - **Debate: */*Anarquismo e Movimento Estudantil*/
*Debatedores: *Henrique Bezerra (Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares - CAZP / Movimento estudantil da UFAL), Patrícia Pinheiro e Thiago Roniere (Movimento estudantil da UFC / Organização Resistência Libertária – ORL)
*Local: *Pátio da História – UFC
*11/12 (quinta-feira)*
*9h – **Oficinas e exibição de vídeos*/***/
*14h - **Mesa-redonda: */*História e Historiografia do Anarquismo no Brasil*/
*Participantes: *Alexandre Samis (UFF / GEA-NEC), Allyson Bruno (Universidade Estadual do Ceará – UECE) e Carlo Romani (Universidade Federal do Ceará - UFC)
*Local: *Auditório da História – UFC
*18h30 – **Debate: */*A Luta dos Povos Indígenas Contra o Avanço Capitalista no Ceará*/
*Debatedores: *João Paulo Vieira (Historiador / Organização Resistência Libertária – ORL) e Representantes de comunidades indígenas do Ceará
*Local: *Pátio da História – UFC
*21h- Encerramento e confraternização*
*Oficinas confirmadas:*
*Wen-do / João Pessoa* (auto-defesa feminina)
*Projeto Ciclovida *(ação ecológica no campo)
*Grupo de Capoeira Angola Pelourinho *(oficina de capoeira angola)
** Demais oficinas, comunicações livres, exposições e exibições de vídeos serão divulgadas numa programação especial*
*Propostas de oficinas e comunicações serão aceitas até 28 de novembro
pelo e-mail: _encontrolibertario@gmail.com_
*De 8 a 11 de Dezembro de 2008*
*DURANTE O EVENTO SERÃO LANÇADOS OS SEGUINTES LIVROS E PUBLICAÇÕES:*
*e, 2700 - Fortaleza-CE*
*Os Enganadores*
*A Política da Internacional*
*Aonde Ir e o Que Fazer*
/*Mikhail Bakunin*/
*Co-edição entre Imaginário e*
*Faísca Publicações Libertárias*
*A Idéia dos Sovietes*
/*Pano Vassilev*/
*Co-edição entre Imaginário e*
*Faísca Publicações Libertárias*
*A Concepção Libertária da Transformação Social Revolucionária*
/*Rudolf de Jong*/
*Edição Faísca Publicações Libertárias*
*Manifesto da Organização Resistência Libertária*
*Declaração de Princípios da Organização Resistência Libertária*
*Semente Libertária*
(Jornal da Organização Resistência Libertária)
*Folder em anexo!*
*Programação:*
*_http://encontrolibertario.blogspot.com_
*Inscrições e mais informações pelo e-mail: *
*_encontrolibertario@gmail.com_*
*I Encontro Libertário: Anarquismo e Movimentos Sociais*
*De 8 a 11 de Dezembro de 2008*
*Local: Centro de Humanidades II da UFC*
*Av. da Universidade, 2700 – Fortaleza-CE*
*Realização:*
*Organização Resistência Libertária*
*Apoio:*
*Universidade Federal do Ceará*
*Federação Anarquista do Rio de Janeiro*
*Faísca Publicações Libertárias*
quarta-feira, 15 de outubro de 2008
A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA ANARQUISTA Federação Anarquista Uruguaia (FAU)
A FAU pretende ser uma expressão política dos interesses das classes dominadas, exploradas e oprimidas; e, colocando-se a serviço delas, aspira ser um motor das lutas sociais. Um motor que nem as substitui e nem as representa. Mas que pretende dinamizá-las e organizá-las, contribuir para a superação do aspecto meramente espontâneo, transcender os vaivéns da conjuntura e assegurar a continuidade das rebeldias, das lutas cotidianas, das expectativas, aspirações, etc.
Para nós, a organização política é também o âmbito em que se vai acumulando a experiência de luta popular, tanto em nível nacional como internacional. Uma instância que impede que se dilua o saber que os explorados e os oprimidos vão adquirindo com o tempo.
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA
A organização política atua ainda como local de produção das análises conjunturais e das orientações fundamentais pertinentes. Por isso, é a organização política a instância adequada para assumir os distintos e complexos níveis de atividade, que o trabalho revolucionário pode exigir, a única instância capaz de assegurar o conjunto de recursos técnicos, materiais, políticos e teóricos, etc. que são condição indispensável de uma estratégia de ruptura.
Nossa visão da organização política é contrária às distintas formas de “vanguardismo”, de “guardiões da consciência”, enfim, de grupos auto-eleitos, que se sentem tocados pelo dedo de Deus. A organização, mantendo e promovendo o espírito de revolta, assume como próprias todas as exigências presentes e futuras de um processo revolucionário. E a partir do trabalho militante organizado, e somente a partir dele, que se pode promover coerentemente e com força redobrada a criação, o fortalecimento e a consolidação das organizações populares de base, que constituem os núcleos do poder popular revolucionário. A organização política não é uma coisa acabada, e está sujeita às influências diversas que vão exigindo adequações. Também é uma instância especial de aprendizagem em relação às lutas sociais com as quais se articula. E finalmente, no estrito âmbito da ação política (e não desconhecemos a existência de outros, mas reivindicamos o político como um âmbito separado) a FAU aspira ser a ferramenta para tornar realidade nossos princípios libertários.
NÍVEL POLÍTICO E NÍVEL SOCIAL
O problema do poder, decisivo em uma transformação social profunda, só pode ser resolvido a nível político, através da luta política. E esta requer uma forma específica de organização: a organização política revolucionária. Só através de sua ação, enraizada nas massas, pode conseguir a destruição do aparato estatal burguês e sua substituição por mecanismos de poder popular.
A atividade política não pode ser reduzida à luta econômica, à prática sindical, ainda que esta possa conter, como efetivamente contém, elementos “políticos”. (...) Mas esta luta econômica não produz espontaneamente a luta contra o poder político como tal. (...) Por isso, o espontaneísmo, as mobilizações espontâneas de massas, reflexo de um acúmulo de problemas sem solução que logo “estouram”, se não forem canalizados e instrumentalizados adequadamente, dificilmente transcendem ao plano político em termos de modificar as relações de poder.
A destruição do poder [burguês...] supõe a criação de uma outra ordem social, a qual exige a adoção de um outro “modelo” de organização (que implica uma ideologia) e, além disso, uma inevitável luta que implica meios técnicos, que o movimento de massas, por si, espontaneamente não pode desenvolver com êxito. Este é, em nossa época, o ensino a extrair dos grandes movimentos espontâneos de massa.
Não é possível uma insurreição, nem um processo de luta prolongada de costas ou distantes das massas. A predisposição espontânea dessas, que é função da organização política canalizar em termos de organização e desenvolver ideologicamente, tem sempre um papel absolutamente principal. Não se pode realizar uma revolução à margem ou apesar da gente. E menos construir um novo sistema social sem a adesão inicial pelo menos de um setor bastante amplo do povo.
LUTA POLÍTICA E IDEOLÓGICA
Daí a necessidade de uma atividade ideológica de esclarecimento (e de dispor dos elementos necessários a ela) que não é contraditória, mas complementar a outros níveis de luta (econômico, militar, etc.). Por atividade ideológica não entendemos, obviamente, a pregação intelectual, “educacionista”, que se remete mais ou menos exclusivamente à difusão de “teoria” revolucionária, ainda que, esclareçamos, esta também possui sua importância. Atividade ideológica é algo mais que a mera difusão de conhecimentos teóricos. Os fatos, a própria prática política, são ingredientes, elementos decisivos da integração de um nível de consciência revolucionária.
Um resultado ideológico essencial firma-se em demonstrar diante do povo uma perspectiva de vitória, um caminho de esperança, de confiança na possibilidade de uma transformação profunda, revolucionária. (...) E esta função “demonstrativa” (...) é função de uma minoria politicamente organizada, com um nível ideológico, de consciência que não pode ser gerada na prática espontânea das massas. Um nível que supõe a superação do espontaneísmo.
* Texto composto com trechos da “Carta de Princípios da FAU” e do artigo “La Organización Política es lo Decisivo” em Juan Mechoso. Acción Directa Anarquista: una historia de FAU. Montevideo: Recortes, s/d pp. 194-195.
* Tradução e seleção: Felipe Corrêa
terça-feira, 14 de outubro de 2008
“ O pentagrama das Organizações Anarquistas ”
Quando falamos em Organizações Anarquistas, buscamos as referencias Históricas e da atualidade.
Longe de dizer quem é mais ou menos Anarquista ou qual forma de Organização é mais Anarco, pensei em ressaltar as 05 formas de Organização Anarquista existentes na nossa atualidade histórica em São Paulo – Brasil, para esclarecer as diferenças e comparações com o Especifismo.
1) O Especifismo: Nasce com Bakunin e seus grupos de afinidade como a “ Aliança da Democracia Socialista ”, se desdobra nos diversos grupos de afinidade como o partido Anarquista de Errico Malatesta que buscavam se inserir nas Lutas Sociais, criando junto a estas uma força política capaz de orientar a Luta Social aos objetivos Libertários.
Ou seja: um grupo de minoria ativa onde seus militantes tem o compromisso na atuação com os Movimentos Sociais.
2) O Anarquismo Social: Nasce com a intensa ação e propaganda Anarquista no Movimento Social, promovida pelos Grupos de Afinidade Anarquista ao longo do tempo, estes fizeram uma inquebrável pratica de Inserção Social junto a estes Movimentos.
Os exemplos históricos são as diversas organizações Sindicais de orientação Livre e Revolucionaria, os Movimentos Feministas, de Juventude, Ecologistas entre outros...
3) O Plataformismo: Nasce com a Revolução Russa em especial com a experiência Ucraniana, com os relatos de exílio de Mackno e Arckinov.
Os Plataformistas falam da importância da Auto-disciplina com a preparação dos Anarquistas para o Avanço das Lutas, onde será inevitável o confronto com a Reação Burguesa.
Ou seja os Plataformistas estam a falar do nível de segurança, onde as condições indiquem para a formação de um Exercito de Insurgentes.
4) O Sintetismo: Nasce com Sébastien Faure na França:
Os Sintetistas acreditam na criação de uma Federação Anarquista onde convirjam todos os diferentes Grupos Anarquistas inclusive os individualistas, no Objetivo de unir todos os diferentes grupos em torno da propaganda Anarquista.
5) O Autonomismo: Nasce nesta nossa atualidade não tem um pai especifico, mas reúne diversos grupos de matrizes ideológicas diferentes, não só de Anarquistas.
Os Autonomistas reivindicam a união pontual em momentos especificos.
Ao contrario dos Sintetistas, estes não propõem uma Federação de Grupos, somente a união pontual que respeite as diferenças ideológicas.
Vários grupos se reivindicam Autonomistas: Marxistas Heterodoxos (Conselhistas e Luxemburguistas), grupos de Contra – Cultura e Juventude, pequenos grupos de propaganda Anarquista com perfil cultural, Situacionistas entre outros...
A pró FASP converge com o Especifismo, pois acredita que este é a expressão do Anarquismo Organizado que une os Anarquistas em um grupo de minoria ativa e de afinidades capaz de resgatar o Vetor Social do Anarquismo ou seja o Anarquismo Social.
Mas diverge do Anarquismo Social daqueles que querem dar títulos de Anarco ao Sindicalismo, ao Ecologismo, ao Feminismo, aos Movimentos de Juventude e Contra - Cultura Punk entre anarco-ismos ... Se diferenciando com estes no debate sobre níveis e Frentes de Inserção Social.
O Especifismo converge com o debate dos Plataformistas, mas diverge no debate sobre níveis de Inserção Social, onde os Plataformistas dão maior peso ao debate do nível de segurança.
O Especifismo diverge com os Sintetistas em torno da Organicidade da Federação, onde os Sintetistas falam da convergência de grupos diferentes para com a Federação, o Especifismo fala de uma outra via onde a Federação Anarquista converge para o nível Social de Lutas junto aos Grupos Sociais e não destes só para com a Federação.
Diverge com isto o Especifismo com o Sintetismo na forma de união em torno da propaganda Anarquista proposta pelos Sintetistas. O Especifismo fala da propaganda em torno da ação Revolucionaria dos Anarquistas Inseridos Socialmente.
O Especifismo acredita que é possível estar junto numa mesma trincheira em momentos pontuais e específicos na propostas dos Autonomistas, mas não numa mesma Coluna, pela diversidade de grupos que se reivindicam Autonomistas contrários a unidade em torno do Organismo Federalista.
Mas defende o Especifismo a Autonomia dos Movimentos Sociais, diferente da proposta de uma união pontual chamada de Organização Anarquista como Autonomismo.
Esta pratica de discernimento em separar o joio do trigo é uma pratica da escola positivista, herança dos trabalhadores Franceses.
Para buscar esclarecer e encontrar o melhor discernimento da sabedoria do caminhar, nas analises de conjuntura por exemplo !
O pentagrama das organizações Anarquistas traz com sigo uma formula de analise que segue o seguinte critério:
1) O que ?
2) Quando ?
3) Como ?
4) Porque ?
5) onde ?
Estas 05 perguntas devem ser lidas no sentido horário para fazer sentido a ordem de acontecimentos históricos das organizações Anarquistas.
A pentagrama é em resumo o corpo humano e um método de construção de conhecimento, tendo por base o tempo e espaço histórico.
Um exemplo de aplicação do método de conhecimento do pentagrama com as organizações Anarquistas:
1) O Especifismo corresponde a resposta da 1º pergunta: - O que ?
Pois é a cabeça e a origem da organização especifica dos Anarquistas;
2) O Anarquismo Social é o punho esquerdo que erguemos como Símbolo de nossa Luta, o lado vermelho da Luta Social de nossa bandeira e corresponde a resposta da 2º pergunta: - Quando ?
3) O Plataformismo é o pé esquerdo da Cavalaria Pirata corresponde a resposta da 3º pergunta:
- Como ?
4) O Sintetismo é o pé direito, a eterna duvida e o descompasso de organização, que quer que todos convirjam a ela, corresponde a resposta da 4º pergunta: - Porque ?
5) O Autonomismo é a mão direita com maior agilidade e corresponde a resposta da 5º pergunta:
- onde ?
Com isto temos um raciocínio de conhecimentos em ordem histórica através de um método de conhecimento.
Por Eduardo Preto
Do núcleo pró FASP da Capital.
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
Princípios da Resistência Popular
Carta de Princípios da Resistência Popular
O sentimento que nos move
Vivemos num mundo extremamente injusto e desigual. Enquanto uma minoria tem toda riqueza nas mãos, a maioria vive na miséria e na pobreza e sem nenhum poder de decisão política.
A minoria é dona das fábricas, do grande comércio e dos bancos. São eles também os que governam e/ou bancam a eleição daqueles que desejam colocar no poder. Esta minoria dominante é uma classe: a burguesia. A maioria não é dona de nada, é obrigada a trabalhar em péssimas condições para sobreviver, caso contrário passa fome, não é dona de empresas, nem de bancos, quando muito tem sua casa simples, não está no poder, não disputa eleição e sofre com o governo da minoria. Essa grande maioria pertence ao conjunto das classes trabalhadoras, o povo pobre.
Para que essa maioria da população possa viver com dignidade, é preciso que haja a socialização integral, da riqueza produzida e das decisões políticas. Por isso as classes trabalhadoras da sociedade precisam se organizar e lutar, é preciso resistência popular.
Nossa história
A Resistência Popular é a coordenação solidária que agrupa diversas expressões do movimento social pautadas pelo caráter combativo e autônomo, pelos princípios da ação direta, classismo, solidariedade de classe, horizontalidade, democracia direta e protagonismo popular.
A Resistência Popular tem a intenção de impulsionar a construção de um movimento social unificado nacionalmente, com laços solidários internacionais que a longo prazo contribua para a edificação do socialismo , através da construção de um processo de avanço do poder popular e ruptura revolucionária. Por isso mesmo, mantemos relações solidárias com a Resistência Popular de vários estados do Brasil e com movimentos sociais latino-americanos de caráter autônomo e combativo.
Fundada em janeiro de 1999 na Grande São Paulo, a RP-SP segue na luta desde então, passando por várias etapas, sempre procurando estar presente nas várias expressões de luta de nossa classe e mantendo a coerência com os nossos propósitos.
Nossos Métodos e Posturas
Para chegar onde queremos não serve qualquer caminho. Temos uma forma de trabalhar que segue alguns princípios, coerentes com a nossa proposta de transformação social. São eles:
Ação Direta e Protagonismo Popular
Ação direta é quando as pessoas e os grupos decidem e agem diretamente em tudo aquilo que tem relação com suas vidas. A ação direta abre caminho para a maior participação e discussão possível, de todas as decisões e ações, impedindo assim que haja uma burocratização nos processos decisórios, ou seja, que intermediários queiram assumir o controle das decisões que dizem respeito ao povo. Desse modo a ação direta fortalece o protagonismo popular onde o povo pode e deve tomar as rédeas de seu destino.
Acreditamos que só há mudanças significativas quando o povo organizado se coloca em movimento. Sabemos que muitas vezes as ações dos políticos são devidas às pressões do povo ou quando querem ampliar sua margem de eleitores. Nós que fazendo parte da classe trabalhadora conhecemos os problemas pelos quais passamos, consideramos fundamental o trabalho no movimento social e popular, e por isso a Resistência Popular não participa de eleições, nem apóia vereadores, prefeitos, deputados.
Classismo e Solidariedade de classe
A sociedade capitalista em que vivemos produziu no decorrer de sua história classes antagônicas, uma que explora e governa retendo para si a riqueza de quase tudo o que se produz, e um conjunto de outras classes, em que se encontra a maioria da população, que quase sempre tem acesso somente ao mínimo necessário para sobreviver e não possui acesso significativo às decisões políticas.
Esta situação social é tensa, gera conflito, faz nascer o que se chama luta de classes. Tem momentos em que esta luta fica mais calma, em outros, mais tensa, mas ela vai permanecer existindo enquanto a sociedade for injusta e desigual. Por este motivo é de extrema importância para nós que seja definida de que lado se está nesta luta e que seja fortalecido a cada momento a solidariedade das classes trabalhadoras. Cabe lembrar, no entanto, que mesmo as pessoas que não pertençam às classes trabalhadoras podem fazer uma opção de classe, e se juntar a nós que buscamos uma sociedade mais justa e igualitária para todos.
A consciência e a afirmação de classe é uma condição necessária para que um dia não existam mais classes e nos vejamos apenas como parte de uma mesma humanidade.
Horizontalidade, Delegação e Democracia Direta
Para que haja a participação de um maior número de pessoas nas discussões e decisões, acreditamos que a melhor forma de se organizar é através da democracia direta, da horizontalidade e da delegação.
Ao contrário da democracia representativa burguesa, em que geralmente o máximo da participação popular é o ato de votar nas eleições, a democracia direta pressupõe que as decisões sejam tiradas de um coletivo formado pelo próprio povo, que discute, apresenta propostas e depois decide a melhor solução.
Sabemos, entretanto, que a democracia direta funciona somente em pequena escala, já que é impossível reunir uma multidão e garantir que todos tenham direito a voz e participação efetiva. Então o que se faz? Cada local se reúne e discute suas propostas e tira uma pessoa para levar estas propostas numa reunião, esta pessoa será um delegado. As propostas que os delegados representam são as do coletivo e não as suas opiniões pessoais. Isso diferencia claramente nosso método da democracia representativa burguesa, vigente na sociedade. Os delegados, se reúnem, discutem e tiram uma posição coletiva. Esse jeito de trabalhar chama-se delegação.
Uma vez que o maior número de pessoas participem das discussões e decisões, fica garantida a horizontalidade que busca que todos tenham o mesmo peso participativo.
Horizontalidade, democracia direta e delegação, juntos tornam viável a organização popular, mesmo em grande escala, ou seja, para cidades grandes, estados e até para um país. Esse método de se organizar nós praticamos e procuramos aplicar nos movimentos sociais onde atuamos.
Poder Popular e Orientações Revolucionárias
A sociedade em que vivemos, a capitalista, é baseada na exploração do trabalho das classes trabalhadoras. A ação organizada das classes trabalhadoras diante dessa exploração gera o que consideramos ser o poder popular, nos movimentos sociais. Diariamente o poder popular convive com o poder da burguesia, que sem dúvida no atual momento retém o poder econômico, político e social, sem falar no poder das leis que em sua maioria foram criadas para privilegiar a classe exploradora.
Sabemos que não se trata de uma tarefa fácil eliminar a exploração da burguesia e seus privilégios de séculos. Porém, acreditamos que somente o fortalecimento do poder popular pode levar a uma ruptura revolucionária, único meio, em nossa concepção, para que a classe trabalhadora possa ter em seu controle a distribuição das riquezas produzidas, da cultura, da educação, enfim, a conquista de uma vida plena e igualitária, que não produza parcela alguma de seres humanos explorados por outro ser humano.
Por isso, nossa orientação leva ao caminho da revolução, do socialismo. Sabemos que o caminho que escolhemos não apresenta soluções rápidas, fáceis, mas se trata de uma construção no dia a dia. Porém nos afastando de ilusões que levam somente a uma reforma do capitalismo. Estamos fortalecendo o poder popular e assim fazendo com que os verdadeiros sujeitos da revolução, nós, o povo, busquemos sempre a saída revolucionária, para construção de um mundo justo.
Como nos organizamos?
Acreditamos que a organização é fundamental para concentrarmos nossas forças e orientarmos nossas ações. Por isso compõem a Resistência Popular diferentes setores dos movimentos sociais. Nos organizamos nos sindicatos, escolas, universidades, locais de trabalho, moradia e movimentos populares.
Na Resistência Popular cada frente de atuação tem dinâmica própria e autonomia quanto à sua organização específica e bandeiras de luta, mas buscamos ter uma orientação comum que reúna as diversas lutas no caminho de um mesmo objetivo existindo o intercâmbio entre as diferentes frentes, o debate sobre as estratégias comuns e a coordenação de ações solidárias entre todos. A revolução social, deve estar presente em vários sujeitos sociais. Não basta estarmos organizados junto aos trabalhadores nos sindicatos, juntos aos estudantes nas escolas e universidades ou apenas nos movimentos populares. Só quando as diferentes lutas se unificarem num mesmo sentido, mesmo se originando de diversos pontos, poderemos visualizar que o nosso caminho está sendo seguido de forma eficaz.
Base de Acordo
1 - Caráter, Princípios e Objetivos
a) A Resistência Popular é um movimento social combativo e autônomo, que agrupa diferentes frentes de luta de militância social pautadas pelos princípios de ação direta, classismo, solidariedade de classe, horizontalidade, democracia direta e protagonismo popular.
b) A Resistência Popular tem como principal fundamento a ação direta das classes trabalhadoras para conquistar as reivindicações pelas quais luta e construir o poder popular, lutando para que os movimentos sociais sejam os protagonistas destas lutas.
d) A Resistência Popular trabalha para impulsionar a construção de um movimento social unificado nacionalmente e com laços solidários internacionais.
e) A Resistência Popular tem como objetivo de longo prazo, contribuir para a edificação do Socialismo (entendido como um processo de socialização integral onde a liberdade é fundamental), através da construção de um processo de avanço do poder popular e ruptura revolucionária.
2 – Composição
2.1 - A Resistência Popular é um movimento social com características próprias, mas que abrange diferentes frentes de militância social que tenham sua prática pautada por princípios e objetivos comuns.
2.2 - Podem compor a Resistência Popular:
a) entidades de base: grêmios estudantis, associações de moradores, sindicatos e/ou seções sindicais;
b) movimentos reivindicativos: movimentos de moradia, de sem-teto, de saúde, de educação, de negros, mulheres, juventude, catadores e recicladores, ecologia social etc.;
c) tendências: estudantis, sindicais etc.
d) núcleos: que atuem dentro de bairros, escolas, espaços de trabalho etc.
3 – Instâncias
3.1 – frentes: é a instância na qual se discute e encaminha as questões específicas de cada frente de atuação social, por exemplo: frente estudantil, frente sindical, frente comunitária etc.
3.2 - instâncias locais: são as reuniões regulares de cada entidade de base, movimento, tendência ou núcleo da Resistência Popular. Nestas instâncias se discutem e encaminham os problemas específicos de cada frente de militância social e se repassam os informes gerais do movimento.
3.3 - instâncias gerais: são as instâncias onde se fazem presentes todas as instâncias locais da Resistência Popular para discutir e decidir sobre os assuntos que dizem respeito ao conjunto da Resistência Popular, através das quais se coordena coletivamente as atuações locais do movimento. As instâncias gerais podem assumir várias formas orgânicas a depender das necessidades da conjuntura e do crescimento do movimento, sendo definidas através de outro documento.
4 - Método Decisório
O método decisório da Resistência Popular, é fiel ao princípio da democracia direta garantindo a unidade na ação. Todas as decisões serão tomadas por consenso, nos casos onde isso não ocorrer realiza-se votação por maioria. A posição da minoria deve ser registrada para avaliação posterior.
5 – Bandeira e Simbologia
A bandeira tem formato retangular, dividida ao meio na horizontal, com as cores vermelha em cima e negra embaixo. O nome Resistência Popular será escrito na parte superior da bandeira e o nome específico da frente ou instância de base na parte inferior da bandeira, ambos em letras brancas e em forma de arco, cujo centro está ocupado por um punho fechado que é o símbolo do movimento, apenas no caso da bandeira geral do movimento as letras não precisam ser em arco com Resistência sendo escrito na parte de cima da bandeira e Popular na parte de Baixo.
A RESISTÊNCIA POPULAR – SP foi fundada em 24 de janeiro de 1999, na cidade de Guarulhos, São Paulo. Esta Carta de Princípios e Base de Acordo foi atualizada na Plenária da RESISTÊNCIA POPULAR – SP em 28 de agosto de 2005, na cidade de São Paulo.
Quem Somos ?
O que é Resistência Popular?
A Resistência Popular é a coordenação solidária que agrupa diversas expressões do movimento social pautadas pelo caráter combativo e autônomo, pelos princípios da ação direta, classismo, solidariedade de classe, horizontalidade, democracia direta e protagonismo popular.A Resistência Popular tem a intenção de impulsionar a construção de um movimento social unificado nacionalmente, com laços solidários internacionais que a longo prazo contribua para a edificação do socialismo , através da construção de um processo de avanço do poder popular e ruptura revolucionária. Por isso mesmo, mantemos relações solidárias com a Resistência Popular de vários estados do Brasil e com movimentos sociais latino-americanos de caráter autônomo e combativo. Fundada em janeiro de 1999 na Grande São Paulo, a RP-SP segue na luta desde então, passando por várias etapas, sempre procurando estar presente nas várias expressões de luta de nossa classe e mantendo a coerência com os nossos propósitos.
O que é a JULI-RP?
A Juventude Libertária da Resistência Popular (JULI-RP) surge da necessidade de organização de militantes que participavam de diferentes grupos que compunham a RP, cujas formas de atuação e projetos eram semelhantes dentro do Movimento Estudantil. Sua construção vem sendo consolidada a cada dia, com a proposta de uma forma de organização dos estudantes autônoma, independente de grupos políticos organizados, tendo sua luta pautada sempre pelos princípios que norteiam toda a Resistência Popular.Para nós, o Movimento Estudantil só tem sentido se for entendido como um movimento social, também capaz de ser transformador da realidade. Acreditamos que a luta dos estudantes não deve ser isolada, mas unida a outras lutas, pois uma real mudança na educação só pode vir acompanhada de uma mudança em toda a sociedade. Propomos que os estudantes estejam organizados horizontalmente, se opondo à atual forma de organização do movimento estudantil, caracterizada pelo aparelhismo partidário e pela burocracia, que lhes usurpam o direito de participação direta nas discussões e lutas que envolvem a todos.
A Nossa concepção de Movimento Estudantil
Atuamos no Movimento Estudantil por acreditar em sua capacidade de potencialização das reivindicações da classe oprimida, através da difusão do conhecimento adquirido por meio da educação formal e da utilização das técnicas apreendidas na instituição de ensino, canalizando esse conhecimento para a luta. Acreditamos também, ser a militância um meio de formação de indivíduos críticos da realidade em que estão inseridos, podendo-se pensar nessa aproximação dos estudantes com as lutas pela emancipação popular como um processo contínuo de contestação da concepção de educação, de sua finalidade e de seu papel na sociedade.Nesse sentido, a partir de nossa concepção de movimento estudantil, extraímos o que de fato nos leva a atuar nessa frente: a busca pela consolidação de uma nova prática, que nos permita ir além dos muros que cercam grupos que atuam em diferentes frentes isoladamente, fazendo com que se articulem em torno de causas conjuntas. Por isso afirmamos que somos um movimento social.A idéia de que o movimento estudantil deve se pautar na luta de nosso povo é que nos faz acreditar que organizados podemos agir diretamente, em relação a tudo o que nos diz respeito, sem a mediação de "representantes", tendo como requisito fundamental a consciência de classe, em defesa de nossa classe explorada e uma orientação revolucionária, que nos permita fazer parte da construção de um poder do povo, de um poder popular.
O momento em que vivemos
Vivemos em um mundo em que vemos, por um lado novas tecnologias, novas formas de entretenimento, segurança e a renovação de ilusões (em proveito da classe dominante); por outro lado, a acentuação da miséria, dos conflitos e guerras, surgimento de novas formas de exploração, dominação, violência e de novas formas de luta da classe explorada. No Brasil isto ficou bem claro com as mudanças ocorridas nos anos noventa, época do dito período “democrático”, com o aumento da pobreza e dos conflitos sociais (movimentos por terra, moradia, transporte, etc.); nos últimos governos, principalmente o de Lula e do PT que para muitos era uma esperança e acabou por atacar os direitos dos trabalhadores com as Reformas Sindical e Trabalhista, e iniciar a destruição da Universidade Pública ("desvio de verba" para Universidades Particulares, garantindo um ensino precário, entre outras coisas). Todas essas medidas estão sendo geradas por um processo de globalização (executado por uma classe dominante) que atingem o mundo inteiro e é responsável também por guerras e conflitos, como no Haiti e no Iraque.
Os estudantes, sejam eles secundaristas ou universitários, se deparam no Brasil com a destruição do ensino público: falta de investimento, não atendimento de demandas básicas como professores e infra-estrutura, e péssimas formas de administração. Nesse sentido a Reforma Universitária vem para formalizar a mercantilização do ensino superior, deixando o tripé ensino-pesquisa-extensão entregue às leis de mercado e determinando uma disputa das universidades públicas com as universidades privadas pelos recursos estatais. Além disso, essa reforma possibilita a quebra da autonomia político-administrativa e acadêmica do ensino superior público, o que já pode ser visto em andamento nas parcerias público-privadas estabelecidas desde os anos 90 no Brasil. Em oposição à forma vigente de universidade (excludente às classes populares, hierarquizado, burocratizado e voltado para o mercado), o mesmo que a reforma universitária busca acentuar, propomos a construção de um outro modelo: a Universidade Popular.A luta contra a Reforma Universitária e a mobilização pelo Passe-Livre em várias cidades do país (uma reivindicação da juventude e dos trabalhadores desempregados, que visa a democratização do acesso à educação, à cultura, ao trabalho e ao lazer) iniciaram um novo processo de mobilização estudantil no ano de 2004. Diante desta situação, as respectivas burocracias das entidades representativas de universitários (UNE) e secundaristas (UBES) se encontram claramente desvinculadas das lutas travadas pelas bases estudantis, tomando posições abertamente conservadoras junto ao governo federal e constituindo um verdadeiro entrave ao movimento. Por esses motivos, tais entidades devem ser combatidas. Uma alternativa de luta
Para combater essa dominação burocrática e buscar uma alternativa democrática e popular no atual momento em que vivemos, a classe explorada deve se organizar de forma a assumir o curso dos eventos, determinando a sua direção e reforçando a sua autonomia. É daí que surge a necessidade dos movimentos sociais combativos e independentes como a Resistência Popular.
PRINCÍPIOS DA FEDERAÇÃO ANARQUISTA GAÚCHA
DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS APROVADA NO 3º CONGRESSO DA FAG
Outubro de 2000
APRESENTAÇÃO
A Federação Anarquista Gaúcha (FAG) foi fundada em 18 de novembro de 1995. É fruto de mais de uma década de militância libertária, na qual após o ressurgir do anarquismo no Brasil em meados de 1985, foram tentados diversos caminhos de atuação até um grupo de militantes optar pelo anarquismo especifista, isto é, por constituir uma organização política especificamente anarquista.
Este é um projeto também de construção de uma organização anarquista brasileira, onde outras federações e núcleos anarquistas coordenados projetem e apontem para isso. Este projeto se traduz na Coordenação Nacional do Anarquismo Especifista, que pretendemos impulsionar.
Em nível continental temos a intenção de construir uma Coordenação Anarquista Latino-Americana (CALA), com o objetivo de uma intervenção conjunta na realidade do Continente. Este projeto político ampliado (brasileiro/latino-americano) é a única via e garantia que pode nos permitir lutar por um processo revolucionário de longo prazo.
O PENSAMENTO POLÍTICO-IDEOLÓGICO DA ORGANIZAÇÃO
Esta Declaração de Princípios é uma síntese do pensamento e método de trabalho da força política organizada dos anarquistas gaúchos. Representa um esforço de atualização da ideologia anarquista às condições históricas concretas da luta das classes oprimidas e da sua vinculação com a identidade rebelde do povo gaúcho e dos povos brasileiros e latino-americanos.
Sabemos que a realização desses propósitos não é tarefa simples, requer sobretudo uma atividade crítica e reflexiva em torno das bases do pensamento e teoria anarquista visando sua inserção no processo de mudanças políticas e sócio-econômicas que se pretende para a América Latina. Há uma batalha que se trava cotidianamente, uma resistência física e cultural de bravos anônimos batizados de povo que se opõe à crueldade sistemática do capitalismo junto a qual queremos nos somar, como anarquistas mas também como povo que somos.
Para isso, procuramos instrumentalizar aqueles princípios libertários de maneira que possamos obter capacidade política para intervir e participar das distintas situações históricas que envolvem o movimento popular. Essa busca de laços orgânicos com o povo em luta é concretizada com uma dedicada militância de base e trabalho teórico sobre a realidade que orienta nossa intervenção anarquista. É também manifestação de uma dinâmica em que a ação política libertária se corresponde com o nível de consciência das classes oprimidas.
O atual modelo de dominação das elites já dá mostras de seu esgotamento ao encontrar cada vez mais resistência por parte dos oprimidos desse sistema. Com maior ou menor sentido de mudança se processam lutas reivindicativas da classe trabalhadora, expressões organizadas dos desempregados, o avanço da luta no campo, movimentos específicos que reúnem índios, negros, mulheres e temáticas da luta popular. Está em jogo novamente um horizonte, um caminho que aponte para libertação que está apenas no começo. Queremos estar junto nessa caminhada de uma forma cada vez mais profunda. Esperamos que essa Declaração de Princípios seja uma colaboração efetiva para a construção de um caminho de movimentos, lutas, avanços, conquistas e vitórias populares.
Vamos a ela, porque temos muito, muito para construir.
Não tá morto que peleia!
Viva a Anarquia!
FAG E A COORDENAÇÃO NACIONAL DO ANARQUISMO ESPECIFISTA
Para nós, a luta a nível nacional, num processo de construção que atinja - ou ao menos se esforce ao máximo para atingir - todo o país, é nossa única chance num largo prazo. Como anarquistas, somos partidários da organização política federativa. Entendemos que a melhor forma de construir uma Organização Anarquista para todo o Brasil, é através da construção e coordenação simultânea de organizações federativas a nível estadual-regional (como é o caso da FAG).
Não existe um Brasil, mas sim vários brasis que se encontram e muitas vezes se chocam. Vivemos em um país rico com seu povo condenado à fome, miséria e desespero. Reconhecemos e reivindicamos as diversidades locais e regionais mas estamos totalmente contra qualquer forma de separatismo.
Buscamos realizar uma luta popular e libertária que coordene as características regionais com os aspectos nacionais da classe oprimida brasileira. Assim, vemos como possível a construção de uma Organização política anarquista de intenção revolucionária atuando em todo o Brasil.
Sabemos que não é e nem será fácil. Estamos de acordo com o que dizia a parcela mais lúcida das organizações guerrilheiras dos anos 60: “no Brasil não existe fórmula pronta nem receita de bolo para fazer a revolução. Aqui tudo é muito complexo, a revolução brasileira tem de ser inventada!”
Alguns dos possíveis caminhos para esta “invenção” acreditamos que já podem ser indicados, pois são fruto do aprendizado histórico e das experiências concretas realizadas por nossa classe e povo durante 500 anos de luta. O papel das organizações políticas de intenção revolucionária é aprender e implementar estes caminhos. Esta luta tem como conseqüência abrir caminho em um longo prazo para um processo de revolução social brasileira.
A FAG E A COORDENAÇÃO ANARQUISTA LATINO-AMERICANA
Atuar de forma integrada na América Latina é proposta e intenção antiga por parte dos anarquistas. Desde o final do século XIX até os dias de hoje, nossa militância vem buscando formas de enfrentar o inimigo no Continente.
No nosso caso, a tarefa é dobrada, pois temos a missão de combater o inimigo de classe por dentro de sua potência regional sub-imperialista (o estado-nacional do Brasil). Desde os tempos da colônia passando pelo império e agora república, o papel das classes dominantes brasileiras em nível continental sempre foi o de contenção e ação contra-revolucionária. O último exemplo deste papel é o Brasil como motor de integração das economias capitalistas latino-americanas. Devido a dimensão de continente (não é exagero conceber este território como a América Brasileira), aqui operam outros impérios além do império norte-americano. Esta soma de estado-empresa-império fez do capitalismo brasileiro, promovido pela ditadura militar, recordista em crescimento econômico e desigualdades sociais.
Em nível continental, reproduziram-se diversas variantes deste modelo de crescimento, de equilíbrio na balança comercial, da função do estado como gerador de subsídios e infra-estrutura para o capital privado, da entrada de multinacionais de peso, do fator militar como garantia das mudanças dos rumos do sistema.
Agora é a vez do capitalismo neoliberal, flexibilização do trabalho regular, reajuste do sistema, contenção dos gastos públicos (incluindo os gastos sociais), aumento da competitividade, mais e mais vantagens oferecidas para o capital, menos e menos direitos para os trabalhadores e marginalizados.
Nesta etapa de desenvolvimento do sistema se faz necessária uma resposta adequada em todos os níveis da luta popular e ideológica, tentando com isso criar condições para uma resistência em larga escala, que pode vir a gerar um processo e uma situação revolucionária.
Outra função da Coordenação é tentar dar resposta ao inimigo também de forma integral. Isto faz de nossa luta libertária também luta anti-imperialista e solidária com os movimentos revolucionários latino-americanos. Combater o imperialismo norte-americano (atual polícia do mundo) e os outros imperialismos neste Continente, que o inimigo pensa ser seu quintal, é tarefa de todos os revolucionários. Queremos apoiar mutuamente as lutas populares latino-americanas através de nossas organizações coordenadas, participar nos processos revolucionários deste Continente, para termos a chance de conquistarmos nossa libertação como classe e povos irmanados.
A ORGANIZAÇÃO E A IDEOLOGIA
Anarquismo - Federalista e Internacionalista
O anarquismo é uma ideologia, matriz de pensamento e teoria revolucionária cuja razão de existir é a luta por uma profunda transformação da sociedade. Esta transformação social, resultante de um processo prolongado de luta de classes deve adquirir, segundo a nossa visão, o caráter prático de uma revolução socialista e libertária, com seu programa de propriedade coletiva dos meios de produção, de socialização completa dos bens, serviços, administração da justiça, organismos de defesa e da descentralização do poder político nas organizações de base dos trabalhadores e do povo. Acreditamos ser a luta revolucionária um processo de longo prazo, onde se atua em diferentes níveis de ação e situações históricas específicas que conformam sua maneira de organizar e expressar o conflito social no dia a dia.
Porém não podemos afirmar que essa é uma definição que encerra o conceito e a instrumentalização do anarquismo. Esse conjunto de idéias e aspirações de uma sociedade sem classes e sem estado, orientado por uma ética solidária baseada na liberdade e na justiça social tem expressões político-ideológicas (na qual nos incluímos), mas há outras mais. Há quem reivindique o anarquismo como uma filosofia de vida, estilo de comportamento, corrente do pensamento humano, práticas alternativas para o cotidiano, inspiração e formas artísticas e até mesmo uma visão da espiritualidade. Tudo isso também é anarquismo, com a devida noção de pluralidade que isto implica, pertencendo ao que se costuma chamar de Movimento Anarquista (MA), e numa forma mais ampla, Campo Libertário. Sendo que, o referido “movimento” embora chamado convencionalmente assim, na prática não age dessa forma, pois dentro deste amplo entendimento de anarquismo muitas vezes se toma caminhos diversos e até mesmo opostos.
A FAG não nega estes tipos de anarquismo. Reconhecemos as mais variadas formas de anarquismo, mas nos assumimos dentro da corrente organicista-especifista da ideologia. Resgatamos nossa história e reafirmamos nossos objetivos e razão mesma de existência, que é ser parte da construção de um caminho revolucionário para libertar nossa classe e povo.
Vendo o anarquismo a partir do ponto de vista militante, temos então um instrumento de luta revolucionária. Este instrumento tem uma rica história, da qual somos fruto e parte dela.
Podemos afirmar que nossa ideologia se vê fortalecida mundialmente a partir da Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada em 1864, a qual atuava basicamente nos países europeus.
Foi no seio da 1ª Internacional onde se identificaram duas correntes distintas, cada uma lutando à sua maneira pela emancipação da classe trabalhadora e o socialismo. Uma era a corrente autoritária-estatista (encabeçada por Marx e Engels), que pregava, entre outras coisas, a formação de partidos políticos da classe operária e, posteriormente, a tomada do poder do estado por estes partidos. A outra corrente é a ala federalista da 1ª Internacional, cujos objetivos são a emancipação da classe trabalhadora por via da ação direta revolucionária e a construção de um tipo de sociedade baseada na auto-organização dos trabalhadores na cidade e no campo. Isso, a partir da destruição do estado-nacional burguês e de sua classe dominante. A vitória da classe oprimida vem com a Revolução Social, se concretizando na autogestão da sociedade e na formação de um Poder Popular (não-estatal).
As mais distintas correntes socialistas sempre tiveram sérias polêmicas e divergências conosco. Experiências históricas provaram o que nossos companheiros já diziam na metade do século XIX. Em suas polêmicas com Marx, Bakunin já alertava: “Os marxistas pretendem que somente a ditadura, evidentemente a sua, pode criar a liberdade do povo; a isso respondemos que nenhuma ditadura pode criar a liberdade do povo; a isso respondemos que nenhuma ditadura pode ter outra finalidade senão a de durar o máximo possível, que é apenas capaz de gerar a escravidão no povo e de educá-lo nesta escravidão; a liberdade só pode ser criada pela liberdade, isto é, pelo levante do povo inteiro e pela livre organização das massas trabalhadoras de baixo para cima.” E ainda na crítica à concepção estatista: “(...) conforme a teoria do Sr. Marx o povo não apenas deve destruir o Estado, como, ao contrário, deve consolidá-lo, torná-lo ainda mais forte e, sob esta forma, colocá-lo à disposição de seus benf
eitores, de seus tutores e de seus educadores, os chefes do partido comunista, em suma à disposição do Sr. Marx e de seus amigos, que começarão a libertá-lo à sua moda. Tomarão nas mãos as rédeas do governo, porque o povo, ignorante, necessita de uma boa tutela; criarão um banco de Estado único que concentrará em suas mãos a totalidade do comércio, da indústria, da agricultura e até da produção científica, enquanto a massa do povo será dividida em dois exércitos: o exército industrial e o exército agrícola, sob o comando direto dos engenheiros do Estado, que formarão uma nova casta sábio-política privilegiada.”
O desenrolar dos regimes de capitalismo de estado (também chamados de “socialismo real”) é a mais séria prova que não pode haver socialismo sem liberdade e que onde houver um estado haverá uma sociedade dividida em classes. É também prova de que nenhuma classe dominante se auto-destrói, e por isso temos que destrui-la, e nenhum estado pode ser uma etapa para chegar ao socialismo. Os estados são reprodutores de diversos privilégios e funcionam com uma lógica de coação, servindo ainda como uma forma de frear e iludir os trabalhadores e oprimidos para não alcançarem seus objetivos caminhando com as próprias pernas.
Por lutar rumo a uma outra forma de vida em sociedade, o anarquismo se define como federalista e internacionalista.
Historicamente o anarquismo se opõe ao capitalismo e ao estado, que é seu organizador político por excelência. Propõe o federalismo como estrutura contestadora da lógica centralizadora e como ferramenta necessária para a articulação das liberdades políticas sem prejuízos autoritários. O federalismo está pensado como uma forma político-econômico-social para organizar todo o funcionamento da sociedade humana. Também como uma forma de funcionamento de organizações políticas, movimentos populares, entidades de base e todo o processo de ruptura e de reconstrução rumo ao socialismo. Lutamos para criar estruturas federativas revolucionárias capazes de derrotar e substituir o sistema capitalista e seu modo de produção e dominação.
Por entender que a luta contra os opressores e seu sistema capitalista ultrapassa as fronteiras (criadas pelo inimigo de classe comum a todos os oprimidos), o anarquismo entende a luta de classes como internacional, respeitando as características, identidades e processos de cada povo e região.
Estas linhas básicas foram formuladas nos embates, discussões, e também na ação direta, durante a 1ª Internacional. Logo ganham certa força nos países mais pobres da Europa, alcançando depois diversas outras partes do mundo, como em nossa América Latina.
De todo este processo foi gerada uma ideologia revolucionária capaz de aglutinar diversos povos em luta, um conjunto de idéias e ações protagonista de episódios da história quando os trabalhadores e oprimidos tomaram suas vidas e destinos nas próprias mãos.
Podemos dar como exemplos mais fortes disto dois episódios:
A Revolução Russa (1917-1921)
Um longo processo de luta levou a um momento de crise e ruptura da Rússia czarista. Como forma de luta de classes os soviets (conselhos de operários, camponeses e soldados) criaram uma estrutura de Poder Popular (o lema “Todo poder aos soviets!” era, de fato, um lema libertarizante) que foi depois manipulada e dominada pelo partido bolchevique. Apesar disso, a estrutura original dos soviets se manteve e se desenvolveu em algumas regiões. Foi o que aconteceu na Ucrânia, quando nossos companheiros organizaram o Exército Insurrecional dos Camponeses da Ucrânia. No meio de uma guerra revolucionária contra o exército branco e depois obrigados a combater contra o exército vermelho, o povo em armas autogestionou uma economia com milhares de camponeses e operários. Outro importante momento em que os conselhos populares (soviets) protagonizaram a luta dos trabalhadores russos foi na Revolta do Kronstadt. Os marinheiros de Kronstadt, identificados com os mais profundos interesses da cl
asse trabalhadora, entraram em conflito com o estado bolchevique. Resistiram até o último combatente contra a repressão do exército vermelho, já então integrado por ex-oficiais, mercenários e cossacos do czar (imperador), todos dirigidos pelo partido bolchevique.
Anos depois, Nestor Mackhno, Piotr Archinov e outros combatentes anarquistas da Revolução Russa elaboraram um importante documento denominado “Plataforma”, que fazia uma avaliação da atuação dos anarquistas neste processo. Neste documento eles avaliam que um dos fatores que impediu que os anarquistas tivessem uma ação mais incisiva para combater os desvios autoritários tomados posteriormente foi justamente a inexistência de uma organização política anarquista na Rússia, que propusesse um outro projeto para os rumos da revolução que não os traçados pelos bolcheviques. Este documento é uma das mais importantes fontes do anarquismo especifista, que também ficou conhecido como anarquismo plataformista.
A Revolução Espanhola (1936-1939)
Após uma trajetória de quase três décadas de lutas operárias ininterruptas, atuando sempre com uma metodologia de ação direta, de forma clandestina ou pública, a Confederação Nacional do Trabalho/Federação Anarquista Ibérica (CNT/FAI) levantou-se em armas contra o fascismo. Simultaneamente, fez a guerra contra o franquismo apoiado pelas potências do eixo nazi-fascista e também foi processando a revolução social. Em muitas zonas, o processo revolucionário espanhol gerou a mais impressionante coletivização e autogestão de campos e fábricas da história da humanidade. As milícias libertárias (operárias-camponesas-juvenis-internacionais) combatiam por uma economia e sociedade controlada e gerida pelos próprios trabalhadores, do campo e da cidade, através de seus sindicatos e entidades de base. Também se provou, outra vez mais, que é possível fazer a luta armada sem militarizar, produzir sem patrão nem hierarquia e funcionar a sociedade sem estado - tudo isso sendo efetivado com
maior planejamento e eficiência. Devido à supremacia bélica dos fascistas, a não-intervenção das democracias capitalistas ocidentais, a traição dos comunistas e também por nossas insuficiências, entre elas a falta de uma definição adequada do poder no projeto político libertário, os trabalhadores espanhóis e do mundo inteiro foram derrotados na revolução mais avançada de sua história.
O anarquismo mundialmente perdeu força após sua derrota na Espanha. Recobrou um pouco de sua versatilidade, tendo um novo discurso, com os ventos do maio de 1968 (embora ainda longe da força e do classismo libertário). Na desilusão com o dito “socialismo real”(capitalismo de estado) e a partir de metade da década de 1980, o anarquismo ressurge em algumas lutas socialistas e populares. A queda do muro de Berlim e do bloco soviético reforça nossos argumentos de que não existe socialismo sem liberdade.
É verdade também que ainda estamos bem longe da inserção que tínhamos até as três primeiras décadas do século XX. Nesses tempos, nossos companheiros protagonizaram as lutas do proletariado em muitas partes do mundo. Mas em distintos países o anarquismo, mesmo que de forma tímida em muitos lugares, busca constantemente ocupar de volta sua função de ser uma opção real e viável, como método e caminho para a libertação popular.
TRAJETÓRIA DE UM POVO EM LUTA
A Ideologia na América Latina
A ideologia anarquista, por ser uma ferramenta de trabalho e construção revolucionária, pertence ao povo em luta. Vem daí nossa melhor história e tradição, tanto no Rio Grande do Sul, como no Brasil e na América Latina.
O anarquismo nesse pedaço do mundo tem uma longa e forte trajetória. Em todos os países latino-americanos, a imensa maioria dos sindicatos - as primeiras organizações dos trabalhadores - foram formados com o suor e o sangue de nossos companheiros. Este sangue e suor dos operários que tombaram nos dois massacres de Santa Maria de Iquique (Chile), no massacre da Patagônia Rebelde (Argentina), e de inúmeras lutas e esperanças em cada canto de nosso Continente é para nós sagrado.
Houve movimentos de massas trabalhadoras, protagonizados por militantes anarquistas, na maioria dos países latino-americanos. As grandes conquistas de nossa classe, em especial da classe operária, foram fruto do esforço e dedicação de nossos companheiros e companheiras que muitas vezes entregaram suas vidas pela classe e ideologia de que somos parte.
Na Revolução Mexicana (1910-1917), a luta camponesa com orientação libertária transformou-se em guerra revolucionária. Por “Terra e Liberdade” os indígenas, mestiços, camponeses, operários e todos os oprimidos mexicanos lutaram até as últimas conseqüências. Se levantaram em armas contra uma elite que lhes oprimia e oprime desde 1500 até hoje. Em todo esse processo revolucionário, uma organização anarquista foi um de seus fermentos na ideologia e na ação. O Partido Liberal Mexicano –que inicialmente tinha uma orientação liberal-radical, depois se torna anarquista mas manteve o nome anterior - e seus militantes atuaram por mais de duas décadas, antes e durante a luta revolucionária, pela conquista das terras coletivizadas, pela libertação indígena, camponesa e operária e para formar um Poder Popular para derrotar o estado e a classe dominante. São esses mesmos gritos, essa mesma ação direta que hoje vemos no México em diferentes expressões.
Ricardo e Henrique Flores Magón, Práxedes Guerrero e milhares de outros companheiros e companheiras anarquistas se dedicaram de corpo e alma pela mais justa das causas. Estas sementes, mesmo depois de mais de 70 anos de revolução traída, continuam e sempre continuarão dando frutos.
Outro exemplo de anarquismo e povo em luta vem do vizinho Uruguai, a antiga Banda Oriental. Do povo hermano que vive um pouco mais ao Sul, vem uma tradição de luta libertária ininterrupta desde 1870. Sua expressão mais forte foi nos anos 60 e 70, quando a Federação Anarquista Uruguaia (FAU, fundada em 1956 e hoje nossa co-irmã) enfrentou o estado, a oligarquia e o imperialismo. Colocada na clandestinidade em dezembro de 1967, a FAU através de seu braço de massas (a Resistência Operário Estudantil - ROE) e de seu braço armado (a Organização Popular Revolucionária 33 orientais - OPR-33) promoveu a luta de classes e a ação direta em todos os níveis. Inúmeras passeatas estudantis, ocupações de fábricas (1/3 do movimento operário era de influência libertária), levantes e apoios nos bairros proletários. Na resposta ao golpe militar no Uruguai (junho de 1973), a maior greve geral da história desse país, com ocupações em todas as fábricas por mais de 15 dias.
Durante toda sua luta revolucionária a guerrilha urbana anarquista agia para aprofundar o processo global de transformação e para apoiar o movimento operário e popular (onde estavam profundamente inseridos) com ações como: expropriações bancárias, sabotagens, propaganda armada e seqüestros de patrões e outros inimigos de classe.
Depois do golpe no Uruguai, por três anos a FAU resistiu aos militares, operando desde a Argentina. Até que o golpe militar também naquele país (maio de 1976), e o posterior assassinato de dezenas dos militantes anarquistas mais experientes, impediu esta Organização de atuar organicamente por quase uma década. Mas ela se reproduziu em gente nova que foi assumindo a luta contra a ditadura uruguaia (1973-1985) a partir de 1980. Com os militantes que saem da prisão, que voltam do exílio e aqueles/as jovens que assumiram a luta libertária nos últimos anos da ditadura, a FAU se recontrói em 1985. Hoje é parte viva e ativa das lutas populares uruguaias e do anarquismo no Continente.
Os dois referentes mais importantes de organizações especifistas-anarquistas-revolucionárias na América Latina estão nas organizações acima mencionadas: o Partido Liberal Mexicano (PLM) e a Federação Anarquista Uruguaia (FAU).
A influência anarquista na América Latina também gerou uma identidade de combate. Desde o século XIX é identificada a resistência popular com as cores negra e vermelha. Devido a essas influências, as guerrilhas latino-americanas e outros movimentos políticos e populares seguem utilizando nossas cores até os dias de hoje.
No Brasil, o anarquismo chegou na metade do século XIX (sua primeira aparição histórica foi durante a Revolução Praieira, 1848, em Pernambuco; através da corrente mutualista). Junto com os operários imigrantes, a partir da década de 1890, ganhou força real, atuando com sentido classista e revolucionário. Até 1930 fomos hegemônicos no movimento dos trabalhadores urbanos. De 1930 a 1937, disputamos palmo a palmo contra o bloco amarelo-comunista-trabalhista o protagonismo das lutas operárias e urbanas.
A classe trabalhadora brasileira conseguiu suas conquistas históricas lutando com a bandeira e a ética libertária. As mesmas conquistas que hoje tentam nos tirar (as 8 horas de trabalho, o respeito aos direitos do trabalhador, o salário mínimo e a cesta básica, etc.) vieram do suor e do sangue dos trabalhadores em inúmeras lutas, nas greves gerais de 1917, na tentativa de insurreição no Rio de Janeiro em 1918, nos enfrentamentos contra a patronal e a repressão, na luta e organização das Federações Operárias estaduais e da Confederação Operária Brasileira (COB, com seus congressos em 1906, 1913 e 1920). Toda uma cultura operária e anarquista era combustível moral e militante para a luta de classes libertária, de forma que além da atuação sindical se constituíram escolas libertárias, centros de cultura, teatro social, coletivos feministas e inúmeros jornais operários.
Entre as medidas repressivas que incidiam frontalmente contra as atividades militantes dos anarquistas se inclui a criação de uma colônia penal na Clevelândia (Oiapoque), em plena floresta amazônica, entre os anos de 1924-27. Para lá eram mandados acusados de crimes comuns, meninos de rua e presos políticos, em sua maioria anarquistas. Lá, em condições precárias, os prisioneiros que não lograssem fugir logo morriam vítimas da malária. Entre os mártires da Clevelândia se encontram militantes do movimento operário gaúcho, como Nino Martins.
Assassinatos, deportações, torturas e desaparições já eram práticas comuns do governo em relação aos militantes de esquerda.
O anarquismo a partir do golpe do Estado Novo (1937), quando foram fechados os sindicatos livres e toda a ideologia condenada a clandestinidade, sofreu a maior derrota de sua história no Brasil. É verdade também que algumas limitações, tais como falta de uma análise da conjuntura que se desenhava, nos impediram de buscar uma forma de organização para militarmos nas condições adversas que o inimigo nos impôs. Depois, de 1945 até o golpe militar de 1964 o anarquismo perde sua força de outrora mas ainda assim mantêm militância em alguns sindicatos e desenvolve trabalho cultural e de propaganda. A partir de 1985 veio o ressurgimento em maior escala de nossa ideologia. Após mais de uma década de diversas tentativas, uma parte dos anarquistas (a qual nos incluímos) tenta abrir o caminho libertário junto das lutas de nossa classe e povo.
História das Lutas do Povo Gaúcho
No Rio Grande do Sul, como em todas as partes da América Latina, entendemos nossa ideologia como parte dos 500 anos de resistência.
A história das lutas populares neste pedaço do Brasil começa com as lanças charruas, minuanas e de tantos outros povos indígenas, erguidas contra os conquistadores portugueses e castelhanos. Sentimos na própria veia tamanho sangue derramado pela ganância dos impérios mercantilistas. Mas também sentimos na alma a dignidade dos primeiros povos gaúchos, que domesticaram o cavalo trazido pelo invasor e sobre ele montados pelearam até o último combatente.
Quando Portugal e Espanha entraram em acordo sobre a possessão destas terras, seus filhos se levantaram em armas outra vez. Livrando-se da tutela colonialista, as Missões Guaranis enfrentaram as potências da época. Uma guerra de libertação foi travada, e o povo trabalhador guarani - que vivia de cultivar a terra e de manufaturas -, largou da enxada, arado, martelo, entalhadeiras e forno de barro e ergueu a lança missioneira contra o invasor. Sepé Tiaraju, Nicolau Languiru e milhares de outros anônimos combatentes escreveram a história com o sangue e a alma dos filhos da terra em luta.
O Continente de Rio Grande de São Pedro foi colonizado como fronteira viva, por latifundiários-militares, peões-soldados e trabalhadores escravos. A rebeldia dos descendentes de charruas, guaranis das missões e mestiços gerou a cultura gaudéria numa terra antes sem cerca nem fronteira. É esta mesma cultura e espírito de liberdade que reivindicamos, que cultivamos como semente da luta popular cotidiana das pessoas simples que não abaixam a cabeça para os poderosos.
As guerras da colônia, depois província do Império, contra o território hermano da Banda Oriental (Uruguai) e contra as províncias argentinas vizinhas, levou a um povo da mesma cultura (apenas sotaque diferente) a guerrear entre si por interesses de latifundiários, impérios, comerciantes, ditadores e caudilhos.
Também uma série de conflitos entre os partidos das oligarquias gaúchas cansou de atirar povo contra povo quando havia necessidade. Pela “cor de um lenço”, mas não pelas terras para serem compartidas, a gauchada se matou a mando dos fazendeiros até o princípio da década de 1930.
Os trabalhadores negros escravizados nas charqueadas, olarias e estâncias conquistaram sua liberdade campo afora, ou em armas (mesmo quando enganados), nas mais diversas ocasiões (como durante a Guerra dos Farrapos). É esta mesma liberdade que tem de ser conquistada todos os dias. De forma consciente ou espontânea, por instinto de sobrevivência e dignidade, o povo negro daqui resiste. A cultura da etnia afro-brasileira, todos os dias é marginalizada ou manipulada. No cotidiano de milhões de negros e negras, está o enfrentamento e a peleia contra uma elite racista que manda no Rio Grande do Sul.
Os camponeses imigrantes chegaram aqui e foram trabalhar na lavoura ou criaram minifúndios. Ao contrário da maioria dos descendentes de imigrantes, seguem pertencendo a sua classe de origem e seguem sendo trabalhadores rurais. É dessa cultura e luta de classe que tem origem o MST.
Com a chegada de uma leva maior de operários imigrantes, veio junto a ideologia anarquista, e uma capacidade nunca antes vista de organizar os trabalhadores e oprimidos.
Este estado viu crescer uma das maiores lutas do proletariado brasileiro desde 1870, quando os comerciários foram os primeiros a se organizar, até tomar forma, corpo e conteúdo organizado. A primeira vez que se parou num 1º de maio neste estado foi em Porto Alegre, em 1892. Já nessa ocasião, a classe operária se reuniu na Praça da Alfândega, prestando homenagem aos mártires anarquistas e participando do ato promovido por nossos companheiros.
Com a Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS) presente em quase todo o estado, a luta de classes cresce de maneira impressionante. São operários gráficos, pedreiros, marceneiros, carpinteiros, professores, têxteis, garçons, da construção civil, ferroviários, metalúrgicos, condutores, vidreiros, comerciários e diversas outras categorias que se organizam. Os sindicatos são revolucionários e de orientação anarquista. O maior momento foi em 1917, quando uma série de greves radicalizadas levou à greve geral em Porto Alegre. Esta greve, de tão profunda, ganhou o nome de “Guerra dos Braços Cruzados”. A classe organizada ganhou as ruas, ocupou e tomou os meios de produção e expulsou a Brigada Militar na base da dinamite! Durante este conflito, os militantes anarquistas foram a principal influência na Liga de Defesa Popular (LDP), comitê operário que orientou e dinamizou a greve geral vitoriosa.
Sabendo que somos fruto e parte desta história, modestamente, mas com firmeza, queremos ocupar nosso lugar nas lutas dos povos gaúcho, brasileiros e latino-americanos. Fazemos nosso o sangue e a esperança índia, negra, dos gaúchos livres e dos trabalhadores imigrantes. Esperança também que está nos sentimentos da gurizada das vilas, cujo destino é uma incógnita e o futuro é o dia de hoje e quem sabe, o de amanhã.
Parte desta luta já tem um caminho apontado, pois plantando a justiça no chão ocupado e semeado, os Trabalhadores Rurais Sem-Terra provam na prática que a luta é a única saída. Os companheiros e companheiras camponeses que tombaram em diversos enfrentamentos, como em Anoni e em Santa Elmira, não caíram em vão. Da dor de nossa gente que tombou pela mesma causa tiramos a energia e a vontade de superar os problemas e as dificuldades para seguir lutando.
Hoje em dia a responsabilidade de todos os militantes populares é imensa. Vivemos uma época difícil, de pouca esperança em um destino diferente, de enfraquecimento das lutas populares. Como os primeiros militantes anarquistas da época da FORGS, estamos de corpo e alma para sermos uma semente a mais na caminhada, luta e libertação de nossa classe e povo.
Esta é a nossa história. Este é o nosso compromisso.
PRINCÍPIOS PARA A AÇÃO REVOLUCIONÁRIA
Ética & Valores
Compreendemos a luta pelo socialismo como um movimento político-social com fundamento ético, ao contrário de outras correntes socialistas e mesmo de alguns teóricos do anarquismo que tentaram justificar suas idéias e aspirações de uma nova sociedade com o apoio da ciência e da filosofia cientificista predominante em sua época.
Todos os coletivos humanos são regidos por uma série de códigos de valores e normas de conduta, um conjunto de posturas e posições que se costuma chamar de ética. Não existe só uma ética mas várias que se expressam conforme o que se crê melhor em um momento dado e suas circunstâncias.
Um sistema baseado na exploração e dominação, na competitividade entre os semelhantes, com uma força de repressão e controle social a serviço de suas classes dominantes não pode ter outra ética a não ser aquela que conserva e reproduz o seu poder. Difundir o individualismo, o desrespeito à vida humana e ao meio ambiente, acreditar e praticar o “princípio” de que tudo tem seu preço, comprar o que for preciso e matar ou mandar matar quem não quiser se vender: essa é a ética capitalista, e nesse sentido, as elites brasileiras são profundamente “éticas e coerentes”.
Por ser essa a ética do sistema, ela não está representada apenas no comportamento de uma classe social (no caso a que está em posição de dominação) mas difusa em toda sociedade como um eficiente mecanismo de poder. Assim a consciência de classe e as distintas expressões da cultura popular são combatidas e entorpecidas pelo egoísmo e outros valores da cultura de mercado capitalista.
Queremos gerar uma outra ética para as classes oprimidas. A luta pelo socialismo e a liberdade necessitam de um código de valores, conduta, comportamento e vida coletiva profundamente solidários. De pouco adiantam as teorias mecânicas do socialismo que diziam que os trabalhadores que perseguem seus interesses de classe se encaminham ao destino revolucionário quando estamos diante de operários, camponeses sem terra, trabalhadores precarizados e um amplo setor de marginalizados que reclamam pelas mais variadas necessidades. Em meio a um complexo universo de interesses e reivindicações específicas que confluem na luta de classes só a incorporação de valores e aspirações, sentimentos de coletividade e de convivência comum podem desenvolver uma vontade de transformação estrutural da sociedade.
O socialismo tem valores profundamente humanos, ecológicos e solidários. Também tem um senso de justiça social e de dignidade. Por mais difícil que sejam os tempos em que vivemos, com a maior parte do povo identificando suas necessidades com “sonhos de consumo” inventados pelos meios de comunicação, a única garantia de prosseguir lutando é a nossa firmeza na busca de um ética socialista e libertária.
Para nós a luta revolucionária é um processo contínuo, portanto em grande parte afirmamos que “os meios determinam os fins”. Por isso a importância de semearmos ideais de uma sociedade livre e igualitária em cada conquista das lutas populares, forjando a ética e os valores anticapitalistas.
Liberdade Responsável
O conceito e a prática da liberdade é um dos principais pilares do anarquismo. Todo mecanismo social que desata um poder repressivo e/ou inibidor das condições de desenvolvimento do instinto de criatividade das pessoas encontra firme oposição nos anarquistas, mesmo que com razões às vezes bem distintas.
Como advertia Bakunin, a liberdade é uma grande meta que no entanto precisa de uma boa definição para não dar margens a equívocos. A militância histórica do anarquismo, desde seus primórdios na metade do século XIX travou intensa luta teórica e prática por um lado contra as idéias liberais influentes nos movimentos revolucionários de corte nacionalista burguês e contra o totalitarismo embutido nas doutrinas socialistas que rejeitavam a liberdade como conteúdo do seu projeto. Por outro lado, tratou de contestar as concepções fantasiosas que havia no próprio movimento libertário e que se apoiavam no direito abstrato de agir como bem se entende sem o menor sentido de responsabilidade social.
No nosso entender a liberdade deve ser real, deve ser o poder de realização das faculdades humanas em condições que lhe permitem viver e agir sem submeter-se à vontade dos outros. Isso implica na mais completa igualdade em todos os níveis da vida social, ou seja, possibilidades iguais que socializem o acesso às ferramentas de trabalho, às riquezas, à instrução e todas as necessidades vitais do povo. Portanto, acreditamos na “liberdade íntegra e completa para cada um, igual, não somente em direitos, mas também quanto aos meios de sua realização para todos”.(Bakunin)
A nós sempre causou desacordo as receitas de igualitarismo social fabricadas pelas doutrinas que animaram as experiências socialistas que conhecemos. As noções de liberdade como prejuízo burguês, do Estado como instrumento de emancipação dos trabalhadores, de uma máquina partidária uniformizadora e vigilante das opiniões são elementos que não merecem mais do que o rechaço da história. Esse socialismo autoritário foi incapaz de construir uma sociedade mais justa e humana porque privou os trabalhadores da liberdade, da participação direta nos destinos da revolução, retirando assim toda sua potencialidade criativa em nome de uma vontade onipotente que dizia interpretar cientificamente seus interesses.
Para o anarquismo a liberdade está posta como finalidade e também como instrumento de mudanças no presente, mas vale lembrar que a liberdade a que se refere não é aquela oferecida pelo capitalismo, que está simbolizada na democracia liberal, na propriedade privada e na liberalização do mercado. O capitalismo só admite uma liberdade: a de suas classes dominantes. Mas para estas a liberdade é necessariamente individualista e fundada na exploração dos trabalhadores e na dominação política da maioria do povo, mecanismo que em condições de desigualdade social se traduz no privilégio de uns poucos erguido sobre a miséria e a ignorância de muitos.
“A liberdade sem o socialismo é a injustiça, o privilégio; o socialismo sem a liberdade é a escravidão, a brutalidade”, tal é a máxima do pensamento libertário.
Para as teorias do liberalismo, a liberdade individual é sempre ameaçada pela do outro e deve ser protegida assim como uma propriedade particular. Segundo estas teorias, o ser humano nasce livre e cede parte de sua liberdade para viver em sociedade. Uma liberdades se opõe a outra, ganha intensidade com a fraqueza das demais, as identifica como inimigas, concorrentes, “ladras” de sua condição de força. Nada mais falso...
Como anarquistas acreditamos que a sociedade longe de ser um obstáculo confirma a liberdade das pessoas como uma força que anima suas faculdades. Assim, não há ato livre no isolamento, fora das relações sociais, sem apoio na coletividade. A solidariedade, a ajuda mútua e a cooperação são as condições indispensáveis para o exercício da liberdade socialista e é uma falsa polêmica opor indivíduo e sociedade, uma vez que a sua realização individual só ocorre socialmente. A verdadeira oposição que existe está entre os que desejam realizar sua liberdade individual às custas da sociedade - individualismo – e aqueles que pretendem realizá-la em solidariedade com os demais.
Concebemos a liberdade não só como finalidade mas como meio, não só como objetivo da revolução mas como método necessário para sua concretização. Somos anarquistas nos propósitos assim como o somos no método.
A liberdade a qual nos referimos representa também a possibilidade do exercício de uma vontade consciente que se instrumentaliza nas lutas do presente, de uma força criadora que rompe a cadeia das fatalidades naturais e se expressa no protagonismo popular como motor da história.
O instrumento da liberdade responsável aplicado na luta popular organizada e seus métodos de funcionamento significa pluralidade de opinião, democracia direta e federalismo. Todos tem o direito e também o dever de exercer sua liberdade de participação e questionamento, bem como tomar as responsabilidades por suas atitudes. Essa liberdade de agir e participar da tomada de decisões fundamentais caracteriza uma metodologia libertária comprometida com um processo coletivo de libertação das classes oprimidas que garanta o mais amplo e responsável desenvolvimento das liberdades individuais.
Autogestão
Por afirmar a autogestão como princípio que expressa as novas relações sociais resultantes do socialismo somos partidários de uma crítica áspera ao controle das decisões exercido por interesses privados ou através de estruturas burocráticas.
A sociedade socialista, no nosso ponto de vista, tem que significar para os trabalhadores não somente a satisfação de suas necessidades materiais, mas a possibilidade concreta de tomada de controle das decisões e gestão direta dos meios socializados de sobrevivência com a mais ampla participação popular nos locais de trabalho, estudo, bairros, vilas e associações culturais do mais simples ao complexo.
Os anarquistas sempre defenderam as concepções de autogestão e se debatem frontalmente com as correntes socialistas que a postergam para a última etapa da luta social, com a instauração da sociedade comunista. Segundo esse socialismo classificado de autoritário por suas pretensões, o processo revolucionário deve necessariamente consolidar suas conquistas e preparar o povo para um novo modelo de convivência social a partir da concentração de poder político nas instituições do Estado. Essa fórmula foi definida por ditadura do proletariado e estava fundada ainda na existência de uma vanguarda intelectual que fosse capaz de assumir o governo do Estado identificada absolutamente com os interesses da classe trabalhadora.
A história nos brinda exemplos dramáticos de quando a energia e a imaginação revolucionária dos trabalhadores apoderados dos campos e das fábricas, das escolas e rádios foram assaltados por interesses de governo Em outras palavras: quando o poder exercido pelas organizações operárias e populares foi aos poucos absorvido pela classe técnico-burocrática instalada na administração do Estado.
Consideramos tão desumanizadora quanto a alienação que separa o trabalhador do resultado do seu trabalho a alienação do ser humano da sua vontade, da dimensão política da decisão.
Como esclarece Luigi Fabbri: “Os anarquistas admitem também – e como poderiam deixar de fazê-lo? – a necessidade de uma administração dos interesses sociais comuns; mas não dão a essa administração um caráter estatal, quer dizer, não dão aos administradores os meios e a faculdade de impor sua própria vontade, senão que somente lhes atribuem uma função executiva.” A heterogestão imposta pelo monopólio estatal do poder político além de um produto das classes dominantes é um produtor de classes dominantes.
Portanto, a autogestão para nós é um projeto de construção de autonomias individuais e coletivas que rompe com a alienação proveniente da dominação capitalista através da prática social e histórica de apropriação coletiva da economia pelos trabalhadores e da democratização do controle das decisões.
Não acreditamos numa autogestão econômica plena dentro do capitalismo e cremos menos ainda que modos de produção convivendo e comercializando com a exploração capitalista possam ser uma saída popular profunda. Contudo não descartamos que em determinadas circunstâncias unidades produtivas geridas pelos próprias trabalhadores pode se transformar num espaço complementar de organização e luta que experimenta novos valores nas relações de trabalho.
A autogestão é completamente oposta à realidade e aos objetivos da sociedade capitalista, fazendo parte das lutas das classes oprimidas contra o sistema pela busca de uma nova e mais humana sociedade.
Democracia Direta
Para que a autogestão se consolide em todas as formas organizativas de um povo em luta e em todos os níveis da vida em sociedade, esta deve primar pela democracia direta nas deliberações políticas, ou seja, assegurar a ampla participação, a liberdade de opinião, tudo o que garante um espaço de expressão das subjetividades em que possam ser definidos modos de relação, normas, códigos, instituições que conformam a função regulativa da sociedade. A democracia direta possibilita assim a ruptura com os modelos verticais impostos de cima para baixo e de fora para dentro, desenvolvendo o contrário: a horizontalidade nas relações políticas.
Como anarquistas rejeitamos o Estado e a sua democracia representativa que investe seus eleitos do poder de impor seus interesses particulares fazendo uso dos interesses coletivos. Rejeitamos essa democracia baseada no governo de uns poucos que concentram o poder político sobre a sociedade e que elege representantes sem vínculos orgânicos com a vontade e as aspirações de uma determinada base social.
Dessa constatação deriva nossa firme posição em prol de uma democracia real que não engendre dominação, de uma nova insticionalidade onde tenha lugar a autogestão, a democracia direta e o federalismo; uma organização político-social tal que a representação seja controlada por mandatos específicos e determinados dos grupos de interesse, e a revogabilidade das funções seja um recurso disponível em qualquer tempo.
Ação Direta
Freqüentemente a ação direta enquanto método de ação é vinculada ao uso de formas violentas de resistência e luta ou à atividades de cunho extra parlamentar. Entretanto, a ação direta enquanto uma ferramenta para a construção de um poder popular se torna um conceito com maior riqueza de conteúdo.
Em essência, a ação direta é o que faz prevalecer o protagonismo das distintas expressões que resultam da dinâmica organizacional das classes oprimidas, visando a menor mediação possível para que não se formem centros de decisão alheios e externos à luta destas classes pela sua emancipação. Neste sentido, a ação direta é um complemento da democracia direta, pois busca a participação social de tal modo que possa exercer pressão de forma direta nas lutas sociais em confronto com as classes dominantes utilizando o mínimo de instâncias intermediárias.
As classes oprimidas, na medida em que aumentam as possibilidades de uma prática política alicerçada na ação e na democracia diretas fortalecem o seu senso crítico e desenvolvem suas capacidades de ruptura com a alienação imposta. Desta forma, podem assumir, responsavelmente, a defesa de seus interesses, seus erros e seus acertos. Além disso, podem contrapor-se às fórmulas organizativas e aos objetivos desviantes dos seus reais interesses coletivos.
Prezar, dinamizar e potencializar a ação direta em todos os níveis é a tarefa primeira da organização anarquista. Isto significa que a ação direta pode ser estendida a todas as formas da vida social: política, economia, cultura, enfim, tudo o que constitui a essência e o conjunto do corpo social. A ação direta pode ser pacífica ou violenta, de propaganda ou de organização, das diversas lutas sociais e populares ou orgânicas, reivindicativas ou em uma etapa de avanços revolucionários.
Neste sentido, os setores oprimidos é que criam as condições de seu protagonismo através de seu próprio acionar, estendendo-o e aprofundando-o, forjando a sua história e o seu destino.
“A emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores”, assim era expresso esse princípio na Internacional. A unidade na prática política da ação direta é fazer valer esta premissa plenamente.
Classismo
Por ser uma sociedade baseada em um conjunto de mecanismos que ativam e reproduzem relações de dominação, o sistema capitalista conforma uma determinada estrutura de classes, ou seja, um ordenamento hierárquico de mando e/ou obediência onde estão posicionados distintos estratos sociais. Como relação que pressupõe, em linhas gerais, dominantes e dominados, a dominação é uma expressão dinâmica de um conflito que quando está situado em uma estrutura de classes dá lugar a luta de classes.
O poder das classes dominantes reside no controle privado ou burocrático dos meios de produção, comunicação de massas e serviços; na centralização das decisões políticas; nos aparelhos de repressão e coação; na ideologia burguesa e nos valores que difunde sobre todas a sociedade. Entendemos que o processamento da luta de classes constitui o motor da mudança social sendo que na sua condução em sentido revolucionário joga um papel as ideologias revolucionárias e uma adequada organização da vontade política.
O anarquismo é a instrumentalização das idéias e aspirações de justiça social com igualdade e liberdade que encontra na luta e na vida dos trabalhadores e dos oprimidos desse sistema a sua potencialidade. Sua noção de humanidade projeta uma sociedade sem classes nem dominação, meta que só a luta revolucionária das classes oprimidas pode alcançar. Por isso “qualquer tentativa de fazer do anarquismo um atributo da humanidade atual, de atribuir a ele um caráter humanitário geral seria uma mentira social e histórica”, pois em um sistema de dominação “não há uma humanidade, há uma humanidade de classes: escravos e senhores” (Plataforma).
Muito foi questionado sobre o caráter de classe do anarquismo como forma de combater a sua influência no movimento operário mundial. Os socialistas da matriz marxista mais ortodoxa fizeram uma campanha difamatória para identificá-lo com as ideologias da pequena burguesia, dos pequenos proprietários de terra ou para o vincular pejorativamente com os interesses do que chamaram “lúmpem proletariado” (camadas marginais da sociedade lançadas fora da esfera de produção capitalista).
Essas acusações situadas em um contexto de disputas de hegemonia na classe trabalhadora com início na 1ª Internacional já manifestavam sinais de totalitarismo incrustado no pensamento socialista, que evoluíram até configurar-se historicamente como marxismo-leninismo. Não aceitar a pluralidade ideológica revolucionária no interior dos movimentos de classe significaria mais tarde a instituição do partido único e de um eficiente aparelho repressivo contra as alternativas que não se enquadravam nas teses da “autêntica ideologia do proletariado”.
Assim concluímos que o anarquismo é uma ideologia de todas as classes oprimidas e exploradas enquanto tais, enquanto sejam capazes de se libertar sem oprimir ou explorar.
CRÍTICA AO SISTEMA CAPITALISTA E AS RELAÇÕES DE DOMINAÇÃO
O anarquismo não é um sistema fechado de idéias ou uma teoria científica acerca dos progressos sociais-históricos e suas leis fundamentais. A qualidade de ideário aberto articulado por alguns princípios básicos caracterizam o pensamento libertário e a sua firme posição anti-dogmática. Contudo, para fins de uma abordagem militante o definimos de uma maneira geral como crítica às relações de dominação em todas os níveis da vida social, crítica adequada a cada circunstância concreta a que está dirigida.
Nascida no século XIX, a ideologia anarquista se afirmou como crítica radical do capitalismo, realizando uma luta teórica sem tréguas, ora específica ora mais global, contra seus diversos mecanismos de poder.
A sociedade capitalista é um sistema baseado na dominação, um fenômeno histórico específico do poder, que está operacionalizado pela exploração e controle do trabalho pelo capital, com uma estrutura jurídica, política e repressiva que reproduz tal dominação.
É um sistema que conforma relações de produção, distribuição e troca que retiram os trabalhadores das esferas de gestão direta dos seus meios de sobrevivência, tanto pelo controle privado dos patrões quanto pelo controle burocrático dos aparelhos de Estado e seus dirigentes.
O capitalismo constitui uma organização social que se apoia na centralização do poder político no Estado, isto é, em um conjunto de instituições operadas por uma minoria posicionada sobre a sociedade, que atribuídas da noção de impessoalidade, regulam o conjunto social a partir de seus interesses particulares. Essa organização social funciona também através de uma série de símbolos e significações que se difundem e conservam no imaginário da população o fundamental de suas estruturas de dominação.
Não faltam exemplos que ilustram o caráter de sua ação classista tão danoso sobre os trabalhadores, os pobres e marginalizados do campo e da cidade. Em 1960 20% da população dos países mais ricos dispunham de uma renda 30 vezes superior à dos 20% mais pobres. Em 1995, essa renda era 82 vezes maior.
A fortuna das 3 pessoas mais ricas do mundo ultrapassa o PIB acumulado dos 48 países mais pobres, enquanto 3 bilhões de pessoas vivem com menos de 2 dólares por dia. 4% da riqueza acumulada das 225 maiores fortunas seriam suficientes para satisfazer as necessidades essenciais de toda a população dos países em vias de desenvolvimento: comida, água potável, infra-estrutura sanitária, educação, saúde… 2 bilhões de pessoas no mundo sofrem de anemia, das quais 0,4% estão nos países industrializados. O número de pessoas mal nutridas subiu mais que o dobro em 20 anos, passando de 103 milhões em 1970 para 215 milhões em 1990 (referência: PNUD 1998).
As 200 maiores empresas representam 24,5% do PIB mundial (1998) equivalente ao PIB de 150 países, enquanto que o patrimônio das 200 pessoas mais ricas do planeta passou de U$ 440 bilhões em 1994 para U$1.042 bilhões em 1998 representando 41% da renda acumulada de toda população mundial. Em 1999 existiam 1 bilhão e 500 milhões de pessoas pobres no mundo, sendo que o Brasil possui 28,7% de sua população abaixo da linha de pobreza, aproximadamente 47 milhões de pessoas. O desemprego estrutural em nosso país está a uma taxa permanente de 10% da população (fontes: IBGE-PNAD-1998 e PNUD-ONU-1999).
A crítica socialista e libertária resulta para nós em atitude revolucionária contra esse sistema porque a desigualdade social, a injustiça e a crueldade não são simples desvios mas traços de sua própria natureza, de sua estrutura classista, de sua ideologia individualista. Por isso rejeitamos o capitalismo e abraçamos o desafio de construir um mundo novo.
NOVA FORMA DE FAZER POLÍTICA
A Organização
O anarquismo não é e não pode ser contrário à organização e sua estreita relação com as sociedades humanas. Esta é um elemento impossível de ser subtraído da vida social e mesmo aqueles individualistas e antiorganizadores que a contestam como um prejuízo às liberdades e iniciativas pessoais têm necessidade de se organizar na hora de agir por um objetivo qualquer.
Por organização entendemos a soma das vontades de um conjunto de indivíduos que têm por base um acordo mútuo empregam determinados meios para realizar suas finalidades. Assim quando sofremos a vontade unilateral dos outros ou impomos nossa própria vontade em detrimento das demais estamos diante de uma organização autoritária consubstanciada por relações de dominação. Por sua vez, quando vivemos com os demais em fraternal acordo visando a satisfação comum, teremos uma organização livre e horizontal.
Toda sociedade supõe organização ainda que isto não signifique Estado, isto é, um conjunto de instituições políticas, jurídicas, militares, econômicas, financeiras, etc., por meio do qual o povo é alienado da gestão de seus próprios assuntos, da direção dos meios para seu bem estar pela centralização do poder por uma minoria que se vale da força coletiva e dos “interesses gerais” da sociedade. O Estado é a forma atual de organização político-social que os anarquistas combatem por seu caráter hierárquico e coercitivo.
Concordamos com a análise do anarquista italiano E. Malatesta quando considera: a organização como princípio e condição da vida social, hoje e no futuro; a organização específica anarquista e a organização das forças populares na luta anticapitalista. O anarquismo além de crítica radical ao Estado e à hegemonia autoritária, se constitui também em princípio organizativo que concebe a autonomia das práticas sociais e a federação criada a partir de interesses comuns.
Como militantes anarquistas nos articulamos com uma organização própria para efetivar uma prática política de intenção revolucionária. Estamos agrupados especificamente com métodos, acordos e estruturas que têm a função de criar a unidade de ação.
O anarquismo militante historicamente foi avesso ao modelo de organização adotado por outras doutrinas socialistas que esmaga a democracia interna e centraliza as decisões segundo a vontade de uns poucos dirigentes. Ao centralismo e seus pretensiosos adjetivos o anarquismo militante opôs o federalismo adequado à dinâmica de uma organização anarquista e às condições históricas concretas da luta em que se inscreve. Porém, vale comentar, o movimento libertário abriga distintas concepções organizativas que nem sempre atendem ao interesses de militância revolucionária.
A Federação Anarquista Gaúcha é adepta do especifismo, como tal uma organização política que concebe o federalismo como “concordância livre entre indivíduos e a Organização em trabalhar coletivamente rumo a um objetivo comum. Contudo, tal acordo e federação, que é baseada nele, só poderão se tornar realidade, ao invés de ficção ou ilusão, sob as condições essenciais de que todos os participantes do acordo e a Organização cumpram completamente os deveres assumidos, conforme as decisões compartilhadas”.(Plataforma)
A questão da organização deve resolver o problema da coordenação e convergência das atividades das forças militantes do anarquismo e se fazer instrumento eficiente de articulação das suas frentes de luta segundo uma estratégia de longo prazo que aponta para a ruptura revolucionária. Nesses termos não exime a noção fundamental de responsabilidade de seus membros, “uma certa disciplina, não automática senão voluntária e reflexiva, em perfeito acordo com a liberdade dos indivíduos (...) necessária sempre que muitos indivíduos, unidos livremente, empreendam um trabalho ou uma ação coletiva qualquer”.(Bakunin)
Acreditamos que a ordem como imposição vertical de uma vontade não é o único fator capaz de regular a participação coletiva, mas sim que esta pode ser organizada por um conjunto de relações postas em atividade por decisões baseadas no acordo livre e responsável. É possível e necessário promover a ação coletiva a partir de critérios que sejam respeitados por todos que dispensam a força e a disciplina militarista em favor de motivações solidárias conscientes em cada um. Isso vale para a organização específica anarquista, para os movimentos populares e para a sociedade que queremos, fazendo de cada experiência de luta e organização uma verdadeira escola de vida onde vamos aprendendo a confrontar e a superar os esquemas autoritários que conformam a natureza do sistema capitalista.
Prática Política
Pela vigorosa crítica ao parlamento, ao processo eleitoral burguês e a todos os mecanismos da democracia liberal oferecida pelo sistema capitalista, o anarquismo é acusado até os dias atuais de se omitir da luta política e por essa razão classificado como “a infância do socialismo”. Se podemos admitir que existem aspectos insuficientes no pensamento libertário, ou que em certas circunstâncias o zelo na aplicação termo a termo dos seus princípios acabou provocando atitudes politicamente inoperantes, não é correto dizer que seu rechaço a participação eleitoral dos trabalhadores nas instituições políticas governamentais é equívoca.
Na história do movimento socialista, muitos partidos viram nas instâncias representativas da democracia liberal burguesa um meio para promover mudanças sociais. Entre eles estão os reformistas, que crêem na possibilidade de transformações pacíficas e graduais operadas por dentro do sistema e aqueles partidos que mesmo afirmando a necessidade da via revolucionária jogam nos espaços permitidos da hierarquia estatal com uma política oportunista chamada de tática.
Com o tempo, se tornou corrente na cultura política de esquerda, através de suas variantes social democrata ou dos derivados do marxismo-leninismo, a reprodução acrítica da noção de que política fazem os profissionais eleitos para cargos nos órgãos executivos e/ou legislativos do Estado. Nessa lógica, que nada mais é do que a lógica do sistema que separa povo e política, sociedade e poder, a luta política está sempre agenciada pelas candidaturas e quem não vota não faz política, não busca soluções viáveis para o drama popular cotidiano.
A prática parlamentar e governamental é uma forma específica de fazer política, nunca a única política. Assim como o Estado é uma determinada expressão histórica concreta de organização do poder político. A luta política, com a objeção que se possa fazer, sempre foi um nível objetivado pela ação anarquista, só que de maneira distinta do socialismo autoritário.
Concebemos a prática política como toda atividade em que se manifestam relações entre as classes oprimidas e o poder político, entre o povo e o governo ou o Estado. A política também consiste, para nós, na capacidade de formulação de propostas que articulam e veiculam os interesses gerais e/ou parciais da população, nos conflitos contra o governo ou qualquer outra instituição do poder que questionam a forma de condução da vida social, e na defesa, conquista e ampliação das liberdades públicas.
Essa definição abarcativa nos faz identificar fortes componentes políticos na atividade levada por sindicatos e entidades do movimento popular, contudo não se reduz a isso. Há um vasto campo de enfrentamento com os organismos de poder manejados pelas classes dominantes no qual destacamos uma regular e específica ação política que pretendemos desenvolver. Através de uma prática política organizada queremos expressar a ideologia anarquista em uma linha adequada para as problemáticas reais dos oprimidos, a cada conjuntura que tem lugar e ao nível da correlação de forças em jogo, para estar em condições de sustentar uma estratégia de poder popular, um processo de protagonismo das organizações sociais dirigido a uma nova estruturação da sociedade.
A organização política anarquista não representa nem substitui a luta popular e suas expressões organizadas, funciona como um motor que a anima sem anular seu papel principal nos processos históricos.
Só uma organização especificamente política com uma ideologia revolucionária pode cumprir o papel de sustentar e orientar um processo de luta de longo prazo, luta revolucionária que exige recursos técnicos, políticos, teóricos e materiais que possibilitem a sobrevivência e o crescimento mesmo em condições difíceis, o que exige coordenar ações em setores muito diversos, em terrenos diferentes, em condições de complexidade crescente.
A prática política dever ser, então, o veículo que torna real nossos princípios libertários na luta de classes.
Inserção Social
Somente a partir do trabalho militante organizado é possível promover com firmeza e coerência a luta popular. Esta luta e suas conseqüências necessitam de um âmbito de elaboração da teoria-prática revolucionária. Este âmbito se compõe, entre outras coisas, de um nível social ocupado pelas organizações de classe e movimentos populares, e também um nível político específico ocupado pela Organização Anarquista.
A militância de base que fazemos é a única garantia de inserção social das idéias e conceitos libertários. A legitimidade do anarquismo está na sua participação nas experiências de luta e organização das classes oprimidas, na sua capacidade de ser útil para o seu aprofundamento. Por isso a organização política anarquista não deve ser de maneira nenhuma círculo sectário de idéias puras ou cenário de reflexões filosóficas abstratas, mas ferramenta que sirva aos propósitos de um processo revolucionário que põe as organizações populares no centro das iniciativas. Nesse esforço cotidiano nos somamos com um trabalho de base que respeita antes de qualquer linha partidária a independência de classe e suas expressões organizadas, sejam sindicatos, associações, comitês de luta, cooperativas autogestionárias, etc.
No Brasil, devido a inúmeros fatores, incluindo repressão política, mudança de panorama e padrões sociais e em boa parte por uma defasagem tático-estratégica, o anarquismo ficou quase 50 anos estagnado com pouca ou nenhuma inserção nos movimentos sociais. Após a restauração democrático burguesa dos anos 80 se realizaram tentativas de superação desse vazio que acabaram sem continuidade.
A inserção anarquista através de uma prática política organizada é uma das necessidades centrais e prioritárias da FAG. Pela nossa concepção, não existe “lutar para o povo” nem “lutar pelo povo”, ou se luta com o povo, como militantes que fazem uma opção de classe e que têm uma identidade popular, ou não existe luta libertária possível. Isso porque nada substitui gente organizada. Somente o povo auto-organizado pode criar o poder popular, aumentando o nível e a intensidade da luta a medida que amplia a consciência política de que a via revolucionária é possível e necessária. Portanto, na luta popular se prepara e se difunde a revolução social como alternativa para uma vida digna e livre.
Os militantes anarquistas têm de ser como peixes dentro d’água no seio das classes oprimidas, fluindo como sangue nas veias da luta popular. A inserção social é também o resultado de trabalhos metódicos e regulares. É ela que pode abrir caminho para outros níveis de luta e por isso mesmo é um objetivo constante, permanente e ininterrupto. Quanto maior for nossa inserção social, mais a organização política anarquista vai estar sintonizada com a realidade e mais vamos poder fazer para contribuir na transformação desta dura realidade.
A ideologia e a Organização se legitimam e se nutrem com a inserção social e a partir disto mais condições têm de construir soluções coletivas para as problemáticas da realidade concreta.
Nova Articulação do Político com o Social
Como dizíamos, é característico da ideologia burguesa a reprodução por todos seus aparelhos da noção que separa sociedade e poder, povo e política e todo tipo de significação que reforça o verticalismo nos processos políticos.
A própria esquerda assimila essas noções para realizar uma divisão taxante destas duas “lógicas” em pólos opostos onde de um lado se encontra o nível “social” caracterizado como elemento “inconsciente”, “espontâneo”, “meramente reivindicativo”, “de pouco alcance”, e por outro lado temos o “político”, representado geralmente por um agrupamento militante, pelos “mais formados”.
Dessa maneira, um enorme setor da esquerda desmerece o nível social, já que não reflete suas expectativas “revolucionárias”. É assim que se começa a gerar um modo de fazer política onde se perde todo contato com a base que é justamente o que dá conteúdo a qualquer projeto revolucionário.
A estratégia passa então por ganhar “novos militantes”, onde a organização política se torna um fim em si mesma, e a prioridade é dada ao seu fortalecimento e não ao do movimento popular.
Com esse tipo de prática não se faz nada além de aprofundar os marcos de representação da democracia liberal burguesa, onde as “pessoas comuns” podem realizar atividades no âmbito social, e a política fica em mãos de profissionais, de pessoas capacitadas na tarefa de conduzir o corpo social.
Existem, sem dúvidas, esses dois níveis. Tanto o social como o político são campos com uma dinâmica própria, com um alcance, com proposições de objetivos diferentes, que os distingue mutuamente. Nós acreditamos que a partir de reconhecer as diferenças, o que devemos fazer é buscar formas de articulação que as asseguram em seu ponto justo e não realizar políticas que tendem a acentuar tais diferenças. Por isso achamos que os dois devem coexistir em sua justa medida, sem que um se sobreponha sobre o outro e vice versa, mas com uma prática cotidiana inserida nos movimentos e organizações populares promover laços que funcionem como correia de transmissão, com o objetivo de superar as diferenças e encontrar um marco no qual cada um possa contribuir com suas virtudes e ajudar o outro a superar seus erros.
Nossa concepção não aponta para a acumulação e o desenvolvimento exclusivo da FAG e seu respectivo nível político específico, e sim faz da organização política anarquista um meio para gerar um desenvolvimento sustentado das lutas populares e conseguir estabelecer um marco de discussão e ação no qual tais lutas, tal “nível”, possa superar suas próprias carências. Superar significa que por exemplo uma luta social construída a partir de uma reivindicação concreta sinta a necessidade de meter a mão em assuntos que não são de sua especificidade, que se coordene com outras experiências e lutas em desenvolvimento, e que finalmente encontre em seu conflito particular um exemplo a mais de uma determinada condição de classe, que portanto sinta a necessidade de dar à sua luta específica um caráter global.
Cremos necessária a orientação de que o nível em que se organizam e expressam os movimentos dos trabalhadores e as entidades populares não deve ser forçado por perspectivas político-ideológicas nem manipulado por planos elaborados desde uma instância longe do cenário das lutas. A independência de classe e de suas organizações sociais é um critério necessário para as práticas políticas sem o qual não se rompe com o velho modelo elitista das vanguardas.
A articulação do político com o social é a base do que entendemos por poder popular, processo que convoca as duas perspectivas em um mesmo corpo, que se elabora a partir de uma estratégia que busca dar ao social uma estrutura tão organizada e consciente que assente as bases para desenvolver desde baixo uma capacidade a qual possa superar os limites de participação estabelecidos pela hegemonia estado-patronal , quebrar seu domínio e estabelecer as pautas de desenvolvimento da nova vida social.
CAMINHOS PARA UM PROJETO POLÍTICO LIBERTÁRIO
A Intenção Revolucionária
Na América Latina, são muitas as organizações revolucionárias e movimentos populares que lutaram e lutam pela libertação. Este é um conceito e objetivo que também está contido em nosso projeto revolucionário anarquista.
Entendemos que a libertação de nossa classe só será possível através da luta popular organizada, construindo um processo revolucionário de longo prazo. Nesta luta continental, a melhor contribuição que podemos dar é plantarmos todos os dias as sementes dos frutos que queremos colher. Isso significa que não acreditamos que um novo sistema social, baseado na igualdade, na justiça e na liberdade poderá nascer a partir de uma conseqüência natural e evolutiva do desenvolvimento do sistema capitalista, por meio de uma transição pacífica. Pelo contrário, o sistema capitalista tem dado provas suficientes de sua capacidade de se adequar a vários momentos históricos para que as suas estruturas fundamentais de dominação não se alterem. De acordo com a concepção anarquista, para que haja uma ruptura com o sistema capitalista e o início da construção de um poder popular deverão ser descartados instrumentos que o próprio sistema criou, certamente para se manter e não para dar oportunidade
à sua autodestruição.
Por outro lado, é evidente que para que se desenrole um processo revolucionário não basta apenas vontade. Deve-se avaliar criticamente as experiências revolucionárias da história, mas sem pretender-se transportar receitas de outras épocas e de países que não são o nosso. É necessário observar as particularidades do atual momento histórico e da região em que vivemos. Ver como isso se reflete em nossa classe, em suas organizações, em seu imaginário. O momento que vivemos hoje é bem diferente de trinta anos atrás. É preciso construir-se estratégias que atentem a essas particularidades.
Vemos a ruptura como um desenlace popular, o que implica a maior participação popular possível, por meio de suas organizações, organizando-se o enfrentamento contra a classe dominante em todos os níveis da ação direta.
Portanto, a FAG é uma organização política anarquista de intenção revolucionária, participando de uma luta brasileira e continental cujo caminho apontado pela Organização é o da libertação popular.
Programa Socialista e Libertário
Acreditamos que a consequência lógica da crítica ao sistema capitalista; das aspirações, sentimentos e anseios de uma convivência solidária, livre e fraterna entre os seres humanos; de uma forma de vida que gere harmonia da humanidade com o meio ambiente é o projeto revolucionário anarquista. Processo que pretende edificar uma sociedade socialista e libertária como fruto da luta revolucionária cujos protagonistas sejam os movimentos populares.
Quando falamos em socialismo libertário queremos demarcar como algo diferente do chamado “socialismo real” ocorrido na União Soviética, em Cuba e em outros países, que pela manutenção de estruturas de dominação melhor poderia chamar-se de capitalismo de estado.
A nível político se consolidou uma nova forma de dominação e o surgimento de uma classe social, a burocracia estatal. Esta dominação era exercida a partir da administração dos assuntos de estado, do excedente econômico, da manutenção da ordem interna (reprimindo qualquer contestação popular, logo tachada de contra-revolucionária), defesa do território nacional, da coesão ideológica e sua reprodução. Fatos que não constituem nenhuma surpresa à crítica anarquista ao modelo autoritário.
A construção de uma sociedade realmente socialista e libertária passa por uma socialização econômica – o que não significa mera estatização dos meios de produção -, como também por uma completa socialização das instâncias de decisão política.
Tal socialização deverá ser exercida pelas organizações básicas dos trabalhadores e do povo, e deve incluir os meios de produção, distribuição, crédito e troca, do poder político, da educação, da administração da justiça, organizações de defesa, fontes de saber e informação. Tudo isso pressupõe a supressão de toda classe dominante e de propriedade privada.
Tendo-se por princípio a supressão de toda forma de opressão, isso inclui dentro de nossos objetivos acabar com a opressão de gênero, de etnias, de opção sexual, etc. Opressões que tomam forma a nível político-econômico, como também no plano cultural. Que obviamente não acabarão por decreto, como não acabará dessa forma todo o aparato de dominação, mas por todo um processo contínuo de destruição e de construção de outras formas de organização e de novos valores.
Protagonismo da Luta Popular Organizada
A revolução social só acontece, na nossa concepção, quando existe protagonismo popular. Do contrário, seguirá existindo dominação de uma classe sobre outra. Tal protagonismo requer uma estratégia de construção do poder popular. Poder não pode ser confundido com governo.
Frente a uma estratégia de poder estabelecido destinada a perpetuá-lo, é necessário opor uma estratégia das classes oprimidas destinada a construir o poder popular. A concretização do poder popular requer a preparação das organizações de classe destinadas a assumi-lo e o fortalecimento destas organizações com a tarefa que lhes corresponde desempenhar, pois edificar o poder popular não significa que os elementos constitutivos do poder sejam conquistados por uma nova classe dominante supostamente representativa dos interesses dos trabalhadores. A experiência histórica estaria desqualificando esta opção autoritária. Não se trata de colocar o nome de poder popular as velhas e conhecidas formas de ação política e de representação que excluem ao povo de toda instância de decisão fundamental. Portanto, não se trata simplesmente se tomar das classes dominantes o atual poder político centralizado, e sim de difundi-lo, descentralizá-lo nos organismos populares, de transformá-lo em outr
a coisa. De transformá-lo em uma nova estrutura político-social.
Tomar o poder é tomar o poder nas fábricas, nos campos, nas minas, nas oficinas, nas escolas, nos hospitais, nas centrais elétricas, nos meios de comunicação, nas universidades, e o poder é dos trabalhadores e do povo quando são organismos por eles controlados, amplamente democráticos e participativos, onde os que o assumem apropriam-se das funções tutelares exercidas desde a esfera estatal. Por isso é que uma estratégia de poder popular deve ter como premissa essencial a construção desses organismos e esta é a tarefa política chave que desde já está jogando um papel de primeira ordem na determinação de se o futuro revolucionário será socialista e libertário ou não. Por isso que a derrota da ordem capitalista e autoritária e a construção de um autêntico poder popular está se produzindo todos os dias, em relação a como se orienta e concretiza nosso trabalho político e social.
Assim, criar ou recriar, fortalecer e consolidar as organizações operárias e populares e defender seu protagonismo é ir fecundando, passo a passo, o único socialismo possível: um socialismo com liberdade, onde todos os avanços que hoje conhecemos sejam postos a serviço de um melhor e humano funcionamento social que beneficie ao homem, ao povo todo.
Coordenação das Lutas e Movimentos Populares
Já foi colocado a necessidade de um desenlace popular, resultante de um processo revolucionário onde o protagonismo das organizações populares é peça fundamental. O que pretende-se abordar neste tópico é qual o objetivo a ser buscado todos os dias, para que se acumulem forças em direção a tal objetivo. Este passo hoje constitui a coordenação das lutas populares.
Primeiramente seria necessário demarcar que não entendemos tais lutas somente no seu âmbito econômico. Tampouco que as reivindicações econômicas conduzem à uma luta de classes com contornos revolucionários. Pelo contrário, poderia dizer-se a mera luta econômica tende ao corporativismo e ao reformismo.
De acordo com nosso entendimento a luta de classes pode ter motivações econômicas, políticas, ideológicas, culturais, e tantas outras mais; podendo ser protagonizadas por uma ampla gama de sujeitos oprimidos: trabalhadores do campo e da cidade, desempregados, estudantes; podendo adquirir contornos de luta de gênero, de etnia, ecológica, etc. Isso significa que não acreditamos que exista uma predestinação histórica em certos sujeitos sociais em fazer a revolução, como acreditam algumas correntes da esquerda, principalmente em relação à classe operária.
Como ferramenta de análise da realidade é preciso considerar como protagonistas da luta de classes uma ampla gama de sujeitos oprimidos, movidos por combates distintos contra o aparelho de dominação.
Para caminhar em direção à um poder popular, é preciso unir e coordenar estas lutas através de laços solidários e orgânicos, quebrando o isolamento, o corporativismo, a visão fragmentada da dominação, gerando um processo de tomada de consciência e de ação popular organizada.
Assim, para cada luta específica, deve-se aglutinar o maior número de entidades de base. Por exemplo, tentando fazer com que as reivindicações dos trabalhadores em educação pública e dos estudantes se transformem, a médio prazo, numa luta pela educação popular. A classe se veria representada por estas duas categorias, mais as comunidades locais, pais e mães de alunos, numa disputa não só por verbas, mas também pelo conselho comunidade-escola, o conteúdo curricular e o método pedagógico. O mesmo exemplo se aplica em todas as lutas concretas tais como: moradia, trabalho, saúde, saneamento, terra, libertação negra, das mulheres e demais segmentos.
As centrais dos movimentos e entidades populares devem contribuir para isso. Mas como já foi dito não haverá protagonismo nenhum enquanto essa coordenação seja mediada pelos partidos e organizações políticas, dependente de sua política classista ou não, conciliadora ou não. Onde não é o povo que toma consciência pela própria experiência o que acontece é uma linha política partidária baixada de cima para baixo.
Como organização política, nosso papel deve ser o de impulsionar essa coordenação, mas o papel principal cabe aos sujeitos da classe oprimida.
ETAPA DE TRANSIÇÃO ATÉ O SOCIALISMO LIBERTÁRIO
Pretendemos lutar por uma utopia realizável. Uma utopia que é uma forma distinta de organização social e de convivência entre os seres humanos.
Trata-se de uma forma de organização social ainda não experimentada. Nesse sentido, nos propomos o impossível para torná-lo realidade. Assim concebido, o impossível é o que demora um pouco mais, exige mais esforço, firmeza, imaginação e responsabilidade.
Existem duas exigências básicas: revolução e etapa de transição.
A transição é um tema que os socialistas revolucionários do século XIX não puderam abordar, por limitações históricas. Em nosso século, a defesa do “socialismo real” ou diversos modelos leninistas, condicionados por circunstâncias de sobrevivência, limitou, salvo honrosas exceções, a análise do tema a um nível panfletário ou muito simplista. Hoje, diante dos novos fatos históricos, há um retorno ao ponto de partida.
Em nosso movimento não existe literatura sobre esse tema. E mais, parece ser um tema que tem sido constantemente passado por cima. Às vezes aparecem, aqui ou ali, menções separadas e parciais do problema. Mas um tratamento metódico não foi feito.
Contudo, é um tema relevante, que tem efeitos sobre o conjunto do trabalho revolucionário a ser realizado antes e depois da desestruturação da ordem capitalista. Dependendo de como se interprete essa temática, determinados procedimentos e prioridades serão estabelecidas.
Temos designado como período de transição aquele que sucede à um evento revolucionário e dá começo a uma nova forma de organização social. Para nosso caso específico, esse começo é orientado para uma sociedade comunista libertária.
Antes de mais nada convém estabelecer uma ressalva que clareie nossa proposta. A sociedade socialista e libertária não pode surgir por “evolução” do seio da sociedade capitalista. Esta não dá lugar a modificações nessa direção, pelo contrário, combate firmemente toda tentativa de modificação de suas estruturas fundamentais. O capital é inimigo declarado desta transformação. Uma nova ordem social, correspondente a outro sistema, será conseqüência de uma ruptura. No processo anterior à ruptura, os elementos destacados da luta pela transformação serão ferozmente atacados pelo sistema capitalista, que sempre trabalha por sua reprodução. Qualquer componente que afete essa reprodução será violentamente atacado. Violência que pode expressar-se em distintos níveis: político, ideológico, econômico, social, físico.
De toda forma, é necessário destacar que existem atividades que podem e devem ser realizadas no seio das sociedades capitalistas. Atividades sociais e políticas que permitem a participação e a resolução de problemas da população. Atividades que geram, ao mesmo tempo, noções e experiências; que fazem o crescimento da consciência e a confiança nas próprias forças.
Tanto maiores serão as possibilidades de organização para o libertário, quanto mais esteja desenvolvida a participação popular na etapa prévia da revolução.
Antes de abordar o tema transição parece-nos necessário esclarecer outra premissa, para evitar equívocos.
A desestruturação de um sistema abre novas possibilidades, surgem combinações que não estavam na ordem anterior. Daí que não podemos ver os limites com um olhar pleno do horizonte capitalista que hoje temos frente a nossos olhos. Vão surgir possibilidades que não podiam ser imaginadas na situação anterior. Não seria correto, então, ver somente os referenciais anteriores, sem incorporar o “salto” que habilita a ruptura para iniciar um processo até o libertário.
De todas as maneiras o “salto” não produz possibilidades ilimitadas, possibilidades mágicas. As possibilidades de um determinado ordenamento social depois da revolução guardarão certa relação com a realidade que o precedeu.
Não mudará radicalmente toda uma cultura de corte autoritário, individualista, de pouca participação, de submissão aos que estão “por cima”. Uma milenária cultura que criou raízes. Citando Bakunin, podemos dizer que “o ser humano está determinado pelas inumeráveis relações políticas, religiosas e sociais, pelos hábitos, costumes, por todo um mundo de preconceitos, ou pensamentos elaborados através dos séculos”. “Trata-se em essência de educar para a liberdade, de elevar à consciência de sua força e capacidade a homens e mulheres habituados à obediência e passividade”, como dizia Malatesta.
Não devemos esquecer que a transição é um período altamente conflitivo, onde seus protagonistas se encontram abalados pela pressão de situações-limites, entre o que deveria ser e o que é, devendo tomar decisões que, lamentavelmente, não são sentidas como propriamente corretas em forma pura ou certa, situações que temos de assumir ou renunciar a participar da história. Muito menos devemos esquecer que, na história, são inumeráveis as transições que se tornam situações permanentes, além da vontade de seus atores. Às causas interiores assinaladas temos que somar as exteriores, sejam estas à nível internacional ou desde o interior da sociedade, sejam os elementos reacionários ou sejam aqueles que, em discordância com a sociedade anterior, propõem um modelo de mudança e de sociedade diferente, antagônico, ao que queremos construir.
E se trata, também, de ter em conta e valorizar os esforços cumpridos pela humanidade, através de sua história, para melhorar sua própria condição. Junto da sujeição, o ser humano é também portador de um instinto de liberdade, como o definem Bakunin e Noam Chomsky. As lutas dos povos por justiça, melhores condições de vida, etc., refletem esse instinto.
Portanto, mesmo considerando as possibilidades que geram o “salto”, uma revolução não cria o espaço para um ordenamento social libertário imediato. Ainda que tomando como modelo uma certa história de participação da população. “Entre o homem e a sociedade existe uma ação recíproca. Os homens fazem da sociedade o que esta é e a sociedade faz deles o que são. Para transformar os homens há que transformar a sociedade”, escreveu Malatesta.
De imediato, a revolução não será feita somente pelos libertários. É de se supor que várias organizações políticas e sociais, de distintas orientações ideológicas, estarão presentes; que forças da ordem capitalista destruída seguirão operando. Ao mesmo tempo as mudanças nos costumes e formas de pensamento das pessoas não serão tão profundas para matar todo um longo passado autoritário. Tudo isso limita o processo que se inicia. Importante é situar os limites para não propormos inviabilidades que nos deixam por fora de toda e qualquer incidência histórica. Pois, como disse Malatesta, ”a vida deve continuar um dia depois da revolução e se não se puder organizar libertariamente essa vida as pessoas preferirão o autoritarismo à ausência de funcionamento social”.
Baseando-se no critério de que não haverá uma sociedade libertária no dia seguinte à revolução, é obrigatório propormos tudo o que concerne a esse período de transição para o ordenamento social mais acabado. Quais são as propostas gerais, a adequar a cada circunstância histórica concreta, de formas de organização social para os distintos níveis: econômico, político, ideológico-cultural, militar (organismos regulares de defesa da revolução, ex.milícias populares), etc.
De acordo com o modelo de sociedade anarquista que queremos construir, nossa ação no presente - aqui e agora - e no amanhã da ruptura e da transição, dá-se sobre dois eixos básicos: o Poder Popular e a Organização específica. Sobre o primeiro, como já dissemos, todo ato de democracia direta, participação popular, toda instância autogestionária é uma contribuição na construção de nossa utopia. Mas, simultaneamente, é importante assumir a lição da história de que é impossível chegar a uma sociedade socialista e libertária sem uma Organização Anarquista inserida na realidade e forte politicamente, com uma estratégia revolucionária que contemple os métodos a aplicar em cada conjuntura.
Não bastam frases genéricas e vagas. É preciso pensar o funcionamento da economia, das instâncias globais de decisão política, a articulação das distintas áreas sociais, os valores a ressaltar, etc.
É comum encontrar em nosso movimento e entre os teóricos clássicos do socialismo, a suposição, não expressa mas de uma maneira implícita, de que os problemas que impedem uma justa e solidária organização social são externos às pessoas. Tratar-se-ia de estruturas econômicas e políticas, como o Estado, as quais estariam impedindo que fosse expressa uma certa bondade inata que está brigando para sair na superfície social. Tratar-se-ia apenas de acabar com essas estruturas (que assim vistas, ninguém sustenta) e o demais viria por si mesmo.
Daí, então, que basta uma luta constante pela ruptura do sistema. O resto não está revestido de complexidade. Uma parte disso, obviamente, é verdade. Mas daí a acreditar que a disposição ao socialismo libertário é algo dado, natural, há uma grande distância. As pessoas carregam em suas costas séculos de noções e representações, de referenciais políticos e de convivência, de individualismo negativo. Existem práticas políticas e sociais que tem profundas raízes. O poder não está só no Estado, exterior às pessoas. Existem egoísmos que podem reproduzir antigas ou produzir novas formas de exploração e opressão.
A complexidade de um tal processo de transformação exige um alto nível de compreensão dos mecanismos sociais. Caminhar com um projeto finalista que possa ser operativo nas mais diversas circunstâncias conjunturais. Propor e resolver problemas, períodos de ação, estar atentos às mudanças, calcular as próprias forças, as forças de inimigos e aliados pontuais. Desenvolver uma capacidade de análise que permita adiantar-se aos acontecimentos para poder agir com maior eficácia. Trabalhar por um desenvolvimento técnico e político que permita a incidência correspondente.
A construção de uma sociedade socialista e libertária é tarefa voluntária, vinculada aos processos reais. Não é possível efetivá-la de um dia para outro. É um processo social voluntário que requer um processo, um largo aprendizado de novas formas de funcionamento. Requer a destruição de velhos e vigorosos mitos.
A destruição do Estado (entendendo por Estado a forma atual, jurídico-política, da sociedade de classes, das relações sociais vigentes), não é um ato pontual, conjuntural, mas uma ação contínua, permanente de destruição e simultaneamente de construção de um novo relacionamento social, é um processo não necessariamente uniforme e linear.
A forma que poderia adquirir essa transição necessária a designamos com o nome de Poder Popular Democrático. A liberdade será uma orientação constante e prioritária de todo esse período. Se conjugarão aqui a nova situação pós-revolucionária, as forças sociais e políticas em jogo, as lutas ideológicas, o estado espiritual da população, os avanços possíveis e a atenção da vida social em todos os seus aspectos. Cada processo oferecerá suas possibilidades específicas, mas o modelo de transição parece ser comum a todos eles.
As propostas feitas mais atrás sobre democracia direta como sistema e ação direta como orientação guardam estreita relação com a definição que aqui fazemos de Poder Popular Democrático.
Outra coisa que é historicamente impensável é que serão os anarquistas que farão a revolução sozinhos. Igualmente impensável que faremos sozinhos a reconstrução. Pois isso implicaria uma concepção de ditadura que não permitiria a expressão da discordância ou de outras propostas. Mesmo no caso de sermos maioria estaríamos nos confrontando e também fazendo acordos. Esse é o princípio básico da política. Está fora de nossa concepção uma sociedade de doutrina ideológica única e de organização política única. A doutrina válida de liberdade está em estreita relação com o que possa construir cada sociedade nesse sentido.
É impossível adivinhar quais e com que características serão os atores hegemônicos em uma conjuntura revolucionária. Mas temos de admitir que podemos não ser a força majoritária. Nesse caso, podemos chegar a ser, e isso depende de nosso desenvolvimento político, uma força com alguma influência em algum processo revolucionário. O que implica ter claro tudo que é necessário confrontar e compartir.
De nossas experiências históricas como movimento, a mais completa que temos é a Revolução Espanhola, um projeto global de organização e uma força social de grande importância. Ainda que, bem sabemos, tudo que esta revolução teve de compartir e enfrentar.
Muitas vezes um pensamento desejoso se situa fora das realidades sociais. Acredita-se possível tudo o que se elabora ao nível de pensamento. Alguns discursos libertários têm algo disso. Daí a subestimação dos problemas concretos da acumulação de forças para a ruptura e a transição possível depois dela. Os dois temas apontados - 1) conceito de exterioridade e de como é o ser humano; 2) confusão de processos sociais com processos de pensamento - têm trazido um saldo muito negativo ao nosso movimento.
Uma sociedade com livre articulação de todas suas instâncias sociais, com todas as pessoas participando, não precisaria de instância política específica. O que se espera de uma sociedade completamente libertária é, ao mesmo tempo, transferido ao presente e à etapa de transição. Por aí pode vir essa falta de idoneidade política do anarquismo, essa falta de “ofício” que Peirats critica, referindo-se às experiências da Espanha e que é transferido, com caráter mais geral, ao anarquismo. Por seu lado, falta demonstrar que uma sociedade libertária possa prescindir da instância globalizadora que faz o político.
Aquela carência, aquela falta de ofício de que fala Peirats ao referir-se ao papel do movimento libertário na Espanha, é conseqüência de vários fatos:
1) A já mencionada carência e imprecisão sobre o período de transição. O absoluto, revolucionário e anarquista, eternamente adiado para amanhã, anula a possibilidade de buscar respostas para hoje.
2) O repúdio e a confusão sobre o que é ação política, identificada por nosso movimento somente com mecanismos e práticas próprias do sistema capitalista.
3) Uma visão totalizante do agir revolucionário, onde não se perceba como necessários nem a confrontação, nem os acordos e alianças com outras forças políticas.
Para nós, a ação política é uma instância, ao mesmo tempo que globalizadora, de síntese, que a sociedade deve possuir para ir resolvendo os problemas de caráter geral e nacional. É uma instância que vai mais além, abarca muito mais que o simplesmente corporativo, parcial ou regional. É através da ação política que se torna possível ir resolvendo o conjunto de necessidades e problemas globais da população de um país. A ação política é a instância específica e diferenciada e constitui um espaço particular das práticas. A organização que a expressa, ou seja, a organização política, deve compreender essa particularidade.
As confrontações, contradições, acordos tirados no campo político têm um teor geral e sintético. Pelo menos, hoje e no período de transição, a organização política se diferencia das outras práticas sociais pelos temas que aborda e a forma como os trata.
Os processos de ruptura e transição requerem uma organização política revolucionária forte e de desenvolvimento equivalente, com o adequado conhecimento: das forças em disputa, dos diferentes acordos que são possíveis de concretizar, dos movimentos gerais da conjuntura; do estado ideológico da população. Igualmente: bom desenvolvimento técnico; planos para períodos; propostas para todo evento relevante; especial conhecimento do meio em que se opera.
As precedentes considerações não esgotam, nem de longe, o tema. Temos procurado, nesta oportunidade, deixar proposto um problema que entendemos de principal importância para o nosso futuro. Como proposta geral para uma Declaração de Princípios, estimamos que é suficiente, mas para outros propósitos, insuficiente. Acreditamos que devemos continuar analisando a problemática formulada.
Site da FAG: www.vermelhoenegro.org
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