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Gerardo Gatti, militante anarquista e ativista sindical da CNT e dos gráficos uruguaios, foi um dos vários que ajudou a escrever este documento. Leitura lúcida e crítica da experiência foquista, é também uma defesa do protagonismo popular nos processos revolucionários latino-americanos.
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Este documento interno da FAU produzido em 1972 abordou o problema da luta armada quando as forças repressivas uruguaias cantavam vitória e faziam destroço da estrutura que restava dos Tupamaros. Estava “na onda”, naquele momento com muito vigor, a concepção denominada como foquismo. O projeto de luta armada dos anarquistas da FAU, diferia profundamente da formulação do foco. Desde que triunfa a Revolução Cubana, começou a formular essa diferença. Em discussões e documentos internos, em Comícios, em Lucha Libertaria, Cartas de FAU, foi se desenvolvendo nossa posição. Finalmente um companheiro se encarregou de sistematizar em um discurso exaustivo, a posição da FAU elaborada nesses anos. Esse trabalho se denominou internamente como COPEY, por razões de segurança. Pela extensão do trabalho, aqui se publica só fragmentos que resumem sua atualidade.
Tem sucedido coisas importantes. Fatos que introduzem variantes significativas para justificar uma revisão de temas táticos, que exigem mais afinamento dentro do novo marco criado por aqueles fatos. Sem dúvida, um dos aspectos mais importantes tem sido a ofensiva repressiva e seus efeitos, já bem visíveis.
...Nesses resultados obtidos pela repressão, a propaganda reacionária pretende fundar conclusões políticas: “A luta armada não é viável no Uruguai, e a violência como o crime não se paga”... Por sua vez os reformistas fazem coro: “A luta aramada não só não conduz ao poder, senão que é contraproducente, compromete o trabalho de massas, e “deixa queimados” os militantes que a levam a cabo”...
As classes dominantes querem impor que todos joguem o seu jogo. Um jogo inventado e previsto por eles, um jogo onde eles não podem perder... A derrota de hoje não é tampouco a derrota da luta armada. Esta existe e existirá como um nível da luta de classes... Sempre haverá organizações que assumam essa tarefa. O que não deve perdurar, é a concepção errônea que tem predominado aqui, até agora nessa matéria. O que está em crise, esperemos que definitiva, é a concepção foquista...
Propostas gerais da concepção foquista
- A necessidade de iniciar a tarefa armada a maior brevidade possível, sempre que existam condições econômico-sociais que a façam viável. Se partia da base, de que estas condições estavam em toda América Latina, como conseqüência do subdesenvolvimento.
- As condições políticas, e ainda ideológicas (chamadas “condições subjetivas”), se desenvolveriam como conseqüência da atividade do foco armado. Daí que a existência ou não da organização política revolucionária fosse considerado secundário, e seguramente não prioritário. A simpatia gerada pela atividade do foco, devia ser enquadrada em grupos cuja função era quase exclusivamente contribuir ao esforço e a vitória militar. Com meras tarefas de apoio logístico e de propaganda, recrutamento, etc. concentradas no desenvolvimento do foco. O desenvolvimento da luta seria medido em termos de crescimento da capacidade operativa... A expectativa e a confiança na vitória militar através da luta armada, era o logro e o requisito essencial no plano ideológico.
- A atividade militar do foco, inauguraria um processo onde cada ação, motivaria uma replica generalizada... Na medida em que a guerrilha fosse operando com uma intensidade maior, a níveis mais altos, a repressão iria endurecendo e se generalizando... Com esta repressão generalizada, maiores seriam as simpatias que convocaria o foco, e por tanto, maiores seriam suas possibilidades de desenvolvimento. Nessa dialética ascendente de ação-repressão, se gerariam condições políticas e sociais cada vez mais favoráveis a luta armada, até culminar em uma situação ideal em que importantes setores de população sustentam a guerrilha, sua “vanguarda armada”, impondo a caída do governo despótico só sustentado pela minoria privilegiada e o aparato repressivo...
A dinâmica antes dita em definitivo – proposta central do foco – emanaria dos êxitos armados... A atividade da guerrilha, a resposta repressiva, fecharia todas as portas a qualquer via que não fosse a luta armada, voltando necessariamente o povo para as filas da revolução. Assim se procederia, por um caminho curto, simples e direto, à “politização das massas”, e seu nucleamento detrás da guerrilha.
A partir dessa linha, foi subestimada a importância de toda tarefa vinculada com a atividade de massas (associativa, sindical, propaganda, atividade política pública) que não apontasse de maneira direta a favorecer o esforço bélico. Uma atividade de massas supunha, distrair esforços em aspectos considerados muito secundários e ainda negativos, que poderiam abrir expectativas e competir com a luta armada. Além do mais, se partia da base de que toda atividade pública, seria rapidamente varrida uma vez desatada a mecânica de ação – repressão, acionada pelo foco guerrilheiro. Dita influencia, pode ser atribuída a maioria dos fracassos experimentados em Cuba, logo do triunfo da revolução.
Nossa concepção de luta armada:
- Ainda com seus fracassos, é inegável que a prática ampla da luta aramada contribuiu decisivamente para modificar as pautas de ação política na América Latina. Desde então está aberto, o problema do método a empregar para desenvolver a via armada da revolução... O sistema capitalista não será destruído seguindo as regras do jogo que ele mesmo gera para garantir sua continuidade. Essa continuidade é a que contribui para manter quem se reduz a fazer só o que a legalidade burguesa permite, ou seja, só o que a legalidade criada e manejada pela burguesia recomenda que se faça.
A luta armada, concebemos como aspecto fundamental da prática política de um partido clandestino, que atua também com base em uma estratégia harmônica e global, a nível de massas. Uma organização é realmente revolucionária, se coloca para si e resolve adequadamente o problema do poder.
Uma pergunta: para que se faz a guerrilha, quais são seus objetivos, seu programa?
Os objetivos de uma revolução condicionam toda a política revolucionária, sem excluir tampouco seus aspectos militares. Daí que seja prévia a toda outra consideração, definir os objetivos, ou seja – em termos gerais o caráter do processo revolucionário no qual se inscreverá nossa prática político-militar...
Nas guerras de independência, a causa é “nacional”... A nação não é mais que a cão burguesa, onde dominam os burgueses. Desde um ponto de vista de classe, o único conceito de “nação” aceitável, é o que envolve a desaparição do capitalismo, a construção do Socialismo. Assim o “interesse nacional” da burguesia, nada tem em comum com o interesse nacional dos trabalhadores. Mas nas lutas anticoloniais, é geralmente a ideologia nacionalista burguesa a que prevalece e aglutina atrás das classes dominantes locais o conjunto da população. A realidade da luta de classes, se obscurece então, atrás da ideologia “patriótica”. Agora, se a guerra não é anticolonial senão social, como é o caso do Uruguai, haverá tantos “patriotismos” como classes sociais estejam em condições de gerar tendências ideológicas...
A guerrilha urbana, não terá nunca o apoio de toda nação, por mais nacionalista que se proclame. Só terá apoio daquelas classes interessadas no Socialismo. Sucederá assim, porque é um tema social e não anticolonial... Não é possível aqui uma luta nacional, ou anti imperialista, a margem da luta de classes. Dito de outro modo. O central e prioritário aqui, é a revolução contra a burguesia nacional dependente, e só através desta se desenvolverá uma verdadeira “causa nacional” do povo... É inútil portanto, incitar a adesão de setores burgueses entorno de uma política revolucionária, por mais que esta se vista de “nacional”.
Tudo parece indicar que a função da guerrilha urbana não é buscar a vitória em um enfrentamento direto mano a mano com o exército... Em definitivo a guerrilha urbana, se de revolução social se trata, parece ter como função idônea preparar o salto, o trânsito qualitativo a outra forma de luta através do qual sim, pode ser conseguida a vitória decisiva no marco urbano, a insurreição. A guerrilha, cremos por tanto, só é legítima como preâmbulo e preparação necessária da insurreição. Dito processo insurrecional implica sempre a participação de setores de massas de certo volume... Tampouco dizemos que é necessário que a metade mais um dos habitantes decidam se levantar em armas para fazer uma insurreição... Como toda ação armada, uma insurreição se decide centralmente por operações, por combate armado mais que por manifestações de rua... Portanto aludimos a uma série de ações de massas de outro nível, subentendido que participe o setor mais dinâmico do povo.
Para nosso entendimento, qualquer forma de ação insurrecional pressupõe necessariamente uma prática militar prévia e a existência de um aparto militar clandestino, previamente organizado, com suficiente capacidade operativa e suficiente experiência para canalizar, organizar e levar a bom porto o processo insurrecional.
Poderíamos definir três requisitos para o êxito do processo insurrecional:
1) A participação ativa de setores importantes de massas, através de ações de outro nível.
2) A existência prévia de um aparato armado clandestino com experiência militar já adquirida, que canalize e conduza o processo.
3) A existência de um trabalho político prévio sobre os elementos do aparato repressivo.
Estes três requisitos pressupõem como é óbvio, a existência de um minucioso trabalho político prévio, do qual só pode se fazer cargo a Organização Política, ou partido. Como centro político capaz de desenvolver, promover e harmonizar em uma direção comum estas diversas atividades.
Esta concepção da luta armada, de desenlace insurrecional, conduz a conclusão de que a estruturação da Organização Política é tarefa fundamental na etapa de processamento das condições para insurreição, e não o inverso. Ou seja, a ação armada se processa através de um centro político, e não o centro político através da tarefa armada...
Tem que partir da base de que a destruição do Poder Burguês em nosso país é somente a abertura de uma nova etapa de luta contra a intervenção estrangeira. Seria absurdo pensar o Socialismo “em um só país”, no Uruguai. A partir da destruição do poder burguês no Uruguai, a luta se internacionaliza para fora e volta nacional para dentro, no sentido de que a intervenção estrangeira é praticamente inevitável, dada a situação geopolítica.
Documento FAU de 1972
01/11/2006 - Federación Anarquista Uruguaya - FAU
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