Tenho a impressão, ao ler a nossa imprensa na Itália e no exterior, ou os escritos que meus camaradas enviam a Pensiero e Volontà, freqüentemente não publicados por falta de espaço ou de organização, que ainda não conseguimos fazer com que compreendessem todos os objetivos que pretendemos atingir.
Algumas pessoas interpretam a seu modo nosso desejo de espírito prático e de realização, e crêem que queremos "começar um processo de revisão dos valores do anarquismo teórico". E deduzem segundo suas tendências e preferências, seus temores e suas esperanças, que queremos renunciar na prática, senão na teoria, às nossas concepções rigorosamente anarquistas.
As coisas não vão tão longe. Na realidade, não acreditamos, assim como algumas pessoas nos atribuíram, que haja "antinomia entre a teoria e a prática". Acreditamos, ao contrário, que, em geral, se não se pode realizar de imediato a anarquia, não é carência da teoria, mas devido ao fato de que todos não são anarquistas, e os anarquistas ainda não têm força para conquistar sua liberdade e fazê-la respeitar.
Em suma, permanecemos fiéis às idéias que desde seu início foram a alma do movimento anarquista, e não temos, para dizer a verdade, nada a lamentar. Não o dizemos por orgulho, pois se tivéssemos cometido um erro no passado, seria nosso dever dizê-lo, e nos corrigirmos. Nós o dizemos porque é um fato. Aqueles, que conhecem os escritos de propaganda difundidos aqui e ali pelos fundadores desta revista, terão dificuldade em encontrar uma única contradição entre o que acabamos de dizer e o que dizíamos há mais de cinqüenta anos.
Não se trata, portanto, de "revisão", mas de desenvolvimento das idéias e de sua aplicação às contingências atuais.
Quando as idéias anarquistas eram novas, maravilhando e surpreendendo, e só se podia fazer propaganda com vistas a um futuro distante, as tentativas insurrecionais e os processos provocados de modo proposital serviam para atrair a atenção do público sobre nossa propaganda, aí, então, a crítica da sociedade atual e a explicação de nosso ideal podiam bastar. As questões de tática nada mais eram, no fundo, do que questões sobre os melhores meios de propagar as idéias e preparar os indivíduos e as massas para as transformações desejadas.
Todavia, hoje, os tempos são outros, as circunstâncias mudaram, e tudo leva a crer que num momento que poderia ser iminente, e que com certeza não está longe, encontrar-nos-emos prontos e forçados a aplicar as teorias aos fatos reais, e demonstrar que não somente temos mais razão do que outros quanto à superioridade de nosso ideal de liberdade, mas que nossas idéias e nossos métodos são igualmente os mais práticos para adquirir o máximo de liberdade e bem-estar possível no atual estado da civilização.
A reação em si, ainda que piorando e evoluindo, deixa o país em estado de equilíbrio instável, favorável a todas as esperanças assim como a todas as catástrofes. Os anarquistas podem ser chamados, de um momento para outro, a mostrar seu valor e a exercer peso sobre os acontecimentos, podendo ser, desde o início, senão preponderantes, pelo menos condizentes com seu número e sua capacidade moral e técnica.
É necessário, portanto, aproveitar este período transitório, que só pode ser uma preparação tranqüila, para agrupar, o máximo possível, forças morais e materiais, e estar prontos para tudo o que se poderá passar.
O ponto que não deve ser perdido de vista é o seguinte: somos uma minoria relativamente reduzida, e assim será até o dia em que uma mudança nas circunstâncias exteriores – condições econômicas melhoradas e maior liberdade – colocará as massas em posição de poder compreender-nos melhor e nos permitirá colocar nossa conduta em prática.
Mas as condições econômicas não melhorarão de modo sensível e duradouro, assim como a liberdade, enquanto o sistema capitalista e a organização estatista que defende os privilégios permanecerem vigentes. Em conseqüência, no dia em que, por razões que escapam em grande parte a nossa vontade, mas que existem e poderão produzir efeitos, o equilíbrio se romper e a revolução eclodir, encontrar-nos-emos, como agora, em minoria reduzida entre as diferentes forças em oposição.
O que deveremos fazer? Desinteressar-nos pelo movimento seria um suicídio moral, para sempre, pois sem nosso trabalho, sem o trabalho daqueles que querem impulsionar a revolução até a transformação social de todas as instituições sociais, até a abolição de todos os privilégios e de todas as autoridades, a revolução estancaria sem ter transformado nada do que é essencial, e nos encontraríamos nas mesmas condições que agora. Em outra futura revolução, seríamos ainda uma fraca minoria e deveríamos nos desinteressar pelo movimento, isto é, renunciar à razão de ser de nossa existência, que é combater incessantemente pela diminuição (enquanto sua completa abolição não for obtida) da autoridade e dos privilégios. Pelo menos para nós, que acreditamos que a propaganda, a educação, só podem em dada situação, tocar um número limitado de indivíduos, e que é preciso mudar as condições da situação para que nova camada da população possa elevar-se moralmente.
O que fazer, portanto?
Provocar, tanto quanto nos seja possível, o movimento, nele participando com todas as nossas forças, imprimindo-lhe o caráter mais libertário e mais igualitário que seja; apoiar todas as forças progressistas; defender o que é melhor quando não se puder obter o máximo, mas conservar sempre bem claro nosso caráter de anarquistas: não queremos o poder e suportamos com dificuldade que outros o tomem.
Há, entre os anarquistas – não diremos pretensos anarquistas – aqueles que pensam que, visto que as massas não são capazes de se organizar anarquicamente e de defender a revolução com métodos anarquistas, nós mesmos deveríamos tomar o poder e "impor a anarquia pela força" (a frase, como nossos leitores o sabem, foi pronunciada em toda a sua crueza).
Eu não vou repetir que aquele que crê no poder educativo da força brutal e na liberdade estimulada e desenvolvida pelos governos, pode ser tudo o que quiser, poderá até mesmo ter razão sobre nós, mas não pode, certamente, chamar-se anarquista sem mentir a si mesmo e aos outros.
Observarei uma coisa: se deve haver um governo, ele não deverá vir de nós, seja porque somos minoritários, seja porque não temos as qualidades necessárias para conquistar e conservar o poder, e porque, digamo-lo francamente, entre os camaradas extravagantes que gostariam de conciliar a anarquia com a ditadura "provisória", não há ninguém – ou muito poucos – capaz de ser legislador, juiz, policial... E em geral, exterminador! Poderia ocorrer que, entre nós, alguns, – não dos melhores – pactuem, por ignorância ou por razões menos confessáveis, com o partido triunfante e tentem aproveitar-se do governo. Eles nada mais fariam senão trair a causa que querem defender, como fizeram alguns pretensos anarquistas russos, como fazem os "socialistas" que se aliam aos burgueses para fazer progredir o socialismo ou os "republicanos" que servem a monarquia para preparar a república.
É preciso, conseqüentemente, fazer com que, durante a revolução, as massas apoderem-se da terra, dos instrumentos de trabalho e de toda a riqueza social, exijam e tomem toda a liberdade das quais são capazes, organizem a produção como puderem e quiserem, assim como a troca e toda a vida social, fora de qualquer imposição governamental. É preciso combater toda a centralização para dar inteira liberdade às diferentes localidades e impedir que outros indivíduos se sirvam das massas mais atrasadas – que são sempre as mais importantes em número – para sufocar o impulso das regiões, das comunas e dos grupos mais avançados – e deveremos em todos os casos pedir para nós mesmos a mais completa autonomia e os meios para poder organizar nossa vida à nossa maneira, tentando arrastar as massas pela força do exemplo e da evidência dos resultados obtidos.
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