Bandeira Vermelha e Negra da FASP

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Bandeira da Federação Anarquista de São Paulo

A Confederação

" Quando a Confederação chegar nenhum muro, casa, apartamento, Status Cow, propriedades, radicais e trabalhos vão separar você de você que sera o carrasco e a vitima de você mesmo.
Por tanto se amem e sejam felizes, pois os bons frutos seram multiplicados e os maus frutos serão punidos em meu jardim.
Estou cansado de ganhar almas de Ingratos que ganharam tudo isto aqui e me prodizem maus frutos no paraizo. "

The Proibid

A Coluna Anarquista Organicista

A Federação Anarquista é a Espinha Dorsal do Anarquismo

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Anarquismo Coletivista - O Bakuninismo




by Coletivo Pró Organização Anarquista em Goiás - Brasil Monday, Jan 30 2006, 6:19pm



proorganarquista_go@riseup.net
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Coletivismo: elementos de um programa anarquista


Este texto trata da corrente conhecida historicamente por coletivismo. Ela surge no século XIX, tomando a sua forma a partir da década de 60, quando é formada a Fraternidade Internacional Revolucionária e, posteriormente, a Aliança da Democracia Socialista. Trata-se da primeira forma política do anarquismo, um primeiro agrupamento de anarquistas. O objetivo do nosso texto é o de tentar compreender o coletivismo em sua totalidade, isto é, compreender o seu método de análise da realidade, os objetivos que apresentavam e os meios pelos quais acreditavam serem fundamentais para chegar ao objetivo finalista. Em uma palavra, poderíamos dizer que buscamos neste texto sintetizar o que seria um programa anarquista dos coletivistas.
A segunda importância de tratarmos deste tema, diz respeito ao fato de acharmos que o coletivismo ainda tem muitas contribuições para apresentar para a luta dos anarquistas na atualidade. Não se trata de ler Bakunin buscando-o como regra para a ação no mundo atual. Longe de nós tal idéia. Trata-se, sim, de compreender a totalidade do seu pensamento sabendo que ele é fruto de sua própria época, e poder, ao mesmo tempo, indicar o que ainda pode ser relevante e o que já não faz mais sentido para o nosso tempo.

ANARQUISMO COLETIVISTA
O BAKUNINISMO


PARTE 01
Texto produzido pelo COLETIVO PRÓ ORGANIZAÇÃO ANARQUISTA EM GOIÁS
Goiânia, Goiás - 2005



Coletivismo: elementos de um programa anarquista
Apresentação


Por trás do termo anarquismo existe uma diversidade imensa de correntes. Coletivistas, individualistas, anarco-comunistas, anarco-sindicalitas, todos se reúnem sobre um mesmo termo, que, como já dizia um ditado citado constantemente por Bakunin, se muito abraça, mal abarca. A história do anarquismo foi construída em grande parte visando percorrer a unidade, o que havia de comum, de harmonia entre os anarquistas de todos os tempos e de todas as correntes. Esta busca daquilo que pudesse unir e dar sentido ao termo anarquismo acabou por desmerecer ou, pelo menos, subestimar as diferenças e a especificidade de cada corrente. Torna-se extremamente falho acreditarmos que podemos extrair algumas partes do pensamento de cada corrente, isolando esta parte do todo, e assim chegar à compreensão do anarquismo. Isolar partes de um pensamento é tirá-lo de seu contexto e perder a possibilidade de compreensão de sua totalidade. Pois, muitos elementos do pensamento de uma corrente só têm sentido dentro da totalidade do pensamento desta corrente, isolados, se transformam em outra coisa.

Um exemplo disto é a idéia de liberdade individual, que para muitos historiadores do anarquismo, seria um princípio do anarquismo. Para os coletivistas, a liberdade do indivíduo é um produto coletivo, e, assim, só pode existir na sociedade e pela revolução da sociedade. Já os individualistas, quando falam em liberdade do indivíduo, falam em uma oposição entre indivíduo e sociedade e tratam toda coletividade como autoritária. Neste sentido, que princípio é este do anarquismo? Embora as palavras são as mesmas, “liberdade individual”, não se trata da mesma coisa. O conceito de liberdade, assim como vários outros conceitos, só podem ser compreendidos no interior do pensamento total de cada corrente do anarquismo, sem isolá-los de seu contexto e de seus nexos. Por isto, achamos importante fazer o processo contrário ao movimento de grande parte dos historiadores. Ao invés de buscarmos o que há de comum no anarquismo, achamos que é importante nos debruçarmos sobre cada corrente do anarquismo, compreendendo a sua totalidade e, portanto, o que há de mais característico nela. Achamos que assim poderemos começar a compreender o anarquismo com maior profundidade.

Este texto trata justamente da corrente conhecida historicamente por coletivismo. Ela surge no século XIX, tomando a sua forma a partir da década de 60, quando é formada a Fraternidade Internacional Revolucionária e, posteriormente, a Aliança da Democracia Socialista. Trata-se da primeira forma política do anarquismo, um primeiro agrupamento de anarquistas. O objetivo do nosso texto é o de tentar compreender o coletivismo em sua totalidade, isto é, compreender o seu método de análise da realidade, os objetivos que apresentavam e os meios pelos quais acreditavam serem fundamentais para chegar ao objetivo finalista. Em uma palavra, poderíamos dizer que buscamos neste texto sintetizar o que seria um programa anarquista dos coletivistas.

A fonte principal que utilizamos são os escritos de Bakunin. Ele foi, sem dúvida nenhuma, aquele que elaborou as idéias coletivistas e, sendo seus escritos de fundamental importância e mais acessíveis para nós do que os de seus outros companheiros coletivistas, os tomaremos como fonte fundamental. Desta forma, se confundirá o pensamento de Bakunin com o coletivismo. Pois, afinal o bakuninismo e o coletivismo são a mesma coisa.

Não trataremos aqui de compreender todo o pensamento de Bakunin de uma forma profunda, mas, pelo menos de forma bastante geral, alguns elementos fundamentais para a compreensão de seu programa anarquista. Pensamos que dois motivos justificam a nossa tentativa de resgatar de uma forma sistemática um esboço de um programa revolucionário bakuninista. Primeiro, devido à falta de compreensão sistemática do pensamento de Bakunin, e, em segundo lugar, por acreditarmos que o bakuninismo ainda tem muito que contribuir com a organização dos anarquistas na atualidade. Reivindicado por muitos e criticado por tantos, o certo é que entre admiradores e adversários, uma falta de compreensão do pensamento de Bakunin é algo bastante comum. Acusá-lo de espontaneísta, de baderneiro, de alguém que tinha paixão única pelo caos e pela destruição, foi atitude constante em meios mais diversos. Esta falta de entendimento da totalidade do pensamento de Bakunin é fruto, primeiramente, do modo como foi constituindo-se uma memória histórica sobre o anarquismo e os anarquistas. Uma memória que elevou ao extremo a distinção entre marxismo e anarquismo, fornecendo ao primeiro o máximo de organização, disciplina, ciência, análise materialista, e restando ao último apenas o idealismo, o espontâneo, o caótico. É claro que, em parte, a falta de compreensão da totalidade do pensamento de Bakunin se deve a dois fatores de caráter intrínseco aos seus escritos: a fragmentação de sua obra e a complexidade de seu pensamento. Para conhecermos o pensamento de Bakunin, precisamos revirar textos e textos fragmentados, que começam com um tema e terminam com outro, que apresentam detalhes sem aprofundá-los ou que iniciam um aprofundamento que é bruscamente interrompido. Tudo isto contribui para que grande parte de seus leitores não conheça o conjunto de seu pensamento, mas apenas fragmentos que são generalizados e causam, assim, sérias confusões. Conhecer apenas fragmentos da obra de Bakunin torna-se um risco devido à complexidade de seu pensamento. Como disse o Coletivo Anarquista Organizado Luta Libertária:
Compreender apenas parte daquilo que propugnava Bakunin não necessariamente contribui para o entendimento do que era de fato a proposta bakuninista. Pelo contrário, conhecer apenas parte do pensamento de Bakunin pode nos levar a enganos ... Ao generalizar um dos aspectos particulares do anarquismo de Bakunin, tornando-o absoluto, implicitamente expurgam outros prismas como algo estranho ao próprio bakuninismo. É desta forma que podemos encontrar nos escritos de Bakunin tanto textos que exaltam a espontaneidade, quanto textos que nos falam da necessidade de disciplina e unidade de ação. (BAKUNIN, s.d., p. 100).

A segunda importância de tratarmos deste tema, diz respeito ao fato de acharmos que o coletivismo ainda tem muitas contribuições para apresentar para a luta dos anarquistas na atualidade. Não se trata de ler Bakunin buscando-o como regra para a ação no mundo atual. Longe de nós tal idéia. Trata-se, sim, de compreender a totalidade do seu pensamento sabendo que ele é fruto de sua própria época, e poder, ao mesmo tempo, indicar o que ainda pode ser relevante e o que já não faz mais sentido para o nosso tempo. Não se trata também de isolar partes de seu pensamento e construirmos um frankestein, mas, de conhecer o programa bakuninista e pensar o modo como ele contribui para a construção de um programa anarquista para a atualidade. Neste sentido, o presente texto tem um objetivo político. Não é simples gosto literário ou acadêmico, mas uma necessidade de construir ferramentas teóricas precisas que, em diálogo com a nossa prática cotidiana, serão fundamentais para orientar a nossa luta. Sabemos que corremos o risco de ignorar muitos elementos que para muitos são fundamentais para entender o pensamento de Bakunin. Podemos, também, generalizar aspectos que são apenas parte de seu pensamento e que por falta de acesso a alguma fonte importante somos conduzidos ao erro. Outras vezes, sabemos que a nossa interpretação das obras poderá não corresponder à interpretação que muitos fazem. Porém, nos dispusemos a enfrentar os riscos, por acharmos que estamos apenas dando apenas mais um chute e que muito ainda temos que esperar das críticas e sugestões de outros companheiros e organizações anarquistas.

1) Contexto Histórico

Bakunin formou a sua concepção libertária em um contexto de crise econômica do capitalismo europeu. Tratava-se da grande depressão industrial de 1840, que, espalhando a fome e o desemprego pelo continente europeu, aterrorizou ainda mais a vida sofrida da classe trabalhadora.

...a grande depressão que varreu o continente a partir da metade da década de 1840. As colheitas - e em especial a safra de batatas - fracassaram. Populações inteiras como as da Irlanda, e até certo ponto também as da Silésia e Flandres, morriam de fome. Os preços dos gêneros alimentícios subiam. A depressão industrial multiplicava o desemprego, e as massas urbanas de trabalhadores pobres eram privadas de seus modestos rendimentos no exato momento em que o custo de vida atingia proporções gigantescas. (HOBSBAWM, 1982, p. 330).

Junto com a depressão, a Europa da época de Bakunin, apresentava um ambiente de intensa agitação. Revoluções, motins, revoltas, estavam presentes a partir da década de 40 do séc. XIX, fazendo com que a revolução estivesse à ordem do dia. Outra questão relevante é que não existia o anarquismo enquanto corrente política antes de Bakunin, e, neste sentido, ele não precisava debater com um meio anarquista. Debatia sim com um meio revolucionário que se formava no séc. XIX, onde entre as principais figuras estavam Proudhon e Marx. Este meio revolucionário socialista tinha que enfrentar o ambiente de idéias burguesas, em que se destacavam os liberais radicais como Mazinni e Garibaldi, os teóricos iluministas; a filosofia idealista de Hegel e os rebeldes jovens hegelianos.

2) Método de Análise: o Materialismo Dialético


Julgando-o a partir de suas próprias premissas, podemos dizer que o pensamento de Bakunin não é fruto das reflexões individuais de um gênio isolado. Trata-se antes de uma expressão da organização e luta dos trabalhadores de sua época que ele foi capaz de compreender, participar e formular como poucos. Consideramos importante dizer isto, porque para Bakunin não há pensamento puro. Todo o pensamento moderno encontra os seus elementos na vida real do povo, da multidão, da massa dos trabalhadores. Assim, o seu pensamento era também não o de um profeta ou revelador, mas o de um parteiro do pensamento criado pela vida do próprio povo.

A sociedade, no grande sentido da palavra, o povo, a vil multidão, a massa dos trabalhadores, não só dá a força e a vida, mas também dá os elementos de todos os pensamentos modernos; e um pensamento que não sai do seu seio e que não é expressão fiel dos seus instintos populares, segundo a minha opinião, é um pensamento que nasceu morto. Donde concluo que o papel da juventude dedicada e instruída não é a de reveladores, de profetas, de instrutores e de doutores, mas, unicamente, o de parteiros do pensamento criado pela própria vida do povo; quer dizer que os jovens que queiram servir o povo devem procurar inspirar-se não fora dele, mas nele, para dar uma forma clara o que ele traz numa forma confusa, nas suas aspirações tão confusas quanto fortes. (BAKUNIN, s.d., p. 44).

Bakunin se formou em grande parte influenciado pelo pensamento de Hegel. Fazendo parte do que se costumou chamar de jovens hegelianos, a sua concepção revolucionária tomou a forma final a partir do rompimento com o idealismo hegeliano e a adesão ao materialismo enquanto método de análise da realidade. O materialismo dialético de Bakunin apresenta como essencial a diferença entre o real e o ilusório, entre o materialismo e o idealismo. O primeiro está baseado no homem real, no ser vivo em sua totalidade, tanto em suas necessidades orgânicas quanto em seus sentimentos e idéias. Bakunin diz o que entende por matéria.

Pelas palavras material e matéria, nós entendemos a totalidade, toda a escala dos seres vivos, conhecidos e desconhecidos, desde que os corpos orgânicos mais simples até a constituição e ao funcionamento do cérebro do maior gênio: os mais belos sentimentos, os maiores pensamentos, os feitos heróicos, os atos de devoção, tanto os deveres como os direitos, tanto o sacrifício como o egoísmo, tudo, até as aberrações transcendentes e místicas de Mazzini, do mesmo modo que as manifestações da vida orgânica, as propriedades e as ações químicas, a eletricidade, a luz, o calor, a atração natural dos corpos, constituem aos nossos olhos tantas evoluções, sem dúvida, diferentes, mas não menos estreitamente solidárias, desta totalidade de seres reais a que chamamos matéria. (BAKUNIN, s.d., p. 49).

O idealismo, ao contrário, toma o ser vivo, real, em sua existência material, em seus sentimentos e idéias como nulo. Ele parte do ideal, de Deus, do pensamento, da consciência, da abstração. Para Bakunin, era preciso perceber o homem não enquanto um movimento da consciência pura, mas o homem real a partir de suas relações materiais. Neste sentido, a base real do homem, isto é, a condição de existência de todas as outras faculdades humanas, está assentada em duas necessidades fundamentais: a necessidade de garantir os meios de sua existência e a necessidade de reproduzi-la.

Para se conservar, tanto o animal como o indivíduo tem que comer, e, como espécie, tem de se reproduzir. Eis a primeira base da vida real, comum a todas as espécies animais desde as mais inferiores, até ao homem. Todas as outras faculdades e paixões só podem se desenvolver com a condição destas duas necessidades primordiais estarem satisfeitas. É a lei soberana da vida à qual nenhum ser vivo saberia substrair-se. (BAKUNIN, s.d., p. 49).

A economia, assim, a organização dos meios de garantia da existência material do homem, tem, para Bakunin, um papel fundamental na produção das idéias e da política. Todas as evoluções políticas, religiosas e jurídicas são os efeitos das evoluções econômicas. (BAKUNIN, s.d., p. 50). Dizia Bakunin:
Quem tem razão, os idealistas ou os materialistas? Uma vez feita a pergunta, a hesitação se torna impossível. Sem dúvida, os idealistas estão errados e os materialistas estão certos. Sim, os fatos tem primazia sobre as idéias; sim, o ideal, como disse Proudhon, nada mais é do que uma flor; cujas condições materiais de existência constituem a raíz. Sim, toda a história intelectual e moral política e social da humanidade é um reflexo de sua história econômica. (BAKUNIN, 2000, p. 14).

Embora toda a história intelectual e moral política e social fosse um reflexo da história econômica, para Bakunin existe uma determinada autonomia da política e do intelectual em relação a economia, de forma que a determinação não existe em um sentido único. Em relação à revolução social, por exemplo, ele afirmava que a destruição da propriedade privada e das desigualdades econômicas por si só não significaria o fim da miséria e da exploração humana. O Estado, embora, fosse um produto da economia, e um instrumento das classes dominantes, também produz as relações econômicas. Criticando o que percebe como economicismo em Marx, afirma:
O Estado político de todo país, diz ele (Marx), é sempre o produto e a expressão fiel de sua situação econômica, para mudar o primeiro, basta transformar este último. Todo o segredo das evoluções históricas segundo o Sr. Marx, está aí. Ele não leva em consideração nenhum outro elemento da história (...) Ele diz: a miséria produz a escravidão política, mas não permite inverter esta frase e dizer: A escravidão política, o Estado, por sua vez, reproduz e conserva a miséria, como uma condição de sua existência; assim, para destruir a miséria é preciso destruir o Estado. (BAKUNIN, s.d., p. 97).

Assim, para Bakunin, existe uma dialética entre a economia e as outras esferas da vida humana. As condições econômicas produzem a política e o intelecto, estes, por sua vez, produzem a economia. Bakunin rompia assim com o idealismo de Hegel, mas mantinha a sua dialética. Uma dialética virada de cabeça para baixo, uma dialética materialista. Por isso, para Bakunin “todo desenvolvimento implica necessariamente uma negação” (idem, ibidem). A humanidade era o desenvolvimento supremo da animalidade, e, portanto, a sua negação. A revolução social seria a negação da estrutura social atual e, portanto, a sua superação. Esta dialética materialista vai encontrar um fundamento básico na centralidade da categoria trabalho. O trabalho coletivo criou e cria todas as riquezas e a liberdade humana. O homem se emancipa da sua condição de animal escravo da natureza e desenvolve o pensamento e o controle sobre a forças naturais através do trabalho.

O homem só se emancipa da pressão tirânica, que sobre todos exerce a natureza exterior, pelo trabalho coletivo; isto porque o trabalho individual, impotente e estéril, nunca poderia vencer a natureza. (BAKUNIN, s.d., p. 32).

O homem produz as riquezas através do trabalho e a contradição de classes surge justamente da exploração que alguns indivíduos vão exercer sobre o trabalho coletivo.

O trabalho produtivo, aquele que criou todas as riquezas e toda a nossa civilização, sempre foi um trabalho social, coletivo; apenas, até o presente, ele foi iniquamente explorado por indivíduos em detrimento das massas operárias. (BAKUNIN, s.d., p. 32).

Assim, na sociedade capitalista, a luta de classes tem como condição essencial a separação entre o capital e o trabalho, isto é, a exploração dos capitalistas sobre o trabalho das massas proletárias.

Caros amigos, seguramente não preciso vos provar, a vós que aprendestes a conhecer por longa e dura experiência as misérias do trabalho, que enquanto o capital permanecer de um lado, e o trabalho do outro, o trabalho será escravo do capital, e os trabalhadores, os governados dos Senhores burgueses, que vos dão por irrisão todos os direitos políticas, todas as aparências de liberdade, para conservar a realidade desta liberdade exclusivamente para eles mesmos. (BAKUNIN, s.d., p. 30).

E assim, o conceito de luta de classes torna-se também central. Bakunin compreendia a realidade mundial do século XIX através do conflito entre duas classes hegemônicas, a burguesia e as massas proletárias. Para Bakunin, a força da burguesia foi fundada por dois grandes eventos históricos: “a revolução religiosa do século XVI, conhecida sob o nome de Reforma, e a grande revolução política do século passado (XVIII – Revolução Francesa).” (BAKUNIN, s.d., p. 29). A Revolução Francesa, que foi feita em nome da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, na realidade resultou na emancipação exclusiva da burguesia e na miséria da classe trabalhadora.

Como é possível, portanto, que uma Revolução que se havia anunciado de maneira tão ampla tenha resultado miseravelmente na emancipação exclusiva, restrita e privilegiada, de uma única classe, em detrimento desses milhões de trabalhadores que se encontram hoje esmagados pela prosperidade insolente e iníqua dessa classe?. (BAKUNIN, s.d., p. 29).

Esta exclusiva emancipação de uma classe, a classe burguesa, foi possível porque a revolução francesa foi uma revolução exclusivamente política. Ela não transformou a estrutura econômica.

Ah! É que esta Revolução foi apenas uma revolução política. Ela havia audaciosamente derrubado todas as barreiras, todas as tiranias políticas, mas havia deixado intactas – havia inclusive proclamado sagradas e invioláveis – as bases econômicas da sociedade, que foram a fonte eterna, o fundamento principal de todas as iniquidades políticas e sociais, de todos os absurdos religiosos passados e presentes. (BAKUNIN, s.d., p. 29).

A Revolução Francesa, assim, proclamou a liberdade de todos, mas tornou livre realmente somente a burguesia. Somente os capitalistas tinham os meios reais para a realização da liberdade. Desta forma, enquanto a Grande Revolução decretou uma liberdade fictícia, ilusória, ideal, Bakunin irá buscar nas condições materiais de existência a verdadeira liberdade e perceber que a separação entre o capital e o trabalho, isto é, entre os detentores do capital e os produtores diretos, os trabalhadores, significa a escravidão do trabalhador e domínio da burguesia. Significa antes de tudo, conflito inconciliável entre estas duas classes.

3) Objetivo: a Liberdade

A partir do seu método materialista, Bakunin analisa a realidade do sistema capitalista e das ideologias burguesas e propõe a sua transformação. A crítica às ideologias burguesas é uma crítica feita justamente a partir do materialismo histórico. O conceito de liberdade dos metafísicos burgueses, que dentre os principais se encontra Rosseau, estava baseado na idéia de que a liberdade só era possível antes da sociedade em um estado natural do homem. Para Bakunin, a liberdade é a possibilidade real de desenvolvimento de todas as potencialidades humanas, sendo elas materiais, morais e intelectuais.

Mas o que constitui o fundamento real e a condição positiva da liberdade? É o desenvolvimento integral e a plena fruição de todas as faculdades corporais, intelectuais e morais para todos. São, consequentemente, todos os meios materiais necessários à existência humana de todos; são, em seguida, a educação e a instrução. Um homem que morre de inanição, que se encontra esmagado pela miséria, que se acaba, a cada dia, de frio e de fome, e que, vendo sofrer todos aqueles a quem ama, não pode socorrê-los, não é um homem livre, é um escravo. Um homem condenado a permanecer toda sua vida um ser brutal, por falta de educação humana, um homem privado de instrução, um ignorante, é necessariamente um escravo; e se ele exerce seus direitos políticos, podeis estar certos de que, de maneiro ou de outra os exercerá sempre contra ele mesmo, em proveito de seus exploradores, de seus senhores. (BAKUNIN, s.d., p. 31).

Esta é para Bakunin a condição positiva da liberdade, a de que ela só pode ocorrer quando todos os homens tenham não só o direito, mas os meios reais para desenvolver suas faculdades materiais, intelectuais e políticas. A liberdade para Bakunin é, portanto, um produto coletivo. Não é possível uma liberdade isolada de um único indivíduo. A liberdade só se realiza quando cada indivíduo encontra a sua liberdade confirmada e estendida na liberdade de todos.

A liberdade dos indivíduos não é absolutamente um fato individual, é um fato, um produto, coletivo. Nenhum homem poderia ser livre fora e sem o concurso de toda a sociedade humana. (BAKUNIN, idem, ibidem).

A condição negativa da liberdade para Bakunin é a negação da autoridade que se firma na não existência de dirigentes e dirigidos. Ela só pode ocorrer quando os homens determinarem seus atos pela sua própria vontade e não como imposição de um grupo ou uma classe.

A condição negativa da liberdade é a seguinte: nenhum homem deve obediência a outro; ele só é livre sob a condição de que todos seus atos sejam determinados, não pela vontade de outros homens, mas por suas próprias convicções. (BAKUNIN, s.d., p. 31).

Na sociedade capitalista esta condição negativa de liberdade, em que cada homem tenha encontrado no coletivo a não obrigação de obedecer a chefes é impossível. Como o próprio Bakunin afirma:

Mas um homem a quem a fome obriga a vender o seu trabalho, e, com seu trabalho, sua pessoa, pelo mais baixo valor possível, ao capitalista que consente em explorá-lo; um homem que sua própria brutalidade e sua ignorância abandonam à mercê de seus sábios exploradores, será, necessariamente e sempre, um escravo. (BAKUNIN, s.d., p. 31).

Neste sentido, a liberdade só pode ser real a partir do momento em que existam condições reais para o desenvolvimento de todos os homens. A liberdade só poderia ser realizada, portanto, a partir da destruição da estruturas de exploração e dominação da sociedade capitalista, que impõem o desenvolvimento intelectual, econômico e político para a burguesia e a miséria e o embrutecimento para as massas proletárias. A liberdade para Bakunin, isto é, os meios reais de desenvolvimento das potencialidades humanas só pode ocorrer com uma transformação em todos os níveis da sociedade. Não adianta uma transformação política sem econômica. Isto a Revolução Francesa já provou que não transforma a realidade do trabalhador. Também não adianta uma transformação econômica e não política, pois manter o Estado seria recriar as condições de exploração econômica e manter a divisão de classes.

3.1. A transformação econômica


Começamos por uma transformação que para Bakunin, como materialista, se apresenta como central, a transformação econômica. O objetivo da transformação econômica é a igualdade, isto é, a eliminação da exploração econômica e a constituição da igualdade econômica e social. O que é esta igualdade? Primeiro, não se trata de eliminar as diferenças entre os indivíduos. Cada indivíduo é único e a diversidade é justamente a riqueza da humanidade. Em segundo lugar, não se trata de igualar as fortunas materiais dos indivíduos, isto é, fazer com que todos tenham o mesmo tanto de riqueza produzida pelo trabalho.

A igualdade não implica o nivelamento das diferenças individuais, nem a identidade intelectual, moral e física dos indivíduos. Esta diversidade das capacidades e das forças, estas diferenças de raça, de nação, de sexo, de idade e de indivíduos, longe de ser um mal social, constitui, ao contrário, a riqueza da humanidade. A igualdade econômica e social não imploca também o nivelamento das fortunas individuais, enquanto produtos da capacidade, da energia produtiva e da economia de cada um. (BAKUNIN, 1999, p. 94).

A igualdade econômica e social para Bakunin é a igualdade enquanto ponto de partida, isto é, a igualdade enquanto a organização econômica que propicia a todos os homens os meios iguais e reais para o desenvolvimento de suas potencialidades intelectuais, materiais e morais.

A igualdade e a justiça reclamam unicamente: uma tal organização da sociedade que todo indivíduo humano encontre ao nascer, embora isto dependa não da natureza mas da sociedade, meios iguais para o desenvolvimento de sua infância e de sua adolescência até a idade de sua virilidade. Meios iguais primeiro para a sua educação e sua instrução, e mais tarde para o exercício das forças diferentes com que a natureza terá agraciado a cada um para o trabalho. (BAKUNIN, s.d., p. 94).

Assim, o princípio básico que orienta a proposta econômica de Bakunin é o de que as riquezas de um homem devem ser fruto de suas próprias obras, não devendo ninguém enriquecer-se explorando o trabalho de outro. O trabalho torna-se, assim, o referencial central para a produção e distribuição das riquezas.

A socialização da produção: a federação de associações produtivas Para estabelecer a igualdade é necessária a eliminação da exploração do trabalho humano e, portanto, a eliminação da propriedade privada. Enquanto os capitalistas forem donos da propriedade, a divisão entre o capital e o trabalho permanecerá. Trata-se de, portanto, abolir a exploração do trabalho coletivo. Ninguém tem o poder sobre o trabalho de ninguém. Bakunin propõe a eliminação da propriedade privada e a completa socialização dos meios de produção, de forma que os instrumentos de produção e os produtos da propriedade coletiva sejam revertidos para os trabalhadores.

Sem nenhuma espoliação, mas pelos esforços e pelas forças econômicas das associações operárias, o capital e os instrumentos de trabalho se tornarão propriedade dos que os utilizarem para a produção de riquezas pelo seu próprio trabalho. (BAKUNIN, 1999, p. 69).

Assim, a terra deve ser socializada e são os trabalhadores quem devem gozar de seus frutos.

É preciso que reconheça que a terra, dom gratuito da natureza a cada um, não pode e não deve ser propriedade de ninguém. Mas que seus frutos, enquanto produto do trabalho, devem reverter unicamente para os que cultivam com suas próprias mãos. (p. 60).

É justamente nesta questão da propriedade coletiva que está presente uma das principais divergências entre Proudhon e Bakunin. Proudhon achava que alguma forma de propriedade familiar deveria existir, enquanto Bakunin propunha a total socialização da propriedade. Para Bakunin, a socialização da produção tem como fundamento a centralidade do trabalho. Somente os trabalhadores têm os direitos sociais e políticos, e somente os trabalhadores colherão os frutos produzidos coletivamente. A transformação econômica, apontada por ele, propõe a criação de associações produtivas, que serão as proprietárias do capital que lhes são necessárias para o desenvolvimento das atividades. Essas associações produtivas funcionam como a união de trabalhadores que realizam determinado trabalho. A associação será livre. O trabalhador se quiser desenvolver seu trabalho sozinho poderá. Porém, Bakunin acreditava que com exceção dos trabalhos em que a criatividade individual fosse importante, o homem tenderia a se associar, pois desta maneira trabalharia menos e ganharia mais. (BAKUNIN, 1999, p. 104). Essas associações produtivas estariam federalizadas, constituindo assim uma imensa federação econômica que levando em consideração a oferta e a procura, reparte e distribui a produção entre os diferentes países e regiões. (BAKUNIN, 1999, 105).

A eliminação do direito de sucessão e de propriedade Para a constituição desta igualdade é preciso abolir o direito de sucessão. A herança de cargos, fortunas, honras, propriedades, etc, deve ser extinta. O princípio sobre o qual toda a idéia do direito de sucessão é abolida é o de que cada homem deve ser o fruto de suas obras.

... devemos repudiar a hereditariedade fictícia da virtude, das honras e dos direitos, assim como a da fortuna. O herdeiro de uma forma qualquer não é mais o filho de suas obras e, em relação ao ponto de partida, é um privilegiado.

A abolição do direito de herança é fundamental para a abolição das classes sociais, pois enquanto houver um grupo que detém a propriedade e a transmite para seus filhos, a divisão entre uma classe proprietária e a classe dos deserdados permanecerá.

Enquanto este direito existir, a diferença hereditária das classes, das posições, das fortunas, a desigualdade social e o privilégio substituirão, senão de direito ao menos de fato, por uma lei inerente à sociedade que produz sempre a igualdade dos direitos... (BAKUNIN, 1999, p. 95).

Assim, cada um vive do seu trabalho e as riquezas materiais que conseguir com ele não servirá para acumular uma riqueza que vai sendo passada de geração para geração até algumas pessoas deterem o poder de recriar a propriedade privada dos meios de produção.

A eliminação da divisão entre trabalho intelectual e manual Uma outra transformação econômica é a eliminação da divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual. O trabalho intelectual, que é apropriado pelos privilegiados capitalistas, compreende “(...) as ciências, as artes, a idéia, a concepção, a invenção, o cálculo, o governo e a direção geral ou subordinada das forças operárias”. (BAKUNIN, 1999, p. 99). O trabalho manual, de que se ocupa o povo, se define pela “(...) execução manual reduzida a uma ação puramente mecânica, sem inteligência, sem idéia (...)” (idem, ibidem). A divisão entre trabalho intelectual e manual acarreta males. Os burgueses tornam-se cada vez mais mesquinhos no mundo intelectual e moral, pois “(...) todo lazer privilegiado, longe de fortificar o espírito, o debilita, o desmoraliza e o mata”. (BAKUNIN, 1999, p. 100). Assim, o burguês acaba por tornar o seu tempo livre em “(...) ociosidade, corrupção, desregramento, ou ainda servirá dele como de uma arma terrível para submeter ainda mais as classes operárias (...)”. (idem, p. 101). O povo é embrutecido com a divisão do trabalho. Ela torna o trabalho algo privado de inteligência e de lazer e, portanto, algo que o degrada. “(...) ele trabalha para outrem, e seu trabalho, privado de liberdade, de lazer e de inteligência, e por isso mesmo alvitado, o degrada, o esmaga e o mata”. (BAKUNIN, 1999, p. 101). A produção da sociedade também sofre com esta separação entre trabalho intelectual e manual. A força bruta separada da inteligência e a inteligência separada da força física são incapazes de produzir o quanto poderia se esta separação não existisse. Bakunin propõe, assim, o surgimento de uma única ação produtiva: todos trabalham e todos pensam.

Quando o homem de ciência trabalhar e o trabalhador pensar, o trabalho inteligente e livre será considerado como o mais belo título de glória para a humanidade, como a base de sua dignidade, de seu direito, como a manifestação de seu poder humano na terra; e a humanidade será constituída. (BAKUNIN, 1999, p. 104).

3.2. A transformação política


Para os coletivistas, a nova sociedade precisa construir uma estrutura igualitária na economia, mas também igualitária na política, de forma que todos os trabalhadores possam participar diretamente das decisões e da gestão da nova sociedade. Esta posição se deve, em grande parte, à concepção de autoridade que os coletivistas possuem. O que é a autoridade?

Destruir a autoridade infalível Para Bakunin, existem vários tipos de autoridade. Existe a autoridade das leis naturais, isto é, o reconhecimento de que existe um fato natural que é inevitável, como o fato do fogo queimar, dos corpos tenderem ao chão devido à gravidade e etc. Estas leis naturais, só são chamadas de leis porque os homens a sistematizaram e a denominaram de leis. Porém, não existe nenhuma autoridade externa que as impõe. A natureza é o que é e seria ridículo se revoltar contra o fato do fogo se queimar. Simplesmente é assim. Este tipo de autoridade, obviamente, não é contestado pelos coletivistas. Outro tipo de autoridade é a autoridade dos homens especiais, isto é, a autoridade que cada pessoa tem sobre aquele conhecimento que ela possui. Neste sentido, o sapateiro tem autoridade para falar de sapatos e o pedreiro para levantar muros. Esta autoridade, que é natural, visto que o conhecimento é imenso e não se desenvolve de forma homogênea entre as pessoas, sempre havendo pessoas que desenvolveram habilidades em uma coisa, e pessoas que desenvolveram em outra, os coletivistas também não negam. Pelo contrário, esta é a autoridade que deve ser buscada em toda a sociedade, a autoridade do mandar obedecendo. As tarefas se dividem, mas alguns mandam em algumas coisas, outros mandam em outras, alguns são delegados para determinada coordenação, mas outro é delegado posteriormente de forma que nenhuma autoridade se petrifica, nenhuma autoridade se torna universal e infalível com o poder de decidir definitivamente sobre o coletivo. Esta é a autoridade do mandar obedecendo, todos mandam e todos obedecem, de forma que ninguém tem maior poder sobre todos.

Inclino-me diante da autoridade dos homens especiais porque ela me é imposta pela minha própria razão. Tenho consciência de só poder abraçar, em todos os seus detalhes uma parte muito pequena da ciência humana. A maior inteligência não bastaria para abraçar tudo. Daí resulta, tanto para a ciência quanto para a indústria, a necessidade da divisão e da associação do trabalho. Recebo e dou, tal é a vida humana. Cada um é dirigente e cada um é dirigido por sua vez. Assim, não há nenhuma autoridade fixa e constante, mas uma troca contínua de autoridade e de subordinação mútuas, passageiras e sobretudo voluntárias. (BAKUNIN, s.d., p. 42).

Assim, o terceiro tipo de autoridade é que é combatida pelos coletivistas, a autoridade infalível. É a autoridade em que uma pessoa ou um grupo de pessoas detém o poder de decidir sobre todos o que diz respeito a todos. Para Bakunin é preciso rejeitar esta autoridade por diversos motivos. Primeiro, porque não há homem universal ou infalível, homem que possa saber de tudo e que seja, por isso, capacitado para mandar em todos.

(...) não há homem universal, homem que seja capaz de aplicar sua inteligência nesta riqueza de detalhes sem a qual a aplicação da ciência à vida não é absolutamente possível, a todas as ciências, a todos os ramos da atividade social. (BAKUNIN, s.d., p. 42).

Em segundo lugar, quando os homens investem alguém ou alguns em um poder acima de todos os outros, se tornam incapazes de pensarem por si mesmos e são destinados à obediência simples e ignorante. Desta forma, a autoridade infalível “reduziria todos os outros à escravidão e à imbecilidade”. (BAKUNIN, s.d., p. 42).

Em terceiro lugar, o homem que ocupa uma posição de autoridade infalível e, por isso, uma posição de privilégio, tende a se tornar um charlatão, um corrupto, um opressor. Ainda que tenha as melhores intenções, a posição superior que adquire, posição privilegiada, gera uma mudança de caráter e de perspectiva. Desta forma, uma mudança de posição, de um homem igual a todos os outros a um homem com poder e privilégio acima dos demais cria neste homem uma mudança do lugar em que vê o mundo, e, portanto, uma mudança de ótica.

Isto é, o que também explica como e porque os democratas mais radicais, os rebeldes mais violentos se tornam os conservadores mais cautelosos assim que obtêm o poder. Tais retratações são geralmente considerados atos de traição, mas isto é um erro. A causa principal é apenas a mudança de posição e, portanto, de perspectiva. (BAKUNIN, 1986, p. 99).

Assim, os coletivistas condenavam a autoridade infalível, pois fazer uma revolução e eleger uma autoridade seja sob a forma de Estado democrático ou ditatorial, seria o mesmo que criar os novos senhores e os novos exploradores do povo. O Estado é a maior expressão da autoridade infalível, juntando-se a isto o seu caráter de classe, o qual já comentamos e que é um elemento fundamental para o pensamento bakuninista, faz-se necessário não só a sua destruição, mas a constituição de uma nova forma de organização política, uma forma que se estruture de baixo para cima, um poder descentralizado, em que todos os trabalhadores tenham o poder de protagonizar a política, gerindo a sociedade sem a necessidade de um grupo acima de todos os outros.

Uma nova forma de organização: o Federalismo Entretanto, como poderiam os trabalhadores participar diretamente das decisões políticas e da gestão da nova sociedade? Como seria possível uma sociedade baseada em uma estrutura horizontal sem a existência de um poder investido de autoridade infalível? Como seria possível a organização da sociedade sem Estado? Primeiro de tudo, é preciso desfazer uma confusão muito comum na atualidade em relação ao pensamento anarquista. Muitos acreditam que o anarquismo quer destruir o Estado e deixar com que naturalmente a sociedade encontre a sua ordem natural. Isto já esteve presente em algumas correntes do anarquismo, que acreditando no espontaneísmo e em uma certa harmonia natural da sociedade, tendiam a ignorar a importância de se pensar um método de organização política para a futura sociedade. Isto não é o caso dos coletivistas. Eles tinham como método o Federalismo. Trata-se de um método de organização da sociedade de forma horizontal que torna possível todos os trabalhadores participarem diretamente das decisões políticas da sociedade. O método federalista teve como precursor o anarquista francês Proudhon. Entendamos o que Proudhon diz sobre a federação. Para ele,

Federação, do latin foedus, genitivo foederis, quer dizer, pacto, contrato, tratado, convenção, aliança, etc., significa um convênio pelo qual um ou muitos chefes de família, um ou muitos municípios, um ou muitos grupos de municípios ou Estados, se obrigam recíproca e igualmente uns com os outros, com o fim de chegar a um ou muitos objetos particulares que desde então pesam sobre os delegados da federação de uma maneira especial e exclusiva. (PROUDHON, 2003, s.p.).

A Federação significa, portanto, acordos livres que ligam um indivíduo a outros indivíduos, uma associação de um município a outras associações do mesmo lugar, um município a outros municípios, uma nação a outras nações. Esta proposta de federação é estruturada de baixo pra cima através de acordos em que todos os envolvidos participam diretamente do debate e da decisão. Por isso, dizia Proudhon:

No sistema federativo, o contrato social é mais do que uma ficção; ele é um pacto real e efetivo, que é verdadeiramente proposto, discutido, votado, aprovado, e está sempre susceptível de modificações regulares de acordo com a vontade dos interessados. (PROUDHON, 2003, s.p.).

O método federalista é, assim, uma forma de garantir com que as pessoas estejam associadas livremente e de forma horizontal. Eu me associo com alguém porque fazemos um acordo mútuo, acordo que surge de nosso debate e de nossa conclusão coletiva. Assim, para Proudhon, esta deve ser a forma política da nova sociedade. Os indivíduos se associam de igual para igual formando uma associação, as associações se associam livremente formando uma Comuna, uma Comuna se federa formando uma Nação, uma Nação se associa com outras Nações formando uma Comunidade Internacional. Desta forma, o vínculo entre o indivíduo e a associação, entre a associação e a Comuna, entre a Comuna e a Nação, entre a Nação e a Comunidade Internacional não está garantido pela força bruta imposta de cima pra baixo, mas pela livre necessidade e vontade de todos os membros. Isto é uma organização livre, autônoma, horizontal e participativa. Bakunin irá defender o princípio federativo criado por Proudhon. Entretanto, ele o torna um princípio mais orgânico, mais coordenado. Para Proudhon, as pessoas se associam quando querem e se houver necessidade. Bakunin, compreendendo o desenvolvimento do capitalismo e da complexidade da sociedade moderna, achava que a necessidade de associação estava presente e que, portanto, a federação seria algo sólido, coeso, cuja autonomia e a unidade conviveriam, pois, por mais que a associação fosse voluntária e não obrigatória, a necessidade de associação e federação seria mais do que necessária e a união entre as pessoas em nível local, regional, nacional internacional se faria presente de forma coesa.
Assim, para Bakunin, é no federalismo, onde se respeita mais a autonomia, que a unidade e a coesão é maior, porque é uma coesão real, firmada nas necessidades reais do povo, enquanto, a unidade do Estado é uma unidade artificial sustentada pela força.

(...) (devemos) reemplazar en ellas (las naciones) la antigua organización fundada de arriba a abajo sobre la violencia y sobre el principio de la autoridad, por una organización nueva que no tenga otra base que los intereses, las necesidades, y las atracciones naturales de los pueblos, ni otro principio que la federación libre de los individuos en las comunas, de las comunas en las provincias (1), de las provincias en las naciones, en fin, de éstas en los Estados Unidos de Europa primero y más tarde del mundo entero.

3.3. A transformação intelectual e moral


Mas, uma revolução econômica e política bastam para a emancipação dos trabalhadores? Isto é:

Poderá ser a emancipação das massas completa, enquanto a instrução que as massas recebem for inferior aquela que é dada aos burgueses, ou enquanto houver uma classe qualquer em geral, numerosa ou não, mas que, pelo seu nascimento, seja chamada aos privilégios duma educação superior e duma instrução mais completa?

Não só são necessárias uma revolução econômica e política como também uma revolução intelectual, que possa propiciar a socialização de todo o conhecimento produzido pelo homem. Pois, para Bakunin, enquanto houver um grupo de pessoas que têm maior acesso ao conhecimento que as outras, haverá dominação da minoria sobre a maioria. Mesmo que haja igualdade econômica, a minoria inteligente tenderá a encontrar meios de explorar a maioria ignorante.

Aquele que sabe mais dominará naturalmente aquele que sabe menos; e se existisse entre duas classes apenas essa diferença de educação e de instrução, esta diferença produzirá em pouco tempo todas as outras, o mundo humano voltará ao seu estado atual, isto é, dividido de novo numa massa de escravos e num pequeno número de dominadores, os primeiros trabalhando, como hoje, para os segundos. (BAKUNIN, 1979, p. 32).

É necessário, portanto, exigir não mais um pouco de educação para o povo, pelo contrário, é preciso exigir a instrução integral, isto é, a instrução plena, a socialização completa de todo o conhecimento produzido pelos homens.

Exigimos para o povo a instrução integral, toda a instrução, tão completa quanto o permite a capacidade intelectual do século, a fim de que acima das massas, não possa existir nenhuma classe que saiba mais do que eles, que os possa dominar e explorar. (BAKUNIN, 1979, p. 32).

No entanto, é preciso ter claro que a instrução integral não é possível no interior da sociedade capitalista. Nesta sociedade, o trabalhador está destinado pelas próprias condições econômicas a ser marginalizado da instrução. Não possui tempo nem dinheiro para se dedicar ao seu desenvolvimento intelectual, tornando-se embrutecido pelo trabalho. Assim, toda a produção de conhecimento, todo avanço científico e artístico, está destinada a aumentar o abismo entre a burguesia e o proletariado. Cada descoberta intelectual, ao invés de servir a toda sociedade e de ser socializada, serve apenas a quem tem dinheiro, e só é compreensível a quem desenvolveu o intelecto longe do trabalho manual e repetitivo das fábricas.

Os progressos (da ciência) são imensos! Sim, é verdade. Mas quanto mais imensos são, mais se tornam causa de escravatura intelectual, e por conseqüência também material, causa de miséria e de inferioridade para o povo; porque cada vez mais se alarga o abismo que separa já a inteligência popular das classes privilegiadas. (BAKUNIN, 1979, p.34).

O grau de conhecimento depende das divisões econômicas. O trabalhador, por sua condição de classe, está excluído do conhecimento produzido por todos, e o burguês, disponível com tempo e dinheiro, pode comprar todo o conhecimento científico e artístico e se apossar de cada um de seus avanços. Este abismo intelectual entre a burguesia e o proletariado só poderá acabar com a destruição das condições econômicas que o geram, portanto, com a destruição do capitalismo. Por isso, Bakunin critica os reformistas, que querem mudar o capitalismo através da educação. Eles não entendem que o trabalhador, enquanto estiver nesta posição econômica lhe imposta pelo capitalismo, não tem o tempo e o dinheiro necessários para se dedicar efetivamente à educação e, portanto, o acesso que possuirá ao conhecimento intelectual neste sistema sempre será menor que o da burguesia. Desta forma, se queremos uma educação igualitária, não é possível consegui-la na sociedade capitalista. É preciso abolir as estruturas econômicas para que a instrução integral seja verdadeira. E assim, quando todos trabalharem tiverem os meios de produzir a sua própria existência, todos também poderão dedicar-se ao trabalho intelectual. Quando ninguém viver da exploração do trabalho do outro, ninguém deverá monopolizar a produção e a distribuição do conhecimento produzido pelos seres humanos.

Essa relação dialética entre economia e conhecimento no pensamento bakuninista supera tanto o idealismo educacionista quanto o economicismo determinista. Não é possível transformar a educação sem transformar as estruturas econômicas, mas, ao mesmo tempo, de nada adianta transformar as estruturas econômicas se não se possibilitar, imediatamente após a mudança econômica, uma educação integral.

Eliminação da divisão entre trabalho manual e intelectual e a instrução integral

Bakunin chegou a apontar alguns elementos fundamentais para uma instrução integral. A primeira e óbvia questão é a da eliminação da divisão entre trabalho manual e intelectual. Uma educação libertária passa por uma sociedade em que a prática de vida não reproduz a divisão entre aqueles que só desenvolvem o trabalho manual, e por isso se alienam do intelecto e das idéias, e aqueles que só desenvolvem o trabalho intelectual, e por isso se alienam da realidade, produzindo teorias cada vez mais abstratas e longe de uma realidade material.

toda a gente deve trabalhar e toda a gente deve receber instrução (...) estamos convencidos de que o homem vivo e completo, cada uma destas duas atividades, muscular e nervosa, deve ser igualmente desenvolvida e que, longe de se anularem mutuamente, cada uma delas deve apoiar, alargar e reforçar a outra; a ciência do sábio se tornará mais fecunda, mais útil e mais vasta quando o sábio deixar de ignorar o trabalho manual, e o trabalho do operário instruído será mais inteligente e por conseguinte mais produtivo do que o do operário ignorante. (BAKUNIN, 1979, p. 38).

Uma reorientação socialista faz o conhecimento atender aos interesses de todos os trabalhadores.

Em uma sociedade em que não haja a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual, a produção do conhecimento será destinado a toda a sociedade e não estará, como na sociedade capitalista, restrita à burguesia e responsável pelo aumento do abismo e da dominação da classe dominante sobre as massas proletárias. A partir do momento em que, em uma sociedade, quem produz trabalho intelectual também trabalha manualmente, toda a produção científica, intelectual e artística passa a estar integrada aos interesses dos trabalhadores. Se no capitalismo, o cientista visa atender aos burgueses com as suas descobertas, em uma sociedade igualitária e livre, esta ciência pela própria prática de quem a produz serve aos interesses dos trabalhadores.

Daqui resulta que os homens que, pela sua inteligência superior, estão hoje empenhados exclusivamente no mundo da ciência e que uma vez inseridos nesse mundo, cedendo à necessidade de manterem uma posição completamente burguesa, canalizam todas as suas intenções para a utilização exclusiva da classe privilegiada de que eles próprios fazem parte, - que esses homens, uma vez tornados solidários com todo o mundo, solidários não na imaginação nem em palavras apenas, mas na prática, pelo trabalho, canalizarão todas as suas descobertas e as aplicações da ciência em proveito de todo o mundo, e, antes de mais, do melhoramento e enobrecimento do trabalho, a única base real e legítima da sociedade humana. (BAKUNIN, 1979, p. 38).

Em uma sociedade socialista o avanço científico e tecnológico diminui?

Uma questão sempre colocada aos revolucionários, sejam eles anarquistas ou marxistas, é sobre o avanço tecnológico em uma sociedade socialista. É evidente, e Marx no Manifesto Comunista expressa isto muito bem, que o capitalismo foi o grande motor do desenvolvimento científico e tecnológico. Nunca, em toda a história da humanidade, as sociedades produziram tanto avanço técnico em curtos períodos de tempo. Obviamente, o desenvolvimento técnico no capitalismo se dá impulsionado pela burguesia, uma classe composta por indivíduos que concorrem entre si em busca de cada vez maior lucro. Abolida a burguesia e a concorrência entre os indivíduos, uma sociedade socialista não tenderia a diminuir o avanço científico e tecnológico? Para Bakunin, é natural que logo após a revolução social, este progresso técnico tenda a diminuir. Entretanto, a longo prazo, com uma educação integral, a sociedade socialista alargaria o número de pessoas produzindo saber, e um saber não mais voltado para interesses supérfluos de uma classe luxuosa, possibilitando um crescimento tecnológico universal. Quando a instrução integral, dentro de uma sociedade socialista, possibilitar que todos os homens produzem ciência, o progresso científico ultrapassaria o atual, limitado a uma pequena elite intelectual.

É possível e mesmo muito provável que no período de transição mais ou menos longo que sucederá naturalmente à grande crise social; as ciências mais avançadas desçam abaixo do seu nível atual; como é indubitável que o luxo e tudo o que constitui os requintes da vida, deverá desaparecer durante muito tempo, para só reaparecer, não como usufruto exclusivo mas como enobrecimento da vida de toda a gente, logo que a sociedade tenha conquistado o necessário à vida de todos. Mas será este eclipse da temporário da ciência superior a uma grande desgraça? Aquilo que perderá em elevação sublime, ganhará no alargamento da sua base? Sem dúvida, haverá menos sábios ilustres, mas ao mesmo tempo muitíssimos menos ignorantes. Deixará de haver homens que tocam os céus, mas, em contrapartida, milhões de homens hoje aviltados, esmagados, caminharão humanamente na terra: nem semi-deuses, nem escravos. Os semi-deuses e escravos se humanizarão simultaneamente, uns descendo um pouco, os outros subindo muito. Deixará então de haver lugar para o endeusamento quer para o desprezo. Todos se darão as mãos e, uma vez unidos, caminharão com renovado entusiasmo para novas conquistas, tanto na ciência como na vida. (BAKUNIN, 1979, p. 39).

Estamos convencidos de que uma vez conquistada essa nova base, os progressos da humanidade, tanto na ciência como na vida, depressa ultrapassarão tudo o que até agora se viu e tudo o que é hoje possível imaginar. (BAKUNIN, 1979, p. 39).

A instrução integral não vem para homogeneizar o homem, mas pelo contrário para proporcionar a maior diversidade na mais perfeita igualdade

A socialização do conhecimento gerada pela nova sociedade através da nova estrutura econômica e política e da instrução integral criará homens trabalhadores e pensantes, homens que terão os meios reais de desenvolver todas as suas potencialidades materiais, morais e intelectuais. Mas, os pensadores burgueses colocavam a seguinte questão para problematizar o alcance da instrução integral e do socialismo: “serão todos os indivíduos igualmente capazes de alcançarem o mesmo grau de instrução?” (BAKUNIN, 1979, p. 39). Isto é, mesmo em uma sociedade socialista, não haveria entre os milhares de indivíduos, “um sem número de diferenças de energia, de tendências naturais e de aptidões?”. Então a igualdade é impossível, porque cada indivíduo é diferente do outro, ainda que tenha acesso ao mesmo processo de educação. Para Bakunin, é justamente porque os homens são diversos, justamente porque nenhum indivíduo é igual ao outro, é justamente por isso que a igualdade econômica, política e a instrução integral são necessárias. Pois em uma sociedade desigual, os indivíduos não podem desenvolver suas potencialidades intelectuais. São limitados pela condição da classe em que nasceu. Em uma sociedade igualitária, pelo contrário, cada um poderá desenvolver as suas aptidões e potencialidades em condições iguais. Somente nesta sociedade igualitária, a diversidade poderá se desenvolver.

Não há árvore que tenha duas folhas iguais. Com muito mais razão será verdade para os homens que são muito mais complexos do que as folhas. Mas esta diversidade, longe de ser um mal, é, pelo contrário, como muito bem observou o filósofo alemão Feuerbach, uma riqueza da humanidade. A humanidade é, graças a ela, um todo coletivo, em que cada um completa o todo, e dele necessita; essa infinita diversidade é, assim, a principal causa e fundamento da solidariedade entre os seres humanos, um poderoso argumento a favor da igualdade. (BAKUNIN, 1979, p. 41).

O Ensino na nova sociedade
Mas, como funcionaria a ensino em uma nova sociedade? Para Bakunin, o ensino deveria ser dividido em duas partes. 1) O Ensino Científico, 2) O Ensino Industrial. O primeiro se preocuparia mais com as questões teóricas e conceituais, enquanto o segundo com a habilidade necessária para o trabalho manual. O Ensino Científico e o Industrial possuem uma parte geral e uma parte especial. A parte geral será obrigatória para todas as crianças e corresponderá ao conhecimento amplo e básico do conhecimento científico e intelectual, e do conhecimento das industrias e do trabalho manual. Trata-se, portanto, de preparar a criança para, ao chegar à adolescência, optar por uma industria e um trabalho para trabalhar, por um lado, e uma faculdade ou ciência para se aprofundar, por outro. Este aprofundamento se dá na parte especial. Nesta, o jovem escolhe livremente o seu trabalho manual e sob a orientação de professores terá uma aprendizagem mais profunda sobre o trabalho que pretende desenvolver, ao mesmo tempo, o jovem escolhe a faculdade em que estudará, aprofundando a ciência a que pretende se dedicar. É importante perceber que o adolescente deve ser livre para escolha a parte especial a que se dedicará, tanto no que diz respeito ao trabalho manual quanto no que diz respeito ao trabalho intelectual.

... os mestres escola e os pais de família, ao determinarem arbitrariamente o futuro das crianças, interrogam muito mais os seus próprios gostos do que as tendências naturais das crianças; como, em resumo, as faltas cometidas pelo despotismo são sempre mais funestas e menos responsáveis do que as cometidas pela liberdade, sustentamos total e plenamente, contra todos os tutores oficiais, oficiosos, paternais e pedantes do mundo, a liberdade das crianças escolherem e determinarem a sua própria carreira. Se se enganarem, o próprio erro cometido lhes servirá de lição eficaz para o futuro, e a instrução geral que terão recebido, ao servir-lhes de ponto de referência, lhes permitirá facilmente voltar ao caminho que a própria natureza lhes aponta. Tanto as crianças como os homens maduros, não se tornam sábios senão através de sua própria experiência, e nunca pela dos outros. (BAKUNIN, 1979, p. 44).

Além deste Ensino Industrial e Ensino Científico, e paralelo a eles, Bakunin fala de um Ensino Moral. Trata-se de um ensino prático da moral humana, um ensino que não é teórico, mas uma sucessão de experiências. Para Bakunin, esta moral humana é a nova moral da nova sociedade, que desbanca a moral divina na qual os homens são treinados na sociedade atual.

A moral divina baseia-se nestes dois princípios de imorais: o respeito pela autoridade e o desprezo pela humanidade. A moral humana, pelo contrário, funda-se no desprezo pela autoridade e no respeito pela liberdade e pela humanidade. A moral divina considera o trabalho como uma degradação e uma humilhação; a moral humana vê nela a condição suprema da felicidade e dignidade humanas. A moral divina conduz, necessariamente à política que só reconhece direitos àqueles que, devido à situação econômica privilegiada, podem viver sem trabalhar. A moral humana, só diz respeito àqueles que trabalham; ela considera que só pelo trabalho o homem se torna homem. (BAKUNIN, 1979, p. 45).

Assim, esta nova moral humana, através da sucessão de experiências concretas, forneceria um ensino para cada criança e jovem. Uma destas experiências seria a própria educação da criança, que teria como ponto de partida as autoridades, que lhes são responsáveis pelo ensino geral, mas que estimularia um processo em que a própria criança possa protagonizar a sua própria vida, decidindo o seu trabalho, os seus estudos e a sua forma de agir sobre o mundo.

A educação das crianças, tendo como ponto de partida a autoridade, deve gradualmente conduzir à mais completa liberdade. Nós entendemos a liberdade, do ponto de vista positivo, o pleno desenvolvimento de todas as faculdades que o homem possui; e do ponto de vista negativo, a inteira independência da vontade de cada um face aos outros. (BAKUNIN, 1979, p. 45).

Assim, a moral humana é uma moral prática que é decorrente da própria vida nesta nova sociedade. Ela é o resultado das experiências e das influências sociais sobre o homem. Decorre daí a importância do que Bakunin denomina de opinião pública. A opinião pública é o conjunto das influências sociais dominantes, expresso pela consciência solidária e geral de um grupo humano mais ou menos extenso. (BAKUNIN, 1979, p. 46). Ela é a educadora do homem por excelência. Ela é a responsável por formar uma nova moral e pelo ensino desta moral humana.

4) Os Meios


Como abolir o Estado, a propriedade privada e os mecanismos de dominação burgueses e criar uma nova forma de organização política, econômica e cultural? Quais são os meios mais adequados para chegar a estes fins? Bakunin apontou alguns elementos que eram fundamentais para pensar uma estratégia de ação para chegar aos objetivos desejados.

4.1. A necessidade da revolução violenta


Primeiramente, para Bakunin, uma transformação radical na sociedade no sentido da liberdade e da igualdade não poderá ser fruto de uma evolução gradual natural e pacífica. Será necessário uma revolução, um processo de ruptura, pois a burguesia se voltará contra a transformação e colocará todos os seus instrumentos de domínio e coerção em sentido contrário à transformação.

É preciso que seja revolucionário. Ele deve compreender que uma transformação tão completa e radical da sociedade, devendo necessariamente determinar a ruína de todos os privilégios, de todos os monopólios, de todos os poderes constituídos, não poderá naturalmente efetuar-se por meios pacíficos; que, pela mesma razão, terá contra ela todos os poderosos, todos os ricos, e por ela, em todos os países, apenas o povo, assim como esta parte inteligente e nobre da juventude que, embora pertencendo por nascimento às classes privilegiadas, por suas convicções generosas e por suas ardentes aspirações, abrace a causa do povo. (BAKUNIN, 1999, p. 60).

4.2. A internacionalização da revolução


Esta revolução social deverá ocorrer não só em um país, mas deverá se espalhar por todo o mundo. Deve ser uma revolução internacional se quiser ter a força necessária para enfrentar o capital organizado internacionalmente.

É preciso que compreenda, ao mesmo tempo, que esta revolução, cosmopolita por excelência, como o são igualmente a justiça e a liberdade, só poderá triunfar se, ultrapassando como um incêndio universal as barreiras estreitas das nações e fazendo desmoronar todos os Estados no seu caminho, abranger primeiramente toda a Europa, logo o mundo. É preciso que compreenda que a revolução social se tornará necessariamente uma revolução européia e mundial. (BAKUNIN, 1999, p. 62).

Assim, será necessário que a revolução tendo começado em um país, busque imediatamente se alastrar por todo o mundo, criando uma federação revolucionária que dê continuidade à luta e que ao mesmo tempo vá criando o novo modo de organização da vida social e política.

A impossibilidade de sucesso de uma revolução nacional isolada e a consequente necessidade de uma aliança e de uma federação revolucionária de entre todos os povos que querem a liberdade. (BAKUNIN, 1999, p. 66).

Essa federação revolucionária deverá ter um programa comum que consiga levar em consideração as necessidades de cada nação e ao mesmo tempo respeite as suas diferenças. Este programa precisa basear-se nos princípios de socialização e federalismo.

A impossibilidade de tal federação ou aliança sem um programa comum que satisfaça igualmente os direitos e as legítimas necessidades de todas as nações e que, sem considerar os assim chamados direitos históricos, nem o que se chama a necessidade ou salvação dos Estados, nem as glórias nacionais, nem qualquer outra pretensão vaidosa ou ambiciosa de prepotência ou força, coisas que um povo deve saber rejeitar se quiser ser verdadeiramente livre, tendo somente, por fundamento e por princípio, a liberdade igual para todos e a justiça. (BAKUNIN, 1999, p. 66).

Uma outra questão importante para uma estratégia revolucionária é que o movimento revolucionário não deve concentrar toda a sua força em um único ponto para depois de libertar um local sair em expedição pelo país visando a sua tomada completa. As forças revolucionárias devem estar espalhadas por todos os pontos de um país e não fazer uma expedição, mas uma revolução popular que possa ter a participação dos oprimidos.

... a revolução deverá adquirir o caráter local no sentido de que não deverá começar por uma grande concentração de todas as forças revolucionárias de um país em um único ponto; nem adquirir jamais o caráter romanesco e burguês de uma expedição revolucionária, mas, surgindo ao mesmo tempo em todos os pontos de um país, terá o caráter de uma verdadeira revolução popular na qual tomarão igualmente parte mulheres, velhos, crianças e que, por isso mesmo, será invencível. (BAKUNIN, 1999, p. 70).

4.3. A atuação em dois níveis, político e social


A atuação dos coletivistas dava-se em dois níveis: 1) um nível clandestino, político, a organização de uma sociedade secreta; 2) e um nível público, social, a atuação no interior do movimento dos trabalhadores. Ao sair da prisão na Sibéria em 1861, Bakunin se dedicou à construção da Fraternidade Revolucionária Internacional, uma organização secreta que deveria reunir militantes revolucionários sérios que estivessem profundamente comprometidos com a causa revolucionária. Tratava-se de um pequeno partido composto por militantes que tivessem clareza dos princípios, fossem confiáveis e estivessem dispostos a dedicar toda a vida à causa revolucionária.

Então era absolutamente necessário sustentar alto a bandeira dos princípios teóricos, expor bem alto estes princípios em toda sua pureza, a fim de formar um partido pouco numeroso que fosse, mas composto unicamente por homens que estivessem sinceramente, plenamente, apaixonadamente ligados a estes princípios, de modo que cada um, em tempo de crise, pudesse contar com todos os outros. (BAKUNIN, s.d., p. 54).

A Fraternidade, que após alguns anos iria assumir o nome de Aliança da Democracia Socialista, iniciou a sua atuação no interior da Liga pela Paz e Liberdade. Esta liga era uma organização de caráter liberal radical, em que tinha grande peso os republicanos. A Aliança atuava no interior desta associação, visando radicalizá-la, torná-la socialista e federalista, ou ao menos, conseguir novos quadros que no interior da liga teriam acesso às idéias bakuninistas e se uniriam à organização. Em 1868, os aliancistas ingressaram na Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), a Internacional, e passaram a atuar no interior desta organização popular que já possuía neste momento uma grande mobilização de trabalhadores. Abandonaram a Liga e centraram-se no interior da Internacional. A AIT era uma organização social que aglutinava os trabalhadores, independentemente de programa político e idéias religiosas, em torno da luta econômica contra a exploração dos patrões. Havia sido fundada em 1864, a partir da influência forte de proudhonianos, e, desde o seu surgimento, fortaleceu associações de trabalhadores por todo o mundo, vinculando-as organicamente. É com o início da atuação da Aliança no interior da Internacional, que torna-se mais claro o modo como os coletivistas viam a necessidade de dois níveis de atuação, diferenciando-os de acordo com o que compete a cada um.

4.3.1. O nível social: a Internacional



Compreender o que compete ao nível social, significa compreender a função social da Aliança, da organização política coletivista, isto é, compreender o modo como o partido anarquista pensava a sua atuação social no interior da Internacional. Para isto, precisamos retomar alguns aspectos fundamentais do programa dos coletivistas.

O protagonismo popular das massas campesinas e urbanas O protagonista da revolução social é o povo, isto é, as massas de trabalhadores urbanos e rurais que estão privados de propriedade e portanto são explorados pelos capitalistas.

A revolução não deve ser feita unicamente para o povo, ela deve fazer-se pelo povo, e não poderá jamais ser vitoriosa se não captar ao mesmo tempo todas as massas campesinas e urbanas.” (BAKUNIN, 1999, p. 70).

Para Bakunin, não haverá revolução só com operários, pois estes acabariam tendo que impor ao camponês um modo de vida, e ao mesmo tempo não pode haver uma revolução só de camponeses. É preciso que trabalhadores urbanos e rurais, simultaneamente, estejam envolvidos no processo revolucionário como os verdadeiros protagonistas da transformação.

A sublevação do proletariado das cidades não é suficiente; com ela teríamos somente uma revolução política, que teria necessariamente contra ela a reação natural e legítima do povo dos campos, e esta reação, ou unicamente a indiferença dos camponeses, esmagaria a revolução das cidades, como aconteceu ultimamente na França. Só a revolução universal é suficientemente forte para inverter e quebrar o poder organizado do Estado, sustentado pelos recursos das classes ricas. Mas a revolução universal é a revolução social, é a revolução simultânea dos povos dos campos e das cidades. É isso que é preciso organizar, - porque sem uma organização preparatória, os elementos mais fortes são impotentes e nulos. (BAKUNIN, s.d., p. 64).

Uma outra questão relevante na percepção de Bakunin é a existência já na Europa do séc. XIX de uma diferenciação no interior do proletariado. Surgia em alguns países, como na Alemanha e na Suíça, uma classe operária privilegiada por altos salários. Para Bakunin, estes operários já estavam aburguesados e tinham uma tendência ao modo de pensar burguês. Estavam, em uma palavra, apegados ao instinto de propriedade. Para Bakunin, portanto, não era esse operário privilegiado o sujeito da revolução. Pelo contrário, era nos operários miseráveis, que lutavam quotidianamente contra a fome (os proletários esfarrapados), que estavam os germes da revolução. Livres do instinto de propriedade, pois não tinham nada, e dispostos a destruir para construir um mundo novo, eram a força e o espírito da revolução social.

Não existe na Itália com em muitos outros países da Europa, classe operária separada, em parte já privilegiada graças a altos salários, gabando-se inclusive de certos conhecimentos literários, e a tal ponto impregnada das idéias, das aspirações e da vaidade burguesas, que, os operários que pertencem a este meio, só se diferenciam dos burgueses por sua condição, de forma alguma por sua tendência. É sobretudo na Alemanha e na Suiça, que existem muitos operários deste tipo; todavia, na Itália, há bem poucos, tão poucos que eles estão perdidos na massa e não têm nenhuma influência sobre ela. O que predomina na Itália, é esse proletariado esfarrapado, dos quais o Srs. Marx e Engels e, em seguida, toda a Escola da social-democracia alemã, falam com o mais profundo desprezo, e bem injustamente, pois é nele, e apenas nele, e não na camada aburguesada da massa operária, que reside, na totalidade, o espírito e a força da futura revolução social. (BAKUNIN, 2003, p. 30).

Se a emancipação deveria ser obra do próprio povo oprimido, um grupo político não poderia fazer a revolução sem o povo, ao mesmo tempo em que não poderia se colocar acima do povo para encabeçá-lo como uma autoridade infalível. Como criar este protagonismo popular? Como atuar no nível social?

A Função da Internacional: a Solidariedade Econômica
Para compreendermos o modo como os coletivistas pensavam o estímulo ao protagonismo popular, é preciso entender o que eles consideravam como específico do nível social. Significa entender que na sociedade capitalista, somente uma minoria de homens se apega às idéias. A maior parte deles só é arrastada pela força dos fatos, só compreendem os seus males quotidianos e imediatos e não as causas gerais destes males. Assim, no nível social, é preciso aproximar-se do trabalhador partindo dessa sua realidade quotidiana, dos males diários que sofrem, das suas necessidades imediatas e não de idéias políticas e análises teóricas.

Só os indivíduos, e somente um pequeno número de indivíduos se deixa definir pela “idéia” abstrata e pura. Os milhões, as massas, não só no proletariado, mas também nas classes esclarecidas e privilegiadas, só se deixam arrastar pela força e pela lógica dos “fatos”, só compreendendo e encarando, a maior parte do tempo, os seus interesses imediatos e as suas paixões do momento, sempre mais ou menos cegos. Portanto, para interessar e para arrastar todo o proletariado na obra da Internacional, era preciso e é preciso aproximar-se dele não com idéias gerais e abstratas, mas com a compreensão real e viva dos seus males reais; e os seus males do dia a dia, ainda que apresentem um caráter geral para o pensador, e ainda que sejam na realidade efeitos particulares das causas gerais e permanentes, são infinitamente diversos, tomando uma multiplicidade de aspectos diferentes, produzidos por uma variedade de causas passageiras e reais. Tal é a realidade quotidiana destes males. Mas a massa do proletariado, que é forçada a viver sem pensar no dia de amanhã, agarra-se aos males de que sofre e dos quais é eternamente a vítima, precisa e exclusivamente nesta realidade, e nunca ou quase nunca na sua generalidade. (BAKUNIN, s.d. p. 68).

É preciso unificar os trabalhadores, no primeiro momento, em torno dos seus males particulares, quotidianos e concretos, em uma palavra, partir da questão econômica: o baixo salário, a falta de comida, a extensão da jornada de trabalho, etc. Males estes que todo trabalhador vivencia diretamente em sua realidade.

Então, para tomar o coração e conquistar a confiança, o consentimento, a adesão, a afluência do proletariado..., é preciso começar por lhe falar, não dos males gerais de todo o proletariado internacional, nem das causas gerais que lhe dão nascença, mas dos seus males particulares, quotidianos, privados. É preciso lhe falar de sua profissão e das condições do seu trabalho precisamente na localidade em que habita; da duração e da grande extensão do seu trabalho cotidiano, da insuficiência do seu salário, da maldade do seu patrão, da carestia dos víveres e da sua impossibilidade de nutrir e de instruir convenientemente a sua família. E lhe propondo meios para combater os seus males e para melhorar a sua posição, não é preciso lhe falar logo dos objetivos gerais e revolucionários que constituem neste momento o programa de ação da Associação Internacional dos Trabalhadores, tais como a abolição da propriedade individual hereditária e a instituição da propriedade coletiva; a abolição do direito jurídico e do Estado; e a sua substituição pela organização e federação das associações produtivas; provavelmente ele não compreenderia nada destes objetivos, e poderia mesmo acontecer que, estando influenciado pelas idéias religiosas, políticas e sociais que os governos e os padres procuraram inculcar-lhe, repelisse com desconfiança e cólera o propagandista imprudente que quisesse convertê-lo com esses argumentos. Não, primeiramente é preciso propor-lhe objetivos que o seu bom senso natural e a sua experiência quotidiana não possam ignorar a utilidade, nem repeli-los.” (BAKUNIN, s.d., p. 69).

Assim, compreendendo que são os males diretos e cotidianos que unificam os trabalhadores, é preciso estimulá-los a se associar para lutar contra estes males. A associação é o único meio que os trabalhadores possuem para se emanciparem. É na união e na organização autônomas que criam a partir de questões concretas, que começam a perceber a necessidade de estender a luta, a necessidade de lutar por questões mais profundas, e a necessidade de ruptura com um sistema que não pode resolver os males que lhes causam.

Mas, como chegar, do abismo da ignorância, de miséria e de escravatura, no qual os proletários dos campos e das cidades estão mergulhados, a este paraíso, a esta realização da justiça e da humanidade na terra? – Para isso, os trabalhadores só tem um único meio: a associação. Pois só resta uma única via, é a da (sua) emancipação pela prática. (BAKUNIN, s.d., p. 66).

Visando a unificação por questões concretas, a Internacional se unificava pela questão econômica. É ela que unifica os trabalhadores, pois todos os trabalhadores, independente de ideologias políticas e religião, sofrem os males do capitalismo. Pelo contrário, as idéias políticas e religiosas dividem. E é justamente por isto, por serem fatos concretos e por unirem os trabalhadores, que a questão econômica é o único critério da Internacional, que aceitava no seu meio, independente das diferenças de idéias, todo e qualquer trabalhador que estivesse disposto a lutar pela sua emancipação econômica.

... os fundadores da Associação Internacional agiram com grande sabedoria eliminando primeiramente do programa desta Associação todas as questões políticas e religiosas. Sem dúvida, de modo nenhum lhes faltou opiniões políticas, nem opiniões anti-religiosas bem marcadas; mas abstiveram-se de as emitir neste programa, porque o seu principal objetivo, em primeiro lugar, era unir as massas operárias de todo o mundo civilizado numa ação comum. Necessariamente que tiveram de procurar uma base comum, uma série de princípios simples sobre os quais os operários, sejam quais forem as suas aberrações políticas e religiosas, por pouco que sejam sérios, isto é, homens duramente explorados e sofredores, estão e têm de estar de acordo. (BAKUNIN, s.d., p. 73).

Assim, a Internacional se organizava em cada país a partir de seções centrais e seções corporativas. Em cada país, os trabalhadores socialistas organizaram-se em seções centrais, uma espécie de comitê político responsável por estimular a criação da internacional e de propagandear as idéias socialistas entre os trabalhadores. Os trabalhadores das seções centrais iniciavam o processo de constituição de seções corporativas, que eram espécies de seções sindicais, que organizavam os trabalhadores de acordo com a profissão e a indústria em que trabalhavam. Assim, as seções corporativas tornavam-se as células da Internacional, espalhadas por fábricas e ofícios, enquanto a seção central tornava-se o comitê responsável pela propaganda e pelo estimular das seções. Bakunin percebeu que nas seções centrais estavam concentrados os trabalhadores mais avançados do ponto de vista da consciência revolucionária. Eram trabalhadores que já possuíam uma idéia de emancipação do trabalhador através da ruptura com o sistema capitalista. Eram, em sua maioria, trabalhadores socialistas, que, firmes em uma idéia de revolução social, estimulavam a associação econômica dos trabalhadores e propagandeavam idéias socialistas.

As seções centrais não representam nenhuma indústria em especial, visto que os operários mais avançados de todas as indústrias possíveis encontram-se aí reunidos. Então o que é que elas representam? A própria idéia da Internacional. Qual é a sua missão? O desenvolvimento e a propaganda desta idéia. E esta idéia o que é? É a emancipação dos trabalhadores de tal indústria e de tal país, mas também de todas as indústrias possíveis e de todos os países do mundo... Tal é a força negativa, belicosa ou revolucionária da idéia. E a força positiva? É a fundação de um novo mundo social. (BAKUNIN, s.d., p. 67).

Estas seções centrais eram, portanto, limitadas. Aglutinando os trabalhadores pela idéia revolucionária, só poderia reunir um número muito pequeno de trabalhadores.

Se só tivesse havido, na Internacional, seções centrais, provavelmente elas já teriam conseguido formar conspirações populares para a inversão da ordem atual das coisas, conspirações populares para a inversão da ordem atual das coisas, conspirações de intenção, mas muito fracas para atingir seus fins, porque elas nunca poderiam arrastar e receber no seu seio senão um pequeníssimo número de operários, os mais inteligentes, os mais enérgicos, os mais convencidos e os mais dedicados. A imensa maioria, os milhões de proletários ficaria de fora, e, para inverter e destruir a ordem política e social que hoje nos esmaga, é preciso a concorrência destes milhões. (BAKUNIN, s.d., p. 68).

A força da Internacional estava nas seções corporativas. Ela aglutinava os operários de acordo com a profissão e a indústria em que trabalhavam, funcionando como um sindicato. Seu papel era social, unir através de problemas reais e cotidianos, unir através da questão econômica. Não partiam da “idéia” para o fato, mas do fato para a idéia. Primeiramente, o trabalhador entrava na seção corporativa, para lutar por melhores salários e por diminuição da jornada de trabalho. Porém, ao entrar na seção, começava a aprender o valor da organização, da decisão coletiva, a força que os trabalhadores têm quando estão unidos, começava a identificar os inimigos, que, com os próprios fatos da luta, vão aparecendo. E, desta forma, através da associação para lutar por questões econômicas concretas, o trabalhador vai tornando-se na prática um revolucionário.

Logo que entre para a seção, o operário neófito vai aprender lá muitas coisas. Explica-lhe que a mesma solidariedade que existe entre todos os membros da mesma seção estabelece-se igualmente entre todas as diferentes seções ou entre todas as corporações de profissões da mesma localidade; que a organização desta solidariedade mais larga, abraçando indiferentemente os operários de todas as profissões, tornou-se necessária porque os patrões de todas profissões entendem-se entre eles (...) ... melhor do que pelas explicações verbais que recebe de seus companheiros, depressa reconhece todas as coisas pela sua própria experiência pessoal doravante inseparável e solidária com a dos outros membros da seção. Numa palavra, a única solidariedade que lhe é oferecida como um benefício e ao mesmo tempo como um dever é, em toda a acepção da palavra, a solidariedade econômica, mas uma vez que esta solidariedade é seriamente aceita e estabelecida, produz todo o resto -, os princípios mais sublimes e subversivos da Internacional... não sendo senão os desenvolvimentos naturais e necessários desta solidariedade econômica. E a grande vantagem prática das seções de profissão sobre as seções centrais consiste precisamente nisto, que estes desenvolvimentos e estes princípios demonstram-se aos operários não com argumentos teóricos, mas pela experiência viva e trágica de uma luta que se torna cada vez maior, mais profunda, mais terrível: de modo que o operário menos instruído, menos preparado, mais brando, constantemente arrastado mais para a frente pelas próprias consequências desta luta, acaba por se reconhecer revolucionário, anarquista e ateu, muitas vezes sem saber como o conseguiu ser. (BAKUNIN, s.d., p. 70).

Para que serve, portanto, a Internacional? Ela é a grande escola dos trabalhadores, pois prepara-os para a luta contra os patrões, ela fortalece, na consciência popular, a separação entre o mundo dos capitalistas e o mundo dos trabalhadores e gera consciência de classe.

A Internacional prepara os elementos da organização revolucionária, mas não a realiza. Ela os prepara organizando a luta pública e legal dos trabalhadores solidários de todos os países contra os exploradores do trabalho, capitalistas, proprietários e empreiteiros das indústrias, mas nunca vai além disso. A única coisa que ela faz fora desta obra já tão útil, é a propaganda teórica das idéias socialistas nas massas operárias, obra igualmente muito útil, muito necessária à preparação da revolução das massas. (BAKUNIN, s.d., p. 72).

Entretanto, como disse Bakunin, a Internacional prepara os elementos da organização revolucionária, mas não a realiza. Entender os limites da Internacional na preparação da revolução social é uma tarefa fundamental.

Os Limites da Atuação Social
A AIT tendeu sempre a se voltar para a luta econômica, deixando para segundo plano o programa político. Tendo que unir os trabalhadores na luta contra os patrões, ela acabou por se preocupar mais com a luta concreta cotidiana dos trabalhadores do que propriamente com a forma como a nova sociedade deve ser organizada. Embora seja verdade que, para Bakunin, a luta econômica é um instrumento fundamental para gerar a consciência revolucionária nas massas, apenas a união em torno de questões concretas sem um programa político que vise a derrubada imediata do Estado e da propriedade privada não era o suficiente para garantir a vitória dos trabalhadores. Assim, podemos dizer que a Internacional preparava a luta econômica, mas, como não poderia deixar de ser, deixava em segundo plano o programa de construção do novo mundo. O segundo limite da Internacional está vinculado ao primeiro. Trata-se do fato de que uma revolução, para acontecer, necessita da espontaneidade das massas, necessita de despertar as paixões de toda a massa camponesa e urbana. Mas, para vencer a força organizada do Estado, necessita da unidade dos trabalhadores em todos os sentidos. Exige que ele se levante simultaneamente e que tenha uma orientação em comum, para não botarem a revolução a perder por movimentos opostos que se contradigam. A Internacional era capaz de unir economicamente, entretanto, não era capaz de dar uma linha política clara e fazer os trabalhadores levantarem-se unidos e assim permanecerem em torno dos rumos a tomarem. A espontaneidade das massas populares, que se levantam em torno de questões econômicas, e de acordo com a sua realidade em cada fábrica, não garantia a unidade geral dos trabalhadores, mas, pelo contrário, muitas vezes faz levantar os trabalhadores de uma corporação, sem que os trabalhadores de outra façam o mesmo. Ela muitas vezes faz levantar os trabalhadores unidos, mas perdem-se nos passos futuros a serem dados. Ela cria uma verdadeira tempestade, em que a paixão revolucionária é despertada, mas desperta também todos os tipos de ação popular descoordenados e muitas vezes opostos. Assim, a espontaneidade das massas, sua solidariedade em torno da questão econômica, questões fundamentais que não poderiam ser melhor estimuladas do que através da Associação Internacional dos Trabalhadores, não bastavam para fazer a revolução social.

Nós não podemos e não queremos unir outro exército senão o povo. Mas para que esta massa se erga em conjunto simultaneamente – e só com esta condição que ela pode vencer – o que fazer? Sobretudo como fazer para que as massas mesmo eletrizadas, quando sublevadas, não se contradigam e não se paralisem pelos seus movimentos opostos? (BAKUNIN, s.d., p. 75).

O terceiro limite da Internacional está no fato de que o próprio caráter de um movimento dos trabalhadores exige que a luta seja feita publicamente, e, ao mesmo tempo, que o critério de ingresso seja pouco exigente, podendo assim atrair os trabalhadores para a associação que une todo trabalhador que deseja participar da luta econômica contra os males produzidos pelo sistema capitalista. Esta luta pública e legal e o critério de ingresso flexível gera a facilidade de perseguição e monitoramento pelos órgãos repressivos do Estado. Muitas insurreições e preparações revolucionárias correriam o sério risco de fracasso se fossem planejadas no interior da Internacional, uma vez que o Estado facilmente teria acesso às informações desejadas. Assim, a AIT preparava a luta econômica, e, por isso, era uma organização fundamental para os coletivistas, mas seus meios de luta eram limitados pela própria condição de sua existência enquanto unificadora das massas.
A AIT tinha assim o seu papel brilhante: “reunir as massas operárias, os milhões de trabalhadores, através das diferentes nações e dos países, através das fronteiras de todos os Estados, em um só corpo imenso e compacto.” (BAKUNIN, s.d., p. 74). Entretanto, ela era incapaz de dar a este corpo uma direção revolucionária, em que a união de programa e de ação fosse tal que as massas se levantassem unidas e assim se mantivessem até a destruição completa do velho mundo e a criação do novo.

A Internacional, num palavra, é um meio imenso favorável e necessário a esta organização (revolucionária), mas ainda não é esta organização. A Internacional aceita no seu seio, abstraindo-se completamente de todas as diferenças políticas e religiosas, todos os trabalhadores honestos, com todas as suas consequências a solidariedade da luta dos trabalhadores contra o capital burguês explorador do trabalho. Esta é uma condição positiva, suficiente para separar o mundo dos trabalhadores do mundo dos privilegiados, mas insuficiente para dar ao primeiro uma direção revolucionária. (BAKUNIN, s.d., p/ 72).

Apresentamos aqui a importância de atuar no nível social, evidenciando o que compete a ele e demonstrando os seus limites, limites que contornam bem a necessidade de atuar também em um outro nível, o nível político.

4.3.2. O nível político: a Aliança


Para que serve o nível político? Compreender qual é a função deste pequeno partido e as suas características fundamentais é a nossa tarefa aqui. Duas perguntas fundamentais resumem os questionamentos deste tópico: 1) Qual é a função do partido coletivista? 2) Quais são as suas características e, sobretudo, o perfil dos seus militantes?

Função da Aliança: fornecer uma direção revolucionária à luta dos trabalhadores
A propaganda das idéias revolucionárias, em especial, do programa bakuninista, na visão do próprio Bakunin, foi importante para reunir os revolucionários mais sinceros e afinados com sua proposta para a criação da Aliança. Porém, isto em um contexto em que a luta social não estava tão acirrada e em que não havia se criado ainda um partido coletivista.

Entre os nossos amigos e aliados, os que me conhecem bem, talvez fiquem espantados por eu sustentar agora esta linguagem, eu, que fiz tanta teoria, e que me mostrei sempre um guardião zeloso e feroz dos princípios. Ah! É que os tempos mudaram. – Então, ainda há um ano, nos preparávamos para a revolução, que esperávamos, uns mais tarde, outros mais cedo, - e agora, digam o que disserem os cegos, estamos em plena revolução. – Então era absolutamente necessário sustentar alto a bandeira dos princípios teóricos, expor bem alto estes princípios em toda sua pureza, a fim de formar um partido pouco numeroso que fosse, mas composto unicamente por homens que estivessem sinceramente, plenamente, apaixonadamente ligados a estes princípios, de modo que cada um, em tempo de crise, pudesse contar com todos os outros. (BAKUNIN, s.d., p. 54).

Após criar este pequeno partido, a propaganda de idéias perdeu a sua função central. Ela não caracterizava o sentido da Aliança, justamente porque a organização coletivista pretende preparar a revolução social, uma revolução que só pode ser protagonizada pelas massas populares, e, para estimula-las à ação e despertar suas consciências, a propaganda tem um papel bastante limitado. Neste sentido, o papel da Aliança era não o de divulgar idéias revolucionárias, mas de encarnar as idéias nos fatos. Para Bakunin, a principal função do partido não era a de desenvolver a propaganda de suas idéias, mas de criar na prática a organização e luta dos oprimidos.

Agora já não se trata de recrutar. Nós conseguimos formar, bem ou mal, um pequeno partido – pequeno em relação ao número de homens que aderem a ele com conhecimento de causa, imenso relativamente aos seus aderentes instintivos, relativamente às massas populares das quais ele representa as necessidades melhor do que qualquer outro partido. – Agora devemos embarcar em conjunto no oceano revolucionário, e doravante não devemos propagar mais nossos princípios por palavras, mas com fatos, - pois é a mais popular e a mais poderosa e a mais irresistível das propagandas. (BAKUNIN, s.d., p. 54).

Assim, a Aliança deveria atuar no interior da Internacional, sempre estimulando a organização autônoma dos trabalhadores. Porém, o que compete a ela no interior da Internacional? Qual é o seu sentido? Qual é a sua função? Se a Internacional prepara a organização dos trabalhadores, e os membros da Aliança, enquanto membros da Internacional, também contribuem para isso, qual é o papel específico da Aliança na organização dos trabalhadores? O objetivo da Aliança, como complemento da Internacional, é estimular o que a AIT por si só não pode fazer: fornecer uma direção revolucionária à luta dos trabalhadores. Se a Internacional organiza os trabalhadores para a luta econômica, mas deixa em segundo plano o programa revolucionário, e se ela estimula a espontaneidade das massas, mas não consegue fazer com que elas se levantem unidas e visando um objetivo revolucionário em comum, o papel da Aliança é, atuando no interior da Internacional, estimular a espontaneidade das massas, mas, ao mesmo tempo, possibilitando uma coordenação que torne possível o levantar unido do povo e a manutenção desta união rumo a um objetivo revolucionário.

A Aliança é o complemento necessário da Internacional... – Mas a Internacional e a Aliança, tendendo para o mesmo objetivo final, perseguem ao mesmo tempo objetivos diferentes. – Uma tem por missão reunir as massas operárias, os milhões de trabalhadores, através das diferenças das nações e dos países, através das fronteiras de todos os Estados, em um só corpo imenso e compacto; a outra, a Aliança, tem por missão dar às massas uma direção verdadeiramente revolucionária. Os programas de uma e de outra, sem serem opostos em nada, são diferentes pelo grau do seu desenvolvimento respectivo. O da Internacional, se o tomarmos a sério, também é em germe, mas só em germe, todo o programa da Aliança. O programa da Aliança é a explicação última do da Internacional. (BAKUNIN, s.d., p. 74).

A Aliança, assim, diferente de uma organização de nível social, possui um programa revolucionário mais coeso e com um grau de profundidade maior, e tem como objetivo dar uma direção revolucionária à Internacional e à luta dos trabalhadores.
Entretanto, é preciso nos perguntar o que significa fornecer uma direção revolucionária aos trabalhadores. Hoje, o termo direção está bastante vinculado às práticas dos partidos políticos autoritários que não acreditam na espontaneidade das massas e na capacidade que elas possuem de organizar-se e protagonizar as lutas. E que, matando o debate dos oprimidos, cria uma estrutura hierárquica, tornando-se eles mesmos a direção, a casta, as autoridades infalíveis que têm o poder de decidir em nome e pelos trabalhadores sobre como eles devem agir. São os verdadeiros iluminados, que dominando a ciência da revolução, querem impô-la aos trabalhadores.
Longe de Bakunin tal idéia. Para ele, é preciso respeitar a autonomia dos movimentos dos trabalhadores, deixando a ele a plena liberdade para organizar-se e lutando em seu interior contra todo surgimento de uma estrutura hierárquica, de autoridades infalíveis, de centralização.
A Aliança não deve impor uma organização qualquer aos trabalhadores. Ela deve, pelo contrário, impulsionar a organização autônoma do povo, isto é, provocar, estimular a associação dos trabalhadores no campo e na cidade, para que sua organização autônoma tenha força para protagonizar a revolução social.

Então o que deve fazer as autoridades revolucionárias – e trabalhemos para que estas existam o menos possível – o que é que elas devem fazer para desenvolver e organizar a revolução? Elas nem devem faze-la por decretos, nem impô-las às massas, mas provocá-las nas massas. Elas não lhes devem impor uma organização qualquer, mas suscitando a sua organização autônoma, trabalhar secretamente, com a ajuda da influência sobre os indivíduos mais inteligentes e mais influentes de cada localidade, para que esta organização esteja o mais próximo possível de nossos princípios. – Todo o segredo do nosso triunfo está aí. (BAKUNIN, s.d., p. 55).

Neste sentido, Bakunin condena os partidos ou os chefes revolucionários que pretendem impor ao povo a revolução e as idéias revolucionárias, eliminando a autonomia das associações populares. Não são as autoridades revolucionárias que deverão fazer a revolução, mas as massas populares. Retirar este protagonismo do povo é inviabilizar a revolução social.

A razão principal porque todas as autoridades revolucionárias de todo o mundo fizeram sempre tão pouca revolução, é porque elas sempre quiseram faze-las elas próprias, com a sua autoridade, e com a sua força, o que nunca deixou ... de estreitar escessivamente a ação revolucionária, pois é impossível mesmo para a autoridade revolucionária mais inteligente, mais enérgica, mais franca, abraçar ao mesmo tempo muitas questões e interesses, sendo qualquer ditadura, tanto individual como coletiva, enquanto composta por vários personagens oficiais, necessariamente muito limitada, muito cega, incapaz tanto de penetrar nas profundezas como de abraçar toda a amplidão da vida popular. (BAKUNIN, s.d. p.54).

A Aliança devia atuar no movimento social sempre deixando a ele o poder de desenvolver a sua organização social através de uma liberdade completa e respeitando a espontaneidade das massas. Não devia criar uma casta do movimento que seria a autoridade oficial que dita ao povo o que ele deve fazer. Pelo contrário, devia impulsionar a organização espontânea e lutar contra o estabelecimento de uma estrutura hierárquica.

O nosso objetivo é criar uma coletividade revolucionária forte, mas sempre invisível; uma coletividade que deve preparar a revolução e dirigi-la..., deixando ao movimento revolucionário de massas o seu desenvolvimento total à sua organização social... a mais completa liberdade, mas vigiando sempre para que este movimento e esta organização nunca possam reconstituir autoridades, governos, Estados, e combatendo todas as ambições, tanto coletivas (no gênero da de Marx) como individuais pôr influencia natural, nunca oficial, de todos os membros de nossa Aliança, disseminados em todos os países, e cuja força vem unicamente de sua ação solidária e da unidade de programa e de objetivos que deve existir sempre entre eles. (BAKUNIN, s.d., p. 59).

Se não devia impor a revolução às massas, como interferir em seus movimentos sem impor um programa a elas? Lutando para que a organização dos trabalhadores fosse autônoma e horizontal e agindo unicamente com a força da influência e do convencimento sobre os indivíduos mais influentes de cada localidade. Agir assim significa dirigir não porque têm o poder de mando, não matando toda a discussão com o investimento de poderes para impor, mas mantendo o debate e o poder de decisão popular. Significa atuar, com a mente em um programa revolucionário profundo, convencendo os trabalhadores das melhores ações a serem feitas, sempre coordenando em várias localidades este convencimento amplo para que os trabalhadores se levantem unidos e assim permaneçam.

Convencer não é impor. É, antes de tudo, garantir que quem decide sobre os rumos dos trabalhadores é a consciência dos próprios trabalhadores. Uma ação da Internacional, só seria efetivada se com ela estivesse de acordo a maioria dos trabalhadores que dela fizessem parte e não porque a Aliança ou qualquer outro partido achava que deveria ser feita. Somente assim os trabalhadores, lutando pela emancipação econômica, não receberão um programa político imposto, mas, construirão o seu próprio programa político. Nunca recebendo de cima qual deve ser a opção política do movimento. Mas, unidos pela questão econômica, mantendo o debate constante, e, sempre estimulados em cada ação a pensar qual é o meio mais correto e mais profundo, tratarão de construir um programa político vivo, de acordo com os seus próprios interesses, não fruto das cabeças brilhantes de alguns gênios, mas do movimento vivo e real das massas.

Nenhuma teoria filosófica ou política deve entrar, como fundamento essencial, e como condição oficial obrigatória, no programa da Internacional... Mas isto não implica que não possam e não devam ser livremente discutidas na Internacional todas as questões políticas e filosóficas. Pelo contrário, a existência de uma teoria oficial é que mataria, tornando-a absolutamente inútil, a discussão viva. Mas então a Internacional transformar-se-á numa torre de Babel? Pelo contrário, só então é que ela constituirá a sua unidade real, primeiro econômica e depois necessariamente política; então é que ela criará, não sem duvida de um só golpe, a grande política da Internacional, não emanando duma cabeça isolada, ambiciosa, muito sábia e no entanto incapaz de abraçar as mil necessidades do proletariado, por muitos miolos que tenha, mas da ação absolutamente livre, espontânea e simultânea dos trabalhadores de todos os países.(BAKUNIN, s.d., p. 83).

Assim, mesmo a Aliança, que possui um programa revolucionário mais profundo, não consegue abarcar todas as necessidades das massas, e seria ridículo pensar que se dispusessem a simplesmente querer impor o seu programa a elas. É justamente esta uma das críticas de Bakunin a Marx. O fato de este último querer tornar exigência para a Internacional o programa que é fruto de sua própria cabeça. Nenhum programa político deve ser exigência para a Internacional. Aqueles que atuam em seu interior e que tenham um programa político que se ponham à ação visando convencer os trabalhadores, pois só a consciência deles mesmos poderão escolher quais os rumos dar à suas lutas.

Características e Perfil Militante da Aliança
Agora que compreendemos o papel da Aliança precisamos compreender quais são as características necessárias para que ela consiga cumprir o seu papel.

- Minoria Ativa
A organização coletivista era obviamente uma organização de minoria ativa, pois em seu seio ela só poderia aceitar pessoas realmente comprometidas com a revolução social e dispostas aos maiores sacrifícios para desenvolverem a luta. Em uma sociedade capitalista, uma organização de tal exigência, teria por consequência reunir apenas um número pequeno de militantes. Assim, seria como dizia Bakunin, sempre um pequeno partido, uma minoria espalhada por toda a Europa. Porém uma minoria ativa, formada pelos mais sinceros e comprometidos membros da Internacional. Este modelo de partido, o de minoria ativa, é um modelo oposto do tradicional Partido de Massas. Este, geralmente, possui um programa político mais amplo e menos coeso, um baixo nível de exigência dos seus membros, um sistema de recrutamento rápido. Ele, assim, com pouco grau de aprofundamento político e de exigência militante, visa aglutinar o maior número de pessoas em seu interior. Este tipo de partido, embora torna-se uma potência em termos de arrecadação financeira e propaganda, possui pouca efetividade real no objetivo de dar uma direção revolucionária para as lutas sociais. Primeiro, porque acaba por ter um programa político pouco profundo e geralmente reformista. Em segundo lugar, tem muito pouca unidade de ação, pois em seu interior acaba por surgir diversas correntes que só se unem em torno de uma candidatura política. Em terceiro lugar, é um partido em que praticamente não há critérios de segurança, pois, devido à frouxidão do recrutamento, não há como ter confiança em todos os membros e, logo, não há como planejar certas ações necessárias para uma organização revolucionária. Em quarto lugar, este tipo de partido, que exige pouco de seus membros, acaba por criar uma direção ativa e um número intenso de membros que pouco participam e simplesmente acatam as decisões da minoria diretora. É um partido que, tende, portanto, a burocratizar-se e tornar-se um lugar de disputas de poder e vaidade. Em uma palavra, é um partido bastante bem adaptável para a democracia representativa e não para um projeto de ruptura com as formas de exploração e poder. Um partido de minoria ativa, pelo contrário, reúne poucos militantes, mas somente os mais comprometidos e ativos, que, sempre estão unidos no programa e na ação e que, por isso mesmo, tem uma maior efetividade. Este partido, embora tenda a não atingir o nível de propaganda de um partido de massa, tem como propósito não a propaganda de suas idéias ou de si mesmo. Pelo contrário, como dissemos, este partido tem o objetivo de impulsionar a luta dos trabalhadores e fornecer a ela uma direção revolucionária. Neste sentido, é necessário que haja unidade de programa, unidade de ação, disciplina, responsabilidade coletiva, critérios de segurança e um processo exigente de ingresso.

- Sociedade Secreta

A Aliança é uma organização secreta e, para Bakunin, todo partido revolucionário por planejar preparar a revolução, deve assim ser. Isto por motivos de segurança, pois é necessário evitar que as perseguições dos órgãos repressores esmaguem a organização.

Mas tendo esta obra um objetivo prático, revolucionário, o entendimento mútuo que é a condição necessária não pode se fazer publicamente; se se fizesse em público, atrairia sobre os iniciadores as perseguições de todo o mundo oficial e oficioso, e se veriam esmagados antes mesmo de terem podido fazer a mínima coisa. (BAKUNIN, s.d. 75).

- A Horizontalidade
O partido deve se organizar de forma horizontal, sem autoridades infalíveis, mas com todos os seus membros tendo poder de decisão. Ninguém pode ser investido de poder e todo aquele que dominasse o conhecimento científico ou contribuísse com riquezas materiais não devia ter por isso nenhuma pretensão de autoridade no interior da organização.

Qualquer que seja, portanto, a diferença de capacidade entre os irmãos internacionais, teremos apenas um senhor: nosso princípio; uma só vontade: nossas leis para cuja criação todos contribuímos, ou as quais consagramos por nossa livre vontade. Embora nos inclinemos com respeito diante dos serviços passados de um homem, embora apreciando a grande utilidade que nos trariam uns, com sua riqueza, outros, com sua ciência, e ainda outros com suas elevadas posições e influências públicas, literárias, políticas ou sociais, longe de procurá-los, por estes motivos, veríamos nisso uma razão de desconfiança, pois todos os homens poderiam trazer para o nosso meio hábitos, pretensões de autoridade, de herança de seu passado, e nós não podemos aceitar nem estas pretensões, nem esta autoridade nem esta herança, olhando sempre para frente, jamais para trás, e só reconhecendo o mérito e direito naquele que servir mais ativa e resolutamente nossa associação. (BAKUNIN, 1999, p. 65).

Não deve existir nenhuma autoridade fixa e infalível, mas uma autoridade natural, em que todos mandam e todos obedecem. Uma autoridade em que a divisão de papéis ocorresse de acordo com as habilidades de cada um, mas que esta divisão não se torne fixa e nem dê a ninguém um poder infalível.

No momento da ação, no meio da luta, os papéis dividem-se naturalmente, segundo as aptidões de cada um, apreciados e julgados por toda a coletividade: uns dirigem, e ordenam, outros executam as ordens. Mas nenhuma função se petrifica, se fixa e fica irrevogavelmente ligada a nenhuma entidade ou pessoa. (BAKUNIN, s.d., p. 60).

- Unidade de Programa
A Aliança só consegue cumprir a sua função de preparadora e provocadora da revolução social, através da unidade de programa e de objetivos. Os seus membros deviam, portanto, ter uma clareza e uma afinidade teórica, partilhando de uma mesma concepção. Para Bakunin, a força da Aliança vem não das direções do movimento através da qual consegue impor suas idéias, mas “unicamente de sua ação solidária e da unidade de programa e de objetivos que deve sempre existir” entre os membros da Aliança. Neste sentido, todos os seus membros deviam ser federalistas, socialistas, ateus, revolucionários, e serem, portanto, contrário às religiões, aos Estados, à propriedade privada, à opressão do homem sobre a mulher. Deveriam estar convencidos de que a emancipação do povo deveria ser obra do próprio povo e estar disposto a contribuir para a organização dos oprimidos em sua luta pela emancipação. A unidade de programa e a unidade de ação forneceriam a força necessária para atuar no movimento social estimulando a sua luta e a sua autonomia.

- Responsabilidade Coletiva e Unidade de Ação
É claro que a unidade de programa contribui para uma unidade de ação, porém, ainda que houvesse afinidade de objetivos e estratégias sobre algumas táticas, é natural haverem divergências entre membros de uma mesma organização. Neste sentido, a força da Aliança não se devia dar somente pela unidade programática, mas também pela unidade de ação. Assim, a Aliança devia tomar as suas decisões de forma coletiva, com todos os membros participando delas diretamente e, ao mesmo tempo, tomando-as como obrigatória. Em caso de discordância entre os membros, a decisão da maioria seria obrigatória para todos.

Existirá uma perfeita solidariedade entre todos os membros aliados, de tal maneira que os acordos decididos pela maioria dos aliados serão obrigatórios para todos os demais, sacrificando-se sempre em benefício da unidade de ação, as apreciações particulares que puderem existir entre os membros. (BAKUNIN, s.d., p.78).

Esta decisão coletiva e esta responsabilidade de cada indivíduo de aplicá-la contribuía para a força da Aliança, uma força fundada na solidariedade dos seus membros e não na autoridade infalível dos cargos burocráticos.

- Disciplina
Além da coesão em torno de um programa e em torno da ação, os militantes da Aliança deviam ter disciplina, compromisso, responsabilidade. Era necessário que eles assumissem os compromissos da organização, que estivessem ciente de todo o programa e respeitassem os acordos tirados coletivamente no partido.

É preciso que esteja convencido de que a melhor maneira de servi-los é dividir nossos trabalhos e que saiba que, tomando lugar entre nós, contrairá em relação a nós os mesmos compromissos solenes que nós contrairemos a ele. É preciso que tenha tomado conhecimento de nosso catecismo revolucionário, de todas as nossas regras e leis e que jure observá-las sempre com fidelidade escrupulosa. (BAKUNIN, 1999, p. 64).

Mas, o que é esta disciplina? Era não uma disciplina imposta por uma autoridade, como a disciplina do Estado e do exército, mas uma disciplina voluntária e refletida, resultante de um compromisso consciente e mútuo entre os militantes. Isto é, o cumprimento das tarefas assumidas coletivamente e a responsabilidade com a decisão do coletivo. “Esta disciplina não é senão a concordância voluntária e refletida de todos os esforços individuais para um objetivo comum.” (BAKUNIN, s.d., p. 60).
Esta disciplina, este engajamento recíproco dos membros uns em relação aos outros, era fundamental para que houvesse eficácia no cumprimento da função que o partido se propunha e para que houvesse segurança para cada um dos seus membros.

Deve compreender que uma associação, tendo uma finalidade revolucionária, deve necessariamente formar-se como sociedade secreta, e que toda sociedade secreta, no interesse da causa a que serve e da eficácia de sua ação, assim como no interesse da segurança de cada um de seus membros, deve submeter-se a uma forte disciplina, que é apenas o resumo e o resultado puro do engajamento recíproco dos membros uns em relação aos outros e que, consequentemente, submeter-se a uma condição de honra é um dever de cada um. (BAKUNIN, 1999, p. 64).

- Sacrifício dos Interesses Particulares e Opção de Classe
O militante da Aliança devia sacrificar os seus interesses particulares. Como revolucionário, estava disposto a dar a sua vida pela luta dos oprimidos. Se viesse de origem burguesa ou pequeno burguesa devia abandonar a sua origem e fazer a opção pela classe trabalhadora, dispondo-se a abandonar os interesses individuais, o seu repouso e bem-estar em função da causa revolucionária.

É preciso que tenha em si a paixão revolucionária, que ame a liberdade e a justiça a ponto de querer seriamente contribuir com seus esforços para seu triunfo, a ponto de entender como um dever o sacrifício de seu repouso, de seu bem-estar, de sua vaidade, de sua ambição pessoal e até mesmo de seus interesses particulares. (BAKUNIN, 1999, p. 64).

Assim, todos os membros da Aliança deviam ser membros da Associação Internacional dos Trabalhadores. Militantes que não só atuavam nas tarefas internas do partido, mas que pelo contrário, estavam atuando no interior do movimento social, aplicando a política da organização de provocar a maior associação e organização autônoma dos trabalhadores. Isto exigia, é claro, o abandono dos interesses pessoais. A militância social e política não podiam estar em segundo plano na vida de um membro da Aliança. Era, pelo contrário, uma militância cotidiana e o sentido primeiro de sua vida. Ao mesmo tempo, o militante deveria estar disposto a abandonar qualquer atividade isolada e individual em prol da decisão coletiva se assim fosse necessário.

- Servir a organização
O militante, consciente do programa da organização e responsável com o compromisso mútuo assumido, devia ser útil, isto é, só entrava na organização se exercesse alguma atividade relacionada aos acordos assumidos. Só devia estar na organização se a servisse devidamente. Não faz sentido um membro ingressar em uma organização para não fazer nada relacionado às tarefas que coletivamente ela assume.

O candidato compreenderá que só se entra na associação para servi-la e que, portanto, ela terá direito de esperar de cada um de seus membros uma utilidade positiva qualquer e que a ausência dessa utilidade, suficientemente constatada e provada, acarretará a sua exclusão. (BAKUNIN, 1999, p. 65).

Neste sentido, o aliancista devia estar na Associação Internacional dos Trabalhadores, estimulando a organização do povo e, ao mesmo tempo, participar de todas as reuniões da Aliança, cumprindo todas as tarefas que a organização lhe definia.

- O ingresso de militantes
A Aliança não era uma organização aberta em que todos os que desejassem, bastando afirmar que concordavam com o seu programa, entrariam na organização. Os aliancistas tinham o dever de dizer se um aspirante poderia ou não ingressar na organização. Isto era fundamental para garantir a segurança da organização, como também para garantir que os seus membros estivessem afinados com o programa e com todos os acordos (disciplina, responsabilidade, opção de classe, etc.) necessários para uma organização efetiva. Assim, no programa da Fraternidade Internacional.

Para a admissão de novos associados, se procederá, por sugestão de algum membro antigo, a nomeação de uma comissão encarregada de examinar detidamente o caráter e a situação do aspirante, que poderá ser admitido através dos votos da maioria dos associados, depois deste ouvirem o parecer da comissão examinadora. (BAKUNIN, s.d., p. 78).

E se na Fraternidade Internacional a maioria dos membros decidiam sobre o ingresso de um novo militante, mais tarde, em relação à Aliança, Bakunin defendia que somente por unanimidade de todos os membros antigos poderia um aspirante ingressar na organização.

Doravante que cada grupo, cada seção de grupo, não receba no seio um novo membro senão por unanimidade, nunca unicamente pela maioria das vozes, isto é, de todos os membros que fazem parte desta seção de grupo. – Se só são dois, não devem admitir um terceiro senão quando estiverem os dois perfeitamente de acordo e igualmente convencidos da utilidade, da inteligência, da dedicação, da energia e da descrição que ele vos trará. (BAKUNIN, s.d., p.61).

Assim, o processo de ingresso deveria ser exigente, mantendo a segurança e o grau de comprometimento da organização. Sobre os critérios de ingresso, Bakunin afirmou:

E nesta escolha nunca devem se deixar conduzir por nenhuma outra consideração senão o programa da Aliança, a concorrência perfeita dos seus sentimentos e das suas idéias com esse programa, e a sua capacidade real de os seguir com energia, com discrição e com perseverança e prudência, e sobretudo a sua capacidade de renunciar para sempre qualquer iniciativa pessoal isolada, e de subordinar sempre a sua ação à vontade coletiva – capacidade que os vaidosos e ambiciosos nunca têm, pois o que eles procuram, muitas vezes – sem eles próprios repararem nisso, - o que procuram em todas as coletividades, tanto públicas quanto secretas, que encontram, é um pedestal para si, um trampolim para sua glória ou elevação pessoal – por causa disso, impusemos a nós próprios a lei de nunca receber no nosso sanctum sanctorum, na nossa intimidade e fraternidade coletiva, nenhum ambicioso e nenhum vaidoso, por muito parecidas que sejam as suas idéias e as suas tendências apaixonadas com as nossas, por muito inteligentes e sábios que sejam e por muito grande que pudesse ser a utilidade que as suas relações e a sua influência no mundo nos trouxesse... (continuar) (BAKUNIN, s.d., 61).

4.3.3. A Aliança e a Internacional, o político e o social


Como vimos, o movimento social tem um nível específico e diferente do partido anarquista. O nível social é mais amplo, mais voltado para a união dos trabalhadores no nível econômico e no nível de suas lutas concretas. Ele também é público e visível, para que todo trabalhador possa ingressar nele e se unir na luta. Sua função é preparar os trabalhadores na prática de organização e luta cotidiana, aprendendo a lutar contra o sistema lutando. O nível político, da organização anarquista, é um nível mais exigente. Ele exige que não só os militantes estejam na prática de luta social como tenham uma visão ideológica mais aprofundada, tendo um programa político de ruptura. Ao mesmo tempo, a organização anarquista deve ser secreta, evitando com que haja infiltrações na organização botando a perder toda a organização revolucionária. Sua função é fortalecer o movimento social, estimulá-lo a lutar, a organizar, a combater sempre partindo do concreto, mas fortalecendo a partir dele, a partir dos fatos, a constituição de uma visão mais profunda da necessidade de uma revolução social. Esta clareza a respeito dos níveis é fundamental. Confundir os níveis, social e político, é botar a perder toda a luta dos trabalhadores. Se exigimos por exemplo que o movimento dos trabalhadores tenha um programa político anarquista bem definido, uma concepção ideológica profunda e coesa, fazemos com que a maior parte dos trabalhadores se afastem do movimento e não tenham interesse nele, pois muitas vezes não possuem uma concepção ideológica clara ou possuem outras concepções que não a que nós mesmos possuimos. A unidade dos trabalhadores seria rompida e ao invés da constituição de um movimento social forte e amplo estaríamos construindo um movimento de guetos. Se exigimos que todo trabalhador que entre em um movimento social tenha um grau de disciplina e responsabilidade elevado, fazemos com que muitos se afastem e mais uma vez criamos não um movimento, mas um grupelho que muito pouca efetividade terá na luta real.

Da mesma forma, se uma organização anarquista não tenha uma clareza ideológica, um programa político coeso e claro, criamos não uma organização anarquista, mas um conjunto de indivíduos que não saberão como estimular o movimento social para além de suas lutas concretas. Caímos no reformismo e esquecemos que enquanto houver propriedade privada e Estado, a dominação e a exploração cairão sobre nós e sobre todos os trabalhadores e explorados.
Daí, portanto, a Aliança ter claro a necessidade de estimular o nível social de acordo com a realidade dos trabalhadores, unificando pela luta econômica e deixando de lado os programas ideológicos e religiosos. Ao mesmo tempo em que se organizava secretamente e com um critério de ingresso mais exigente para a formação de um quadro de revolucionários coesos em torno de um programa anarquista e disposto à unidade de ação, com uma disciplina e responsabilidade efetiva e com uma atuação social planejada.

5) A nossa avaliação


Na história do anarquismo algumas críticas foram feitas aos coletivistas. Em parte, esta crítica foi feita por antigos coletivistas que tomaram novos rumos no modo de pensar o anarquismo, tornando-se, a maioria deles, anarco-comunistas. Podemos aqui levantar três críticas anarquistas já realizadas ao bakuninismo. Começamos pela crítica ao método de análise de Bakunin: o materialismo histórico. Neste sentido, vale lembrar a afirmação de Malatesta:
Eu fui bakuniniano, como todos os camaradas de minha geração, infelizmente já distante no tempo. Hoje, depois de longos anos, não me considero mais como tal. Minhas idéias se desenvolveram e evoluíram. Hoje, penso que Bakunin foi muito marxista na economia política e na interpretação histórica. Creio que sua filosofia se debatia, sem conseguir sair, numa contradição entre a concepção mecanicista do universo e a fé na eficácia da vontade sobre os destinos do homem e da humanidade. Mas tudo isso importa pouco. As teorias são conceitos incertos e mutáveis. A filosofia geralmente faz hipóteses embasadas nas nuvens, e, em substância, tem pouca ou nenhuma influência sobre a vida. Eis porque Bakunin permanece sempre, apesar de todas as discordâncias possíveis, nosso grande exemplo inspirador. (MALATESTA, Escritos Anarquistas).

Em segundo lugar, e derivado da crítica ao materialismo, queremos relembrar a crítica ao pouco enfoque que os coletivistas davam à propaganda e à conscientização. Preocupando-se muito mais com a organização econômica dos trabalhadores do que em divulgar as idéias libertárias, os coletivistas foram acusados de desmerecer um nível importante de atuação: a propaganda e a conscientização. Em terceiro lugar, está a crítica à proposta econômica do coletivismo. Os anarco-comunistas criticaram a forma de distribuição da riqueza proposta. Para eles, a distribuição deveria ocorrer não proporcionalmente ao trabalho realizado, mas de acordo com as necessidades de cada um. Todos teriam direito aos produtos que tivessem necessidade. Proclamaram, assim, o lema: “de cada um conforme suas possibilidades, a cada um conforme suas necessidades.”.

Sobre estes pontos e outros mais, queremos fazer alguns apontamentos levando em consideração a realidade atual e buscando identificar os elementos do programa bakuninista que consideramos ainda importantes para uma organização anarquista atual e os elementos que achamos que estão ultrapassados pela conjuntura.

O Método de Análise: a importância da economia na construção de um programa anarquista
Em relação ao materialismo histórico, não pensamos que Bakunin foi um economicista. A acusação de que ele oscilava entre uma visão mecanicista do mundo e a crença na vontade dos homens, pode estar correta, mas considerar isto uma contradição nos parece errôneo. Trata-se, ao contrário, do seu próprio método, que consegue perceber, como tentamos mostrar, a dialética entre a economia e as idéias e a economia e a política. Elas se autodeterminam mutuamente, ainda que a economia possua um peso maior em sua análise.

Consideramos que no séc. XIX, o materialismo foi fundamental. Foi através dele que, tanto Bakunin quanto Marx, puderam fazer uma crítica das ideologias burguesas e perceber que as idéias não deveriam ser julgadas por si própria, mas em relação com as condições materiais reais de existência. Através do materialismo, portanto, que foi possível questionar a liberdade e a igualdade como conceitos puros e articulá-las com a necessidade de meios reais de desenvolvimento da liberdade e da igualdade.

Existe uma grande quantidade de obras que, após o séc. XIX, contribuem para que pensemos os limites do materialismo da época, e achamos que aprofundá-las pode nos ajudar a avançar um método de análise para a realidade atual. Por enquanto, nos basta afirmar uma grande contribuição do materialismo: a necessidade de levarmos em consideração as condições reais de existência do homem, a vida material, o modo como o homem organiza a economia e de que forma as idéias estão vinculadas a ela. Não cair em um culturalismo que abandona a importância da economia é a lição que o método de análise de Bakunin pode nos dar.

O objetivo finalista e a necessidade de se pensar uma transição revolucionária.
Quanto aos objetivos finalistas de Bakunin, achamos que ainda hoje o seu conceito de liberdade, definida como os meios reais para o desenvolvimento de todas as potencialidades humanas, é um conceito muito mais sensato do que a noção burguesa de liberdade individual firmada em uma abstração egoísta que define toda sociedade como repressora.

Ao mesmo tempo, achamos que a socialização da produção, o federalismo e a transformação intelectual e moral são fundamentais para alcançarmos uma sociedade livre. Entretanto, achamos que a construção de uma nova sociedade é uma tarefa complexa e que exige um maior aprofundamento do que puderam fazer os revolucionários do séc. XIX. Hoje, após várias experiências revolucionárias do séc. XX, temos a possibilidade de nos debruçarmos com maior profundidade sobre temas que naquela época a própria experiência histórica não proporcionava.

Uma das questões fundamentais diz respeito à transição da sociedade capitalista para uma sociedade sob novas bases. Sobre isto, uma memória histórica do séc. XIX engessou conceitos sobre a diferença entre o anarquismo e o marxismo que não contribuem em nada para avançarmos. Esta memória afirma que os anarquistas acreditam na transformação imediata, sem nenhuma transição, da sociedade capitalista para uma sociedade igualitária e livre, e que os marxistas acham que a transformação da sociedade capitalista para o comunismo, uma sociedade sem Estado e igualitária, deveria passar necessariamente por uma transição, em que imperaria a ditadura do proletariado, transição esta que manteria o Estado até eliminar a contra-revolução e preparar as condições para a instauração plena do comunismo.

É claro que, simplificar desta forma o anarquismo, é deslegitima-lo, pois, afinal, os anarquistas aparecem nesta memória como os idealistas e românticos que achando que é fácil transformar radicalmente a sociedade, simplesmente se iludem com a idéia de que é só destruir os mecanismos de repressão e implementar de uma só vez a nova sociedade autogestionada, com todos participando das decisões políticas e com todos trabalhando e dividindo coletivamente os produtos produzidos.

É preciso lembrar que esta memória desconsidera a tradição do pensamento anarquista que nem sempre acreditou que a nova sociedade se fundaria de uma só vez. Luigi Fabbri, uma anarco-comunista italiano, dizia: “Não deixamos de reconhecer que para chegar à socialização completa será necessário um período maior que o insurrecional e expropriador.” (MALATESTA & FABBRI, s.d., p. 154). E reconhecia assim que a nova sociedade não assumiria a forma perfeita de uma só vez logo após a insurreição eliminar a força opressora da burguesia.

Assim, acreditamos que para chegar a uma sociedade fundada sob bases libertárias será necessário um período em que não atingimos ainda os nossos objetivos finalistas, e podemos chamar este período como um período de transição. Isto, por dois motivos que as revoluções do séc. XIX são capazes de demonstrar. Primeiro, que as forças produtivas de uma sociedade tendem a diminuir logo após a derrubada do poder da burguesia. Afinal, uma revolução geralmente passa por um período de guerra civil prolongado e a reorientação socialista da produção acaba por eliminar grande parte das forças produtivas acumuladas na sociedade capitalista. O fato de diminuir as forças produtivas coloca um empecilho para a revolução, que depende da socialização de toda a produção e, portanto, de uma capacidade produtiva capaz de satisfazer as necessidades de toda a sociedade. Em segundo lugar, a consciência socialista, embora se amplie no período revolucionário, não está totalmente avançada, convivendo ainda com as ideologias burguesas firmadas no egoísmo, no individualismo, na não participação política e em vários valores que dificultam tanto a autogestão política quanto a socialização da produção.

Assim, admitindo que uma revolução socialista não ocorre imediatamente após a destruição dos instrumentos de coerção da burguesia e que um período de transição para a nova sociedade acaba por ser necessário, precisamos nos perguntar: quais devem ser as características desta transição? Isto é, o que os anarquistas devem propor em um momento de ruptura?

A crítica que os coletivistas fizeram à estratégia revolucionária marxista não foi necessariamente uma crítica à transição, mas uma crítica ao modo como os marxistas pensam a transição. Os marxistas propõem a tomada do poder de Estado e a construção de um Estado proletário. Os anarquistas criticam esta estratégia afirmando, como Bakunin, que este suposto Estado popular “(...) não conseguiria existir um único dia sem ter pelo menos uma classe privilegiada: a burocracia.” Esta classe dominante que se formaria através do Estado escravizaria novamente o proletariado. Assim, os coletivistas, sem esboçarem uma teoria da transição, criticaram a transição marxista. Faz-se necessário, baseados na experiência revolucionária dos trabalhadores e na realidade concreta atual, aprofundar a teoria revolucionária dos coletivistas criando um programa de transição revolucionária dentro de uma perspectiva anarquista. Afinal, quando estoura uma ruptura, temos que saber para onde caminhar, sabendo que a autogestão não virá automaticamente no dia depois da noite de bruxas.

É claro que alguns elementos do programa coletivista nos serve para pensarmos alguns princípios que deverão orientar a transição. Dentre estes princípios estão a abolição do Estado, organização política através do método federalista e a abolição da propriedade privada. Eis o que uma revolução em seu período inicial já deve tratar de fazer para que destrua o poder da burguesia e para que evite que se crie uma nova classe dominante. Entretanto, muito mais precisamos avançar para pensarmos uma estratégia revolucionária anarquista, precisamos pensar na defesa da revolução, na forma como deve se dar a coletivização da propriedade, o modo de organização do poder popular, etc.

Sobre a questão econômica, devemos por exemplo analisar a crítica dos anarco-comunistas aos coletivistas. Para eles, diferente do que propunham os bakuninistas, deve-se propiciar a todos, independente da quantidade de trabalho, os frutos do trabalho coletivo. Com isto, estamos de acordo. Cada um deve trabalhar de acordo com suas possibilidades e cada um deve receber de acordo com as suas necessidades. Entretanto, achamos que a questão é mais complexa. Esta proposta exige que na sociedade revolucionária a consciência socialista esteja bem avançada e que as forças produtivas sejam tais que possibilitem a cada um as suas necessidades. Em um primeiro momento de ruptura com o sistema capitalista, como já dissemos, acreditamos que a consciência revolucionária ainda não está totalmente avançada, pois permanece ainda impregnada de valores burgueses, e as forças produtivas tendem a regredir devido à guerra revolucionária e à reorientação socialista da economia. Devemos lembrar a avaliação de Piotr Archinov sobre a participação dos anarquistas na revolução russa:
O anarquismo não tinha opinião firme e concreta sobre os problemas essenciais da revolução social; uma opinião indispensável para satisfazer a procura das massas que criaram a revolução. Os anarquistas exaltam o princípio comunista que diz: “a cada um segundo suas habilidades, a cada um segundo suas necessidades”, mas nunca se preocuparam em aplicar esse princípio à realidade, embora possuíssem certos elementos duvidosos para transformar esse grande princípio em uma caricatura do anarquismo – lembre-se de quantos vigaristas se beneficiaram apoderando-se dos bens da coletividade e juntando-os aos seus lucros pessoais. (MAKNHO, s.d., p. 84).

Assim, achamos que num primeiro momento, a proposta coletivista de dividir os produtos de acordo com o trabalho se torna mais viável, devendo ela sempre estar orientada para o avanço da consciência e das forças produtivas para que o socialismo anarco-comunista seja consolidado no futuro.
Este debate econômico sobre a forma coletivista ou comunista deve avançar com base nas experiências revolucionárias dos trabalhadores e do contexto atual, ainda muito temos que desenvolver para a criação de um programa anarquista.

Avaliando os Meios
Outras questões que consideramos relevante no coletivismo são os meios que ele aponta para a transformação social. Primeiro, acreditamos que a conjuntura atual exige mais do que no séc. XIX uma internacionalização da revolução. Concordamos, portanto, com Bakunin quando ele diz:
(...) a federação de todas as associações operárias de um país apenas não bastam para criar um poder capaz de lutar contra a coligação internacional de todos os capitais exploradores, do trabalho na Europa; a ciência demonstrou, por outro lado, que a questão da emancipação do trabalho não se trata de uma questão nacional; que nenhum país, mesmo que seja grande, poderoso, rico, pode, sem se arruinar e sem condenar todos os seus habitantes à miséria, empreender nenhuma transformação radical das relações do capital e do trabalho (...)

Em segundo lugar, acreditamos que uma transformação real precisa vir através de uma revolução social e que a violência será necessária para a ruptura. Pois, afinal, basta que o povo oprimido ocupe uma terra para que os órgãos de repressão do Estado apareçam para impor a manutenção da ordem burguesa. As classes dominantes não abrirão mão de suas posses sem muita luta. Em terceiro lugar, acreditamos que uma revolução social, longe de todo vanguardismo, deve ter as classes populares como protagonista. São os trabalhadores urbanos e rurais quem deverão fazer a revolução social. Entretanto, em relação aos sujeitos da revolução social, acreditamos que Bakunin não deu a devida importância aos operários qualificados. Para o revolucionário russo, eles não possuíam um caráter revolucionário porque já haviam se aburguesados. Concordamos que os operários qualificados, tanto no séc. XIX quanto hoje, por não viverem na miséria tendem à inércia e a se identificarem com a ideologia da pequena burguesia. Entretanto, associar a idéia de miséria com a de revolução, isto é, acreditar que quanto mais miserável for o trabalhador, mais propício ao pensamento revolucionário ele estará é um problema. Este não pode ser o único critério para pensarmos os sujeitos de uma revolução social. É importante, sobretudo, identificar quais as classes sociais possuem maior peso na produção das riquezas do sistema capitalista em cada realidade nacional, estadual, local e internacional. Estes operários qualificados criticados por Bakunin eram fundamentais, ao nosso ver, para a revolução social. Eles possuíam um peso econômico muito forte e ainda hoje são em grande parte eles quem produzem as maiores riquezas do sistema. Se pensarmos em uma luta social, uma greve destes operários abalaria muito mais as estruturas do sistema do que uma ocupação de sem-tetos ou sem-terras, por exemplo. Serão, portanto, fundamentais no enfrentamento contra o regime. Estimular a organização autônoma destes operários, lutando contra a consciência burguesa, incentivando a unificação de sua luta com a dos demais trabalhadores do campo e da cidade, é uma função importante para uma organização anarquista.

Em quarto lugar, achamos de fundamental importância para o momento atual a divisão de níveis de atuação entre nível político e social, sabendo o que compete a cada um. Portanto, achamos que é necessário atuar no movimento social buscando uma unidade através de questões concretas, e relegando neste meio social o nível ideológico para um segundo plano. Achamos que a luta econômica, isto é, unificar os trabalhadores do campo e da cidade em torno das lutas por terra, moradia, trabalho, salário, jornada de trabalho, é fundamental e que no contexto atual é ela quem pode aglutinar mais trabalhadores e potencializar uma luta combativa de enfrentamento com as estruturas do sistema. Ao mesmo tempo, achamos importante construir uma organização anarquista específica que tenha o papel de estimular uma linha revolucionária à luta dos trabalhadores. Essa organização política deve carregar grande parte das características da Aliança, sendo uma organização de minoria ativa que atue no interior dos movimentos dos trabalhadores, e que tenha disciplina, unidade de programa, unidade de ação, responsabilidade coletiva e processo de ingresso.

Neste âmbito da forma de organização política, achamos apenas que, para a realidade atual, a organização não precisa ser secreta, o que não descarta a necessidade de tornar-se secreta de acordo com a conjuntura. A Aliança relegou a um plano praticamente inexistente a propaganda. Atualmente, acreditamos que ela ocupa um papel relevante, não o principal, que para nós continua sendo o nível social, a organização dos oprimidos em torno de suas questões concretas e o modo como destas questões podemos aprofundar as exigências da luta. Entretanto, a propaganda anarquista serve para aproximar militantes, apresentar um programa de alternativa política para os decepcionados com a esquerda reformista e a esquerda revolucionária autoritária, enfim, para combater ideologicamente o sistema capitalista.

Entretanto, uma organização anarquista, ainda que pública, deve saber que muitas coisas no seu interior, como alguns documentos, algumas discussões e algumas ações, deverão ser clandestinas, isto é, só poderão ser conhecidas pelos seus próprios militantes. Ela deve ter um processo de ingresso claro e exigente e critérios de segurança para que não haja infiltração das forças repressivas do Estado. Esta é uma avaliação rápida dos elementos de um programa anarquista apontado por Bakunin, buscando identificar em que questões ele pode contribuir para a formulação de um programa revolucionário para atualidade. Ainda muito temos que fazer, tanto em nossa luta cotidiana junto às classes exploradas, quanto no diálogo constante com esta prática na elaboração dos caminhos que devemos tomar para a construção de uma nova sociedade. Não poderíamos terminar um texto sobre Bakunin sem relembrar a sua própria vida e palavras. Especialmente quando, antes de morrer, velho e doente, percebeu a necessidade de se afastar do movimento dos trabalhadores:
Nos últimos nove anos desenvolveram-se no seio da Internacional mais idéias do que era preciso para salvar o mundo, se apenas as idéias pudessem salva-lo, e desafio quem quer que seja a inventar uma nova. O tempo não está mais para idéias, e sim para fatos e para atos. O que mais importa, hoje, é a organização das forças do proletariado. Mas esta organização deve ser obra do próprio proletariado. Seu eu fosse jovem, eu me transportaria para um meio operário, e, compartilhando a vida laboriosa de meus irmãos, participaria igualmente com eles do grande trabalho dessa organização necessária. Mas, minha idade e minha saúde não me permitem faze-lo. Elas me pedem, ao contrário, a solidão e o repouso.

E os trabalhadores, durante o final do séc. XIX e início do séc. XX não deixaram Bakunin repousar, reivindicando suas idéias e sua prática nas lutas travadas pelo mundo inteiro. Não repousará os anarquistas enquanto a opressão e a exploração existir!

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